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terça-feira, 31 de outubro de 2023

Conto: Leonardo


O ar da noite estava carregado com o cheiro da terra encharcada pela chuva e com o zumbido distante da cidade. Sob o brilho suave de um poste de luz, um homem estava sozinho, a sua silhueta era uma figura escura e imóvel contra o mundo inquieto. Seu nome era Leonardo, um homem preso às rotinas e à reconfortante previsibilidade de uma vida meticulosamente planeada.

Leonardo passou a última década no mesmo apartamento, com os mesmos móveis dispostos da mesma maneira, cercado pelo mesmo papel de parede desbotado. Todas as manhãs, ele acordava exatamente às 6h30, preparava uma chávena de café preto e lia o jornal de frente para trás. Ele tinha um emprego que não amava nem odiava, voltando para casa todas as noites para jantar com frango grelhado e legumes cozidos no vapor.

Mas esta noite foi diferente. A rotina foi quebrada, os pedaços espalhados como folhas ao vento de outono. Mais cedo naquele dia, Leonardo recebeu um e-mail inesperado de seu senhorio: o prédio havia sido vendido a um incorporador que planeava demoli-lo para dar lugar a condomínios de luxo. Leonardo tinha trinta dias para desocupar seu apartamento, o lugar que ele chamava de lar há tanto tempo.

O choque o deixou entorpecido, à beira de um futuro desconhecido. A estabilidade a que se agarrou durante tantos anos estava a dissolver-se, deixando-o à deriva num mar de incerteza.

Enquanto Leonardo estava ali, ele sentiu o mundo girando ao seu redor, cada vez mais rápido, puxando-o para seu turbilhão vertiginoso. Ele se lembrou das palavras de seu pai, ditas há muitos anos, numa noite muito parecida com esta. "A vida é uma mudança, Leonardo. Apegar-se ao passado é como segurar uma folha durante um furacão. Você tem que se desapegar."

As palavras sempre pareceram tão distantes, abstratas. Agora, eles soavam com uma clareza dolorosa. Leonardo sempre se orgulhou de sua estabilidade e da sua resistência ao caos da mudança. Mas agora, confrontado com a realidade inegável da sua situação, ele sentiu uma sensação desconhecida: medo.

No entanto, por trás do medo, havia algo mais. Um lampejo de excitação, um sussurro de possibilidade. E se, pensou ele, isso não fosse o fim, mas um começo? E se, no meio às ruínas de sua antiga vida, ele pudesse construir algo novo, algo melhor?

Ele respirou fundo, sentindo o ar fresco da noite encher os seus pulmões. Lentamente, ele começou a andar, cada passo afastando-o da vida que conhecia e aproximando-o do futuro desconhecido que o aguardava. À medida que se movia, sentiu o peso das suas antigas rotinas se dissipando, sendo substituído por uma leveza que não sentia há anos.

A cidade se estendia diante dele, um labirinto de possibilidades. Ele passou por lugares antigos, por ruas desconhecidas e entrou no coração da noite vibrante da cidade. Os sons de risadas, música e sirenes distantes enchiam o ar, uma sinfonia de vida em toda a sua beleza caótica.

Pela primeira vez em anos, Leonardo sentiu-se verdadeiramente vivo. Ele percebeu que aceitar a mudança não significava render-se ao caos, mas abraçar a possibilidade de crescimento. Tratava-se de encontrar força na vulnerabilidade e coragem na incerteza.

Quando a primeira luz do amanhecer começou a surgir, Leonardo viu-se parado na periferia da cidade, olhando para o horizonte. O céu estava pintado em tons de rosa e dourado, uma promessa de um novo dia. Ele sorriu, sentindo uma sensação de paz tomar conta dele.

A mudança, ele percebeu, não era um fim, mas uma transformação, uma jornada rumo ao desconhecido. E pela primeira vez na vida ele estava pronto para abraçá-lo.

A noite deu lugar a um novo dia e, com ele, surgiu um novo Leonardo – alguém que não estava mais preso ao passado, mas livre para explorar as possibilidades ilimitadas do futuro. E ao dar o primeiro passo neste novo mundo, sentiu um profundo sentimento de gratidão pela jornada que tinha pela frente.

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