Hoje é Dia da Floresta Autóctone. Porém há poucos motivos para festejar. Se celebramos o “dia da floresta autóctone” com a imagem romântica de florestas antigas, biodiversas e protegidas, a realidade florestal em Portugal torna essa celebração algo ambígua: a maioria das florestas são plantações, privadas, de reflorestação e sem uma gestão unificada ou ecológica profunda.
Há mais motivos para preocupação (incêndios, gestão deficiente, fragmentação) do que para festejo triunfal de uma floresta “autóctone” bem conservada. Embora haja sinais de progresso: os programas de reflorestação com espécies autóctones, a certificação e os relatórios recentes mostram que há algum movimento para melhorar a qualidade (não só a quantidade) da floresta.
Segundo o relatório FRA 2025 , estima-se para 2025 uma área florestal de 3,36 milhões de hectares, o que corresponde a cerca de 36,7% do território nacional.
Isso representa um ligeiro aumento comparado a alguns momentos anteriores, embora haja incerteza: a estimativa baseia-se em tendências, já que o último IFN (Inventário Florestal Nacional) completo disponível é o IFN6, relativo a 2015.
Por outro lado, a Carta de Uso e Ocupação do Solo (COS) 2023 aponta para uma percentagem de floresta de 31,8% do território continental, o que sugere uma diminuição — embora sejam metodologias diferentes (COS vs IFN).
Mas os grandes desafios persistem:
1. A predominância de plantações (74% segundo FRA 2025) continua alta, o que significa que muito da floresta não é “autóctone original” nem está em estado natural antigo.
2. A fragmentação da propriedade, com muitos proprietários muito pequenos, limita a coordenação para a gestão sustentável ou preventiva (incêndios, biodiversidade, restauração).
3. A falta de planos de gestão em muitas áreas torna a floresta vulnerável: sem gestão sistemática, mesmo as iniciativas de reflorestação serão fragilizadas (manutenção, crescimento, proteção).
4. A privatização massiva torna difícil ao Estado impor metas de renaturalização ou conversão para espécies autóctones em larga escala, sem incentivos ou regulamentação forte.
5 .Segundo a avaliação da FAO (FRA 2025), cerca de 74% da floresta estimada para 2025 é floresta plantada (2,49 M ha), enquanto apenas ~26% é regeneração natural e menos de 1% é floresta primária (i.e., muito antiga / original).
Isso reforça a ideia de que, mesmo que muitas formações sejam “autóctones” (espécies locais), grande parte da floresta é resultado de plantações (muito geridas, monoculturas de eucalipto e de Pinus), não remanescentes naturais primários.
6. Propriedade florestal
Continua a haver elevada percentagem de floresta privada: fontes da PEFC afirmam que 84% da floresta é de propriedade privada.
Segundo o FRA 2025 citado por Florestas , mais de 92% da floresta portuguesa é privada (dado de 2020 usado como base). Só cerca de 2% da floresta é de domínio público (Estado).
A pequena propriedade é ainda muito comum: por exemplo, segundo o ECO, a área média por propriedade florestal em Portugal é de apenas 0,57 hectares, o que dificulta a gestão integrada.
7. Gestão florestal / planos de gestão
Portugal tem uma das menores percentagens de floresta com plano de gestão de longo prazo na UE.
Isso significa que, mesmo com propriedade privada dominante, nem toda a floresta é eficazmente “gerida” para prevenir riscos como incêndios, de modo coordenado.
8. Certificação florestal
Quanto à floresta plantada certificada (PEFC), há cerca de 248 mil hectares certificados em Portugal no final de 2022.
Isso mostra um esforço de parte dos proprietários para uma gestão mais “sustentável” (no sentido de certificação), mas esse número é apenas uma fração da floresta total privada.
9. Incêndios e resiliência da floresta autóctone
Monoculturas de eucaliptos (o eucalipto ocupa cerca de 26,2% da área florestal segundo o PEFC) e de Pinus, os matos, o desconhecimento das demarcações de territórios rústicos, com muitos proprietários muito pequenos e a falta de limpezas, continuam a ser um fator crítico.
A solução não está em plantar mais árvores — está em gerir melhor
Plantámos muito nas últimas décadas.
O problema é o que acontece depois: falta manutenção; falta continuidade ecológica, falta criação de solos saudáveis, falta acompanhamento de 3, 5 ou 10 anos, falta gestão para reduzir o risco de incêndio.
O país troca sistematicamente a restauração ecológica por “eventos de plantação”.
É o equivalente florestal às “selfies de voluntariado”.
O que fazer então?
Aqui está um caminho realista — e urgente.
1. Agrupar a gestão da pequena propriedade ZIF, AIGP, condomínios rurais — chamem-lhe o que quiserem. Sem gestão conjunta, nada funciona. Só assim se consegue escala para limpar, planear, prevenir e restaurar.
2. Incentivos sérios para gestão a longo prazo
Precisamos de financiamentos que mantenham a floresta viva, não só plantada: fundo nacional de manutenção, contratos de 5–7 anos para gestão ativa, apoio à condução de povoamentos e criação de descontinuidades.
3. Restaurar floresta autóctone verdadeira
Não basta escolher espécies nativas.
É preciso: restaurar linhas de água, proteger solos, criar bosques contínuos, ligar manchas de habitats, aumentar a idade média da floresta.
A natureza não se reconstrói com eventos: constrói-se com décadas de persistência.
4. Reequilibrar o modelo das plantações industriais
Não se trata de eliminar o eucalipto — mas de o domar: limitar onde pode ser plantado, impedir a continuidade total, obrigar a mosaicos com espécies nativas.
5. Reforçar fiscalização e meios
Uma lei sem fiscalização é só poesia jurídica.
É preciso garantir: cumprimento de planos, gestão mínima obrigatória, controlo de novas plantações ilegais, eliminação de invasoras, recrutar mais técnicos e vigilantes da natureza e criar melhores incentivos
6. A sociedade civil também tem um papel crucial
Exigir políticas públicas com base em dados, não slogans.
Apoiar projetos de restauração que fazem manutenção, não apenas plantação simbólica.
Aumentar a literacia ecológica (saber distinguir floresta de matagal e de plantação).
Um país que não entende o que é a sua floresta não pode defendê-la.
Conclusão: Celebrar menos, transformar mais
Em vez de celebrar uma floresta autóctone que quase não existe,
talvez seja tempo de trabalhar para que ela exista realmente.
A boa notícia?
Há conhecimento, há técnicos, há soluções e há vontade local.
O que falta é coragem política, coordenação e persistência.
Se queremos que o “Dia da Floresta Autóctone” deixe de ser simbólico e passe a ser real, então é preciso fazer o que nunca fizemos: gerir o território como um todo, com ciência, escala e visão ecológica.
Porque a floresta não precisa de aplausos — precisa de cuidado e de uma política florestal de médio e longo prazo.
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