A expansão das minas industriais de cobalto e cobre na República Democrática do Congo (RDC) para baterias de veículos elétricos e outras tecnologias verdes levou à expulsão forçada de comunidades inteiras e a graves violações de Direitos Humanos, desde agressões sexuais, fogo posto ou espancamento, denunciou a Amnistia Internacional.
A República Democrática do Congo é um dos maiores produtores mundiais de cobalto - um mineral utilizado para fabricar baterias de iões de lítio para veículos elétricos e outros produtos - mas também é o maior produtor africano de cobre, uma matéria-prima utilizada em veículos elétricos ou noutros sistemas de energia renovável.
No relatório "Powering Change or Business as Usual?", divulgado esta terça-feira, a Amnistia Internacional e a organização Initiative pour la Bonne Gouvernance et les Droits Humains (IBGDH), com sede na República Democrática do Congo, descrevem o modus operandi das empresas multinacionais para expandir as operações mineiras que resultam na expulsão das comunidades das suas casas e das suas terras, sem uma reinstalação adequada.
A procura crescente das apelidadas “tecnologias de energia limpa” criou uma corrida das empresas a determinados metais, como o cobre e o cobalto, indispensáveis ao fabrico de veículos elétricos ou telemóveis.
Enquanto a bateria de um telemóvel requer sete gramas de cobalto, a bateria média de um veículo elétrico requer mais de 13 quilos. Desde 2010, a procura de cobalto triplicou. E prevê-se que atinja 222 mil toneladas até 2025.
"O mundo precisa urgentemente de se afastar dos combustíveis fósseis, que são os principais fatores da crise climática, mas a que custo?", questiona a Amnistia Internacional.
A organização reconhece a função vital das baterias recarregáveis na transição energética dos combustíveis fósseis, mas considera que “a justiça climática exige uma transição justa” e não à custa da violação de Direitos Humanos.
“A descarbonização da economia global não deve conduzir a mais violações dos direitos humanos, nem impedir as comunidades de usufruírem do seu direito à habitação”, defende em comunicado.
“Há minerais aqui”, têm de sair
A expansão das minas de cobalto e cobre à escala industrial no país tem conduzido a desalojamentos forçados, através de ameaças ou intimidações à população, conta o relatório das duas organizações de defesa dos Direitos Humanos.
Candy Ofime, uma das investigadores e co-autoras do relatório, explica o que está acontecer na RDC, num vídeo publicado pela Amnistia Internacional na sua conta da rede social X (antigo Twitter).
Em 2022, a Amnistia Internacional e o IBGDH estiveram na cidade de Kolwezi, na província de Lualaba, no sul do país, onde entrevistaram mais de 130 pessoas de seis projetos mineiros diferentes, que relataram a expulsão forçada de várias comunidades das suas casas e terras agrícolas.
A maioria testemunha que as comunidades não foram devidamente consultadas ou informadas e os planos de expansão das minas nunca foram tornados públicos. Em três dos quatro locais visitados, na cidade de Kolwezi e nos seus arredores, há testemunhos fortes de casos de violência sexual, fogo posto e espancamento.
"Não pedimos para ser deslocados, a empresa e o governo vieram e disseram-nos: 'Há minerais aqui'", contou Edmond Musans, de 62 anos, que teve de desmantelar a sua casa e partir, da cidade de Kolwezi.Desde que uma vasta mina de cobre e cobalto a céu aberto foi reaberta em 2015, pela Compagnie Minière de Musonoie Global SAS (COMMUS), uma empresa comum entre a Zijin Mining Group Ltd, uma empresa chinesa, e a Générale des Carrières et des Mines SA (Gécamines), a empresa mineira estatal da RDC.
Já na zona de Mukumbi, perto do local do projeto Mutoshi, gerido pela Chemicals of Africa SA (Chemaf), uma subsidiária da Chemaf Resources Ltd, com sede no Dubai, os antigos residentes testemunharam que foram forçados a partir das suas casas pelo representante do Chemaf e que os militares queimaram uma povoação e agrediram fisicamente a população para os obrigar a sair.“Têm de sair da aldeia agora", recordou Kanini Maska, um antigo residente, de 57 anos. "Não conseguimos recuperar nada, não tínhamos nada para sobreviver e passámos as noites na floresta”, acrescentou.
Também perto de Kolwezi, o projeto Metalkol Roan Tailings Reclamation (RTR), gerido por uma filial do Eurasian Resources Group (ERG), com sede no Luxemburgo e cujo maior acionista é o governo do Cazaquistão, levou ao despejo forçado de uma comunidade de agricultores.
Vinte e um foram expulsos, sem aviso prévio de despejo, por um destacamento de soldados que ocuparam a área, com alguns cães, enquanto os campos que tinham eram demolidos.
Uma mulher grávida relatou que, estava a tentar a recuperar as suas colheitas antes de serem destruídas quando foi violada em grupo por três soldados, enquanto outros soldados assistiam. Mais tarde, precisou de assistência médica e confessou ter tido medo de comunicar à Metalkol ou às autoridades locais.
"Direitos das comunidades não devem ser espezinhados"
Depois das autoridades nacionais da RDC terem levado a cabo ou facilitado a expulsão de comunidades inteiras e a violação de Direitos Humanos, o relatório “Powering Change or Business as Usual?” insta as autoridades do país a cessarem imediatamente estas ações.
A organização apela também à criação de uma comissão de inquérito imparcial sobre a situação e no reforço da aplicação das leis nacionais relacionadas com a exploração mineira e a proteção dos direitos das pessoas, em conformidade com as normas internacionais em matéria de Direitos Humanos. Nomeadamente, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos.
"As empresas mineiras internacionais envolvidas têm bolsos fundos e podem facilmente dar-se ao luxo de fazer as mudanças necessárias para salvaguardar os direitos humanos, estabelecer processos que melhorem a vida das pessoas na região e remediar os abusos sofridos”, afirmou Donat Kambola, diretora do IBGDH, em comunicado.
De acordo com a Amnistia Internacional e a IBGDH, os compromissos das multinacionais que alegadamente aderem "a elevados padrões éticos revelaram-se vazios", por não garantirem que as suas atividades não prejudicam as comunidades locais. As empresas mineiras presentes no país têm a responsabilidade de investigar os abusos identificados, proporcionarem uma reparação efetiva dos danos ou agirem prontamente para evitar mais danos.
"A República Democrática do Congo pode desempenhar um papel fundamental na transição mundial dos combustíveis fósseis, mas os direitos das comunidades não devem ser espezinhados na corrida à extração de minerais críticos para a descarbonização da economia mundial”, concluiu Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional.
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