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quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Helsínquia cumpre um ano sem mortes na estrada: lições para Portugal



Helsínquia, capital da Finlândia, registou um feito histórico: entre julho de 2024 e julho de 2025 não houve mortes por atropelamento ou acidente rodoviário. A jornalista Adele Porters destacou, num artigo da revista Fast Company, o impacto das políticas de mobilidade urbana na prevenção de tragédias.

Este resultado deve-se sobretudo a um conjunto de medidas implementadas ao longo das últimas décadas. Entre elas destacam-se a exigência na formação de novos condutores, a adoção de métodos rigorosos de fiscalização e, sobretudo, a redução progressiva dos limites de velocidade dentro da cidade. Atualmente, cerca de 60% das vias de Helsínquia têm limite máximo de 30 km/h, um valor bastante inferior ao praticado em muitas capitais europeias.

Redução de velocidade: a chave para salvar vidas
A redução foi sendo feita de forma gradual: na década de 1970, a velocidade máxima era de 50 km/h na maioria das vias; já no início dos anos 2000, tinha baixado para 40 km/h. Esta mudança tem um impacto direto na sobrevivência das vítimas de acidentes. De acordo com o relatório Literature Review on Vehicle Travel Speeds and Pedestrian Injuries, do Departamento de Transportes dos Estados Unidos, uma pessoa atropelada por um veículo a 50 km/h tem oito vezes mais probabilidades de morrer do que alguém atingido por um automóvel a 30 km/h.

Outro fator determinante para a segurança rodoviária na Finlândia é a formação dos condutores. O processo inclui aulas teóricas e práticas, semelhantes às existentes em Portugal, mas com algumas diferenças de aplicação. Após a obtenção da carta, os condutores finlandeses entram num período probatório de dois anos, durante o qual não podem cometer mais de duas infrações graves. Caso contrário, perdem a licença e são obrigados a repetir os exames.

O regime probatório em Portugal: semelhanças mas resultados diferentes
Em Portugal, também existe um regime probatório, mas com duração de três anos. Durante esse tempo, os condutores estão sujeitos a regras mais restritivas: a taxa de álcool permitida é zero (0,0 g/l), o limite de velocidade nas autoestradas e vias reservadas é de 90 km/h (em vez dos habituais 120 km/h), e a acumulação de duas infrações graves ou de uma muito grave implica a revogação da carta, sendo necessário repetir todo o processo de obtenção do título de condução.

Apesar das semelhanças legislativas, os resultados práticos são bastante distintos. Em Portugal, as estatísticas continuam a revelar números preocupantes. Segundo o relatório da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), entre 1 de janeiro e 15 de dezembro de 2024 registaram-se 453 mortes em acidentes rodoviários a nível nacional. Lisboa e Porto foram os distritos mais afetados, com 54 vítimas mortais cada um. Só no distrito de Lisboa, em 2024, ocorreram quatro mortes por atropelamento, número superior ao registado nos anos anteriores (duas mortes em 2022 e duas em 2023).

Resumo dos dados relativos a Lisboa em 2024: 54 mortes em acidentes rodoviários entre 1 de janeiro e 15 de dezembro; 4 mortes por atropelamento durante o ano (em separado das anteriores).

O segredo para o trânsito mais seguro em Helsínquia
O segredo das medidas para um trânsito seguro em Helsínquia está, em grande parte, no planeamento urbano. As vias públicas estreitas — com uma largura média de apenas 3,3 metros — e a plantação de árvores junto aos passeios criam uma sensação de espaço mais limitado, incentivando os condutores a reduzir a velocidade.

Os engenheiros de tráfego da cidade analisam regularmente acidentes com vítimas mortais para compreender se a conceção das vias pode ter contribuído para os mesmos. Sempre que um cruzamento é considerado perigoso para condutores, peões ou ciclistas, as autoridades intervêm, ajustando o espaço para aumentar a segurança.

Alternativas ao carro e transporte público eficiente
Com passeios largos e várias ciclovias, muitos habitantes de Helsínquia conseguem deslocar-se diariamente para o trabalho sem recorrer ao automóvel. Ao contrário de outras grandes cidades que desmantelaram as frotas de elétricos e reduziram investimentos em ferrovias em favor das estradas, a capital finlandesa manteve e reforçou a sua rede de transporte público, tornando-a amplamente utilizada.

A fiscalização é rigorosa e inclui uma rede de câmaras que multam automaticamente os veículos que excedam os limites de velocidade. Quem circula mais de 20 km/h acima do permitido enfrenta uma multa proporcional ao rendimento. Em 2023, um milionário foi multado em 121 mil euros por esta razão, tornando-se num dos casos mais comentados do país.

A comparação entre Helsínquia e Lisboa mostra como a combinação de políticas públicas consistentes, fiscalização eficaz e limites de velocidade adequados pode ter um impacto direto na preservação de vidas humanas. Enquanto a capital finlandesa celebra um ano sem vítimas mortais no trânsito, Portugal enfrenta ainda o desafio de reduzir significativamente as suas estatísticas rodoviárias.

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