Tem gente propondo combater a mudança do clima por meio da geoengenharia solar, a diminuição artificial da intensidade da insolação. Um processo em grande parte ineficaz, desnecessário e que traz riscos potenciais. Ao invés disso, devemos nos concentrar em soluções que funcionam no mundo real.
Interromper as mudanças do clima é relativamente simples. Nós sabemos
o que fazer. Só temos que fazer.
Sobretudo, precisamos acabar o mais rápido possível com as emissões de gases de efeito estufa – vindas do uso da energia, do uso da terra e da agricultura, e de materiais exóticos do mundo. Já existem muitas oportunidades para se reduzir as emissões de eletricidade, alimentos e agricultura, indústria, transporte e edificações.
Também há oportunidades para se apoiar e melhorar os sumidouros naturais de carbono que podem ajudar a remover os gases de efeito estufa que já emitimos. E há maneiras de melhorar a sociedade com benefícios climáticos adicionais.
No
Project Drawdown, delineamos dezenas de oportunidades para reduzir emissões, apoiar os sumidouros de carbono e melhorar a sociedade – impedindo que o mundo se encaminhe para mudanças climáticas descontroladas.
As soluções climáticas começam por se reduzir as fontes de gases de efeito estufa, incentivar remoções de carbono e melhorar a sociedade de maneiras que ofereçam benefícios climáticos. Imagem por Projeto Drawdown 2021.
As soluções essenciais estão bem na nossa frente. Nosso trabalho é aplicá-las em escala da forma mais rápida, segura e equitativa possível.
Mas alguns parecem não estar dispostos a aceitar isto e propõem a implantação de ideias descabidas para combater as mudanças climáticas ao invés de atacar suas causas subjacentes.
O que é Geoengenharia Solar?
A ideia básica é manipular a quantidade de luz solar que atinge a Terra, refletindo parte dela de volta ao espaço. O processo pretende esfriar o planeta apenas o suficiente para neutralizar os efeitos de aquecimento causados pelo aumento dos gases de efeito estufa.
Há várias maneiras de se refletir a luz solar. Podemos colocar grandes espelhos em órbita ou em uma posição estável entre a Terra e o Sol. Mas a opção mais frequentemente discutida é injetar aerossóis na estratosfera, a camada de ar que reside a cerca de 10 a 50 quilômetros acima da superfície. Estes aerossóis espalhariam um tanto da luz solar que atinge a Terra, refletindo-a para o espaço.
Já existe uma camada natural de
aerossóis de sulfato na estratosfera, com enxofre proveniente de emissões vulcânicas e outras fontes naturais. Sua espessura varia de ano para ano, especialmente após grandes erupções vulcânicas. A geoengenharia solar tornaria esta camada mais espessa, refletindo mais luz solar, resfriando assim o planeta.
À primeira vista, pode parecer razoável. Por que não podemos simplesmente dissipar um pouco de sol e esfriar um pouco o planeta? Isto não contrabalançaria bem os efeitos do aquecimento global?
Não exatamente.
Espalhar aerosois na atmosfera não combate efetivamente o aquecimento causado pelos gases de efeito estufa
Embora possa parecer razoável se cancelar o aquecimento do efeito estufa com a refrigeração por geoengenharia solar, não é tão simples assim. As formas como os gases de efeito estufa aquecem o planeta são muito diferentes de como a geoengenharia solar poderia resfriá-lo. Um não cancela diretamente o outro.
Ao efetivamente “aprisionar” parte da radiação infravermelha de saída da Terra, os gases de efeito estufa aquecem o planeta de uma forma particular. Em primeiro lugar, o aumento dos gases de efeito estufa faz com que o planeta se aqueça mais à
noite do que durante o dia – um padrão observado em grande parte do mundo. Eles também aquecem o planeta
mais nas altas latitudes, especialmente no Hemisfério Norte, do que nas regiões equatoriais. E geralmente causam mais aquecimento
nos meses de inverno do que nos de verão.
Injetar aerossóis na estratosfera esfriaria o planeta – mas de uma maneira diferente. Como os aerossóis refletem a radiação solar, eles são mais eficazes durante o dia, durante o verão e na zona equatorial. Em outras palavra: o padrão oposto do aquecimento causado pelos gases de efeito estufa.
Portanto, este tipo de geoengenharia solar não combateria efetivamente o aquecimento causado pelos gases de efeito estufa. Ela tenderia a esfriar os lugares errados, nas horas erradas, para ser um antídoto perfeito contra o aquecimento de efeito estufa.
Simplificadamente, não se apresenta como uma solução fácil para o aquecimento causado pelos gases de efeito estufa.
Uma analogia vem à mente: se seu cabelo pegar fogo, colocar os pés na água gelada não vai ajudar.
A geoengenharia solar não só é largamente ineficaz como pode ser perigosa. O efeito combinado dos gases de efeito estufa e da geoengenharia solar pode criar uma verdadeira desordem – potencialmente desestabilizando os padrões climáticos e meteorológicos de formas imprevisíveis. Isso pode tornar as coisas ainda piores.
Há outros riscos
Se os efeitos da geoengenharia solar somente no clima não o preocupam – e deveriam – há um conjunto de outros impactos a se considerar.
Em termos potenciais, o mais grave deles é como a mudança da natureza da luz solar ao redor da Terra afetaria a fotossíntese, a própria fundação da biosfera. Ao se reduzir a quantidade de luz solar que atinge a superfície da Terra e mudar o equilíbrio da luz solar “direta” e “difusa” (efetivamente fazendo o céu parecer mais nebuloso), a geoengenharia solar poderia causar um impacto profundo sobre os ecossistemas e as culturas.
Além disso, mudar fundamentalmente a natureza da estratosfera – por décadas à frente – poderia ter impactos profundos na física, na química e na circulação da atmosfera superior. Os efeitos ambientais disto, a longo prazo,
ainda são mal compreendidos, mas uma preocupação é que poderiam prejudicar a camada de ozônio estratosférica.
A geoengenharia solar não faz nada em relação aos efeitos não-climáticos do aumento do dióxido de carbono. Mesmo que pudesse neutralizar o aquecimento global, seria nula em relação à
acidificação dos oceanos. Isto, por si só, a retira da contenda como uma solução séria.
Principalmente, me preocupo com o
risco moral da geoengenharia solar – nos distraindo do trabalho real de lidarmos com as mudanças climáticas. Ao invés de gastarmos tempo, atenção e dinheiro com fantasias, concentremos nossa atenção na redução das emissões de gases de efeito estufa do mundo, apoiando os sumidouros de carbono da natureza e melhorando os fundamentos da sociedade.
Apesar de manchetes equivocadas, os cientistas não estão endossando a ideia
A geoengenharia solar recentemente ganhou atenção porque a Academia Nacional de Ciências, um respeitado órgão consultivo do governo dos Estados Unidos,
propôs um programa de pesquisa limitado sobre o tema.
Ela não endossou o conceito, como
alguns meios de comunicação erroneamente relataram. Ela meramente propôs um esforço de pesquisa para se examinar o conceito, incluindo seus perigos potenciais. É uma linha de ação razoável.
Mas não confundam esta proposta de estudo com um endosso da geoengenharia solar por cientistas climáticos sérios. Não é o caso.
A geoengenharia solar é desnecessária
Um último argumento dos proponentes da geoengenharia solar é que podemos precisar dela como uma medida de emergência para “dar uma brecada” nas mudanças climáticas – se não agirmos a tempo.
Essa é uma posição irónica, já que a geoengenharia solar desvia a atenção da ação efetiva sobre o clima.
Mas também é equivocada por outro motivo: temos outras ferramentas para “dar uma brecada” no sistema climático. E estas não representam uma distração perigosa no caminho de impedirmos a mudança do clima. Na verdade, elas são parte da solução.
O aquecimento global é causado por vários gases – não apenas pelo dióxido de carbono. Cada gás tem suas próprias características. Alguns retêm mais calor, molécula a molécula, do que outros. E alguns duram mais tempo na atmosfera do que outros.
Para rapidamente diminuir a mudança do clima e ganhar tempo para que possamos fazer outras reduções de emissões, podemos nos concentrar em gases de efeito estufa poderosos e de curta duração como metano, monóxido de carbono e “carbono negro”.
Para entendermos como isto pode funcionar, olhemos os seguintes gráficos “pulso-resposta” de como os gases de efeito estufa afetam o clima. Veremos como um único ano de emissões (com base no mix que emitimos hoje) aqueceria o planeta durante as décadas seguintes. Em outras palavras, poderemos estimar como um único ano de “pulso” de gases de efeito estufa causa uma “resposta” de aquecimento nas décadas futuras.
Neste exemplo, adaptado do
Quinto Relatório de Avaliação do IPCC, podemos ver como o planeta aquece (em mK ou em milésimos de ˚C) ao longo do tempo a partir de um único ano de emissões.
Primeiro vemos como o planeta aqueceria a partir de um único ano de emissão de dióxido de carbono (CO2) e óxido nitroso (N2O) – dois gases de efeito estufa que vivem na atmosfera por centenas de anos.
Aquecimento por “pulso resposta” estilizado a partir de um único ano de emissão de dióxido de carbono e óxido nitroso. Adaptado da Figura 8.33 do 5º Relatório do IPCC. Gráfico de J.Foley 2021.
Depois adicionamos agentes de aquecimento “de curta duração”, incluindo metano (CH4), monóxido de carbono (CO) e carbono negro (BC), que têm um impacto de aquecimento profundo por algumas décadas, mas depois desaparecem.
Aquecimento “Pulse Response” a partir de um único ano de emissões de dióxido de carbono, óxido nitroso, monóxido de carbono, metano e carbono negro. Adaptado da Figura 8.33 do 5º Relatório IPCC. Gráfico de J.Foley 2021.
Podemos, então, separar os efeitos dos agentes de aquecimento de curta duração (carbono negro, metano e monóxido de carbono) dos de longa duração (dióxido de carbono e óxido nitroso).
Os efeitos de aquecimento dos gases de efeito estufa de vida-longa (dióxido de carbono e óxido nitroso) e gases de efeito estufa de vida-curta (monóxido de carbono, metano e carbono negro). Gráfico de J.Foley 2021.
Estas curvas ilustram como podemos causar um impacto profundo e imediato na mudança climática ao redobrar nossos esforços em agentes de aquecimento de curta duração – principalmente metano, monóxido de carbono e carbono negro. É desta forma que podemos “brecar” a mudança do clima sem as falhas e riscos desnecessários da geoengenharia solar.
É claro que precisamos reduzir todas as emissões de gases de efeito estufa o mais rápido possível. Mesmo assim, um esforço redobrado em metano, monóxido de carbono e carbono negro poderia gerar um impacto imediato nas mudanças do clima nas próximas décadas, dando-nos tempo para implantar soluções climáticas de longo prazo.
Interromper a mudança do clima exige que nos concentremos nesse trabalho, não nos distraindo com ideias de ficção científica que realmente não funcionarão, representam riscos consideráveis e apenas nos atrasam no caminha de uma ação efetiva.
Embora haja muitas “não soluções” em
circulação nos
dias de
hoje, a geoengenharia solar é a mais bizarra. É largamente ineficaz no combate ao aquecimento causado pelos gases de efeito estufa e representa riscos significativos para o planeta.
Se estão achando que a geoengenharia solar parece um pouco com os truques de fumaça e espelho no enfrentamento da mudança climática, não os culpo. Não estão exagerando muito.
É hora de se abandonar as fantasias e voltar ao trabalho de redução das emissões, de apoiar os sumidouros de carbono da natureza e melhorar a condição de vida das pessoas ao redor do mundo. Essas são as bases para se enfrentar a mudança do clima, e qualquer outra coisa é uma distração que não podemos mais pagar.
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