Morreu este domingo, aos 84 anos, o escritor, académico, cineasta, ativista dos direitos humanos e um dos maiores jornalistas de investigação de todos os tempos, cujas obras transcendem nações e gerações. Muitos dos seus trabalhos podem ser encontrados no site John Pilger
O trabalho de John Pilger permitiu desvendar histórias ocultas de inúmeros acontecimentos contemporâneos. As suas obras expuseram opressores e seus crimes, e deram visibilidade à coragem daqueles que resistiram à opressão, dos povos aborígenes vítimas de apartheid na Austrália, seu país de origem, às vítimas do colonialismo, guerras, ocupações, pilhagens, injustiças e abusos vários no Vietname, Timor-Leste, Camboja, Afeganistão, Iraque, Chile, Palestina, entre muitos outros países.
O seu documentário 'Death of a Nation: The Timor Conspiracy', datado de 1994, por exemplo, foi feito a partir de uma reportagem clandestina em Timor-Leste e deu um valioso contributo para tornar conhecido o genocídio do povo timorense sob a ocupação da Indonésia, bem como incluiu testemunhos pessoais e imagens de notícias que descrevem o envolvimento de governos estrangeiros neste processo.
Com quase 30 anos de diferença, os dois documentários de John Pilger sobre a Palestina “Palestine Is Still The Issue (Parte 1 e 2)” mostram-nos que, no decorrer de uma geração, a grande injustiça e a violência que assola o povo palestiniano permaneceu inalterada e impune. No seu filme de 1974, descreveu a fuga e a expulsão de quase um milhão de palestinianos, que se tornaram refugiados na sua própria terra – na criação do Estado de Israel em 1948, e depois como resultado da Guerra dos Seis Dias em 1967. “O que mudou”, disse Pilger no seu regresso para filmar o documentário de 2002, “é que os palestinianos reagiram”. “Apátridas e humilhados durante tanto tempo, levantaram-se contra o enorme regime militar de Israel, embora eles próprios não tenham exército, tanques, aviões americanos, navios de guerra ou mísseis... Para [eles], a rotina dominante do terror, dia após dia, tem sido o controlo implacável de quase todos os aspetos das suas vidas, como se vivessem numa prisão aberta”, referiu.
Pilger ganhou um American TV Academy Award, um Emmy, e um British Academy Award, um BAFTA pelos seus documentários, que também ganharam vários prémios nos EUA e na Europa, como o de Melhor Documentário da Royal Television Society, o Reporter Sans Frontières de França e o Prémio Richard Dimbleby, concedido pela Academia Britânica de Artes Cinematográficas e Televisivas. O British Film Institute incluiu o seu filme de 1979, “Ano Zero: a Morte Silenciosa do Camboja”, entre os dez documentários mais importantes do século XX.
Pilger ganhou duas vezes o maior prémio do jornalismo britânico, o de Jornalista do Ano, pelo seu trabalho em todo o mundo, nomeadamente no Camboja e no Vietname. Foi Repórter Internacional do Ano e vencedor do Prémio da Paz e a Medalha de Ouro das Nações Unidas.
Os seus artigos são lidos em todo o mundo. Em 2001, foi curador de uma grande exposição no London Barbican, Reporting the World: John Pilger's Eyewitness Photographers, uma homenagem aos grandes fotógrafos a preto e branco com quem trabalhou. Em 2003, foi galardoado com o prestigiado Prémio Sophie pelos “30 anos de exposição da injustiça e promoção dos direitos humanos”. Em 2009, recebeu o prémio australiano de direitos humanos, o Prémio da Paz de Sydney. Em 2017, a Biblioteca Britânica anunciou um Arquivo John Pilger, com todos os seus trabalhos escritos e filmados. Em outubro de 2023, foi premiado com o Prémio Gary Webb de Liberdade de Imprensa do Consortium News.
Pilger apoiou firmemente a luta de Julian Assange e a exigência da sua libertação, denunciando incansavelmente a tentativa de silenciamento da verdade e o ataque à liberdade de imprensa.
O premiado cineasta e gigante do jornalismo é conhecido pelas suas críticas à política externa ocidental e por expor todos aqueles que, detendo o poder político, económico ou ambos, prefeririam permanecer intocados. John Pilger passou a vida a denunciar e a combater, de forma destemida, o imperialismo e o colonialismo, e a expor os media “por aquilo que são, uma extensão do poder corporativo", e um instrumento de “promoção e limpeza das guerras contemporâneas”. Para Pilger, “'austeridade' é a imposição do capitalismo aos pobres e a dádiva do socialismo aos ricos - a maioria paga as dívidas de poucos”.
Também era um grande defensor dos direitos dos aborígenes. Na sua última coluna para o Guardian, em 2015, condenou como “os aborígenes serão expulsos das terras onde as suas comunidades viveram durante milhares de anos”.
Numa das suas últimas publicações no Twitter, Pilger escreveu que: “O sangue nunca seca na Palestina. As multidões e as bandeiras em Londres e noutras cidades do Reino Unido são hoje um vislumbre da resistência em todo o mundo à barbárie e às mentiras de uma ocupação patrocinada e armada pelos ‘líderes’ do Ocidente – aqueles que exigem o vosso apoio. Não lhes deem esse apoio”.
Podes ler aqui artigos de e sobre John Pilger publicados no Esquerda.net.
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