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quinta-feira, 4 de abril de 2024

Na altura em que abandonam o ninho, 90% dos cagarros já têm o estômago cheio de plástico, mostra estudo do Instituto Okeanos


Trabalho baseado em necropsias a mais de 1100 aves, uma amostra especialmente robusta, eleva esta espécie marinha à categoria de bioindicador
Com o seu grito esganiçado, os cagarros são uma marca das noites de verão açorianas. Esta ave marinha, que nidifica em Portugal e Espanha, em concreto nos arquipélagos da Madeira, Açores e Canárias, ganharam agora um novo estatuto, graças ao trabalho de uma equipa do Instituto de Investigação em Ciências do Mar – Okeanos – da Universidade dos Açores.

Num estudo publicado na revista “Environment International“, o cagarro (Calonectris borealis) surge, pela primeira vez, como um indicador do lixo marinho no Atlântico Norte, ajudando a perceber quais as tendências na presença de plásticos nesta região do oceano.

Este título de bioindicador não surgiu do nada. É antes o resultado de um trabalho de quase nove anos e mais de 1100 necropsias a cagarros juvenis e no qual os investigadores descobriram que mais de 90% dos juvenis desta espécie, quando abandonam o ninho, já contém partículas plásticas nos seus estômagos. Um dos valores mais altos encontrados, quando comparado com outras espécies de cagarros noutras regiões.

O método mais simples de monitorizar a quantidade de plásticos a circular no mar é por amostragem. “Mas não é um método tão bom”, diz à Exame Informática a investigadora responsável pelo estudo, Yasmina Gonzalez. É mais rigoroso e oferece mais informação a pesquisa deste material no sistema digestivo de espécies chave. A tartaruga, por exemplo, é uma delas. Só que no Atlântico Norte não são assim tão comuns. É por isso que o grupo de estudo do lixo marinho do Okeanos começou a pensar nos cagarros como um veículo de monitorização do problema. “Trata-se de espécies que acumulam plástico e que também são vítimas da contaminação luminosa”, justifica Yasmina.

Com uma passagem muito estreita entre a parte principal do estômago e a moela, nos cagarros as pequenas partículas de plástico vão-se acumulando, em vez de serem regurgitadas, como acontece noutras espécies de aves. Sendo assim, as micropartículas vão-se acumulando e formando pedaços maiores e bem visíveis (como se pode ver nas fotos).

Quando saem do ninho, os juvenis ficam atarantados com as luzes das cidades e apesar de serem alvo de campanhas de proteção, como a SOS Cagarro, alguns acampam por morrer com os embates. São estas vítimas da poluição luminosa que têm vindo a ser necropsiadas, desde 2015, o que resultou num dos estudos de maior amostra e mais robustos que já foi feito, sublinha a investigadora. “Este é um estudo de grande relevância pois apesar de recentemente terem sido propostas diferentes espécies como bioindicadores de lixo marinho no oceano, até agora poucas se baseavam em análises exaustivas que permitissem a sua aceitação efetiva”, detalha.

“O facto destes juvenis conterem plásticos nos estômagos, mesmo antes de se alimentarem por si próprios, indica que os plásticos são ingeridos durante o processo de alimentação pelos progenitores, durante o seu crescimento no ninho”, detalha-se em comunicado de imprensa. “Os juvenis vítimas da poluição luminosa oferecem uma amostra não invasiva, facilmente acessível, o que os torna cientificamente úteis, a longo prazo, para programas de monitorização do lixo marinho, implementadas pelos Governos destas Regiões Autónomas de Portugal e de Espanha, no quadro das políticas europeias, nomeadamente da Diretiva Quadro Estratégia Marinha”, explica Christopher Pham, do Instituto OKEANOS, supervisor do estudo e investigador responsável pela equipa que estuda os impactos do lixo marinho no bom estado ambiental do oceano.

Nos cagarros açorianos, a média de partículas encontradas foi de 10 por cada animal, nas Canárias foi ainda mais, 28, revela Yasmina Gonzalez. Além da diferença em termos de quantidade, também é percetível a diferença na origem, com “mais elementos que vêm da pesca” na população do arquipélago espanhol.

Com base neste trabalho, a equipa do Okeanos pretende agora propor um novo limite considerado aceitável para a presença de plásticos nestas espécies marinhas. Mas de pouco adianta legislar se os comportamentos não se alterarem. “O problema não é o material em si, o material é valioso. O problema é o seu uso único. Temos de ser mais críticos e conscientes na utilização”, recomenda.

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