"Nas décadas de 70 e 80, a sociedade exagerou um pouco na reação a estes estudos sobre o cérebro dividido, surgindo uma panóplia de iniciativas que enfatizavam o «lado esquerdo do cérebro» e o «lado direito do cérebro». Várias escolas alinharam na ideia e criaram programas curriculares que ajudavam a estimular ora um, ora outro, ora ambos os hemisférios cerebrais. O estereótipo da pessoa que usa mais um dos lados do cérebro disseminou-se, com aquelas que tinham o lado esquerdo mais preponderante a mostrarem-se mais organizadas, pontuais e atentas aos pormenores, ao passo que as que tinham o lado direito mais preponderante a saírem-se bem nas áreas da criatividade, da inovação e do desporto. Infelizmente, em reação a essa moda do lado esquerdo/lado direito, a estratégia que muitos pais adotaram para ajudarem os seus filhos a ganharem uma vantagem competitiva foi expô-los a iniciativas que se ajustavam aos seus talentos naturais. Isto fazia sentido, claro, pois queriam que os seus filhos fossem recompensados por aquilo em que revelavam um bom desempenho. Mas se o seu objetivo era gerar crianças mais completas e multifacetadas, então teria sido preferível inscrevê-las em atividades em que não eram boas. Por exemplo, poderiam ter encorajado os jovens com as faculdades científicas e matemáticas mais desenvolvidas a participar em iniciativas ao ar livre, em que pudessem explorar e recolher dados científicos numa floresta. E poderiam ter incitado os jovens com mais propensão para o desporto e para as artes a criarem um qualquer projeto científico ligado aos seus interesses. No entanto, como os pais fizeram o que fizeram, ao longo dos últimos 40 anos as nossas tendências naturais penderam para os dois extremos. Têm surgido alguns textos e cursos especificamente pensados para ajudar a desenvolver o nosso lado menos preponderante, incluindo o livro Drawing on the Right Side of the Brain, um clássico que ainda é muito usado hoje em dia. Além disso, facilmente reconhecemos como os publicitários aperfeiçoaram as suas estratégias de marketing para apelar às preferências do nosso hemisfério esquerdo ou direito. Até os sistemas informáticos que usamos seguem esta lógica: os produtos Apple são vistos como sendo para criativos que usam mais o lado direito, ao passo que tudo o que seja Windows é para pessoas analíticas que usam mais o lado esquerdo .Lembram-se dos telemóveis Blackberry? Davam com o meu hemisfério direito em doido.
Como Funcionam os Dois Hemisférios
Além destes esforços da ciência popular, concebidos para tirar partido das diferenças estereotipadas entre os nossos dois hemisférios, há uma pilha de conhecimentos científicos com base em evidências que nos oferece uma noção bastante clara das diferenças anatómicas e funcionais das duas metades do cérebro. Quem estiver interessado tanto no panorama geral como nos pormenores do que se descobriu acerca destas diferenças ao longo do último século, o livro The Master and His Emissary, da autoria do psiquiatra inglês Dr. lain McGilchrist, é uma leitura fascinante e atualizada. Caso esteja interessado no modo como um psiquiatra de Harvard trabalha com as personagens dos hemisférios esquerdo e direito numa tentativa de ajudar os seus pacientes a/superarem questões relacionadas com doenças mentais, o livro Of Two Minds, escrito pelo Dr. Fredric Schiffer, é muitíssimo esclarecedor. Aborda inclusivamente o facto de as personagens dos dois hemisférios serem tão diferentes que cada uma delas pode manifestar dores e queixas individuais, que o outro não verifica nem exibe. Adicionalmente, se procura uma ferramenta alternativa sobre como gerir questões relacionadas com doenças mentais, o modelo dos Sistemas da Família Interior [Podia ter sido mais corretamente traduzido como Terapia Familiar dos Sistemas Internos, do inglês Internal Family Systems], desenvolvido pelo Dr. Richard Schwartz, é uma estratégia interessante que reconhece e trabalha com as diferentes partes da personalidade de uma pessoa, para que possam colaborar e encontrar uma solução saudável. Cada um destes livros e instrumentos são fascinantes caso queira descobrir mais sobre o cérebro. Os nossos dois hemisférios contribuem constantemente para o todo de um dado momento da nossa experiência, pelo que não estou a sugerir que o lado esquerdo e o lado direito do cérebro funcionam em separado. A tecnologia moderna mostra claramente que, a todo o instante, ambos os hemisférios contribuem para a entrada de informação, para a experiência e para as reações do sistema nervoso. Porém, como disse atrás, as células cerebrais dominam e inibem as suas contrapartes regularmente, pelo que o cérebro não está todo ativo ou todo inativo em nenhuma circunstância, à exceção da morte. Ao pensarmos no funcionamento do cérebro, é natural que nos interroguemos: «Como é possível que um grupo de células cerebrais se coordene para criar uma personalidade sequer?» Não sou a primeira pessoa a fazer esta pergunta, nem sou a primeira a sofrer uma lesão cerebral a manifestar uma alteração na personalidade e, depois, a recuperar as células traumatizadas, regenerar os antigos circuitos, readquirir as antigas aptidões e os velhos traços de personalidade. No entanto, talvez seja a primeira neuroanatomista a fazer esta viagem às profundezas do funcionamento neuronal e psicológico do próprio cérebro e, depois, chegar a estas conclusões únicas acerca das Quatro Facetas. As células cerebrais são criaturas ínfimas e muito belas que se apresentam com diferentes formas e tamanhos, e a sua configuração dita a sua capacidade de realizar as suas funções específicas. Por exemplo, os neurónios sensoriais localizados no córtex auditivo primário de cada um dos nossos hemisférios têm um formato só seu, que lhes permite processar a informação sonora. Outros neurónios cuja função é interligar diferentes regiões no cérebro têm o formato adequado a essa ação, tal como as células relativas ao sistema motor. É importante referir que os nossos neurónios e o modo como eles se coordenam uns com os outros são, essencialmente, comuns a todas as pessoas. Em termos estruturais, os sulcos e os altos e baixos do córtex cerebral externo de todos os seres humanos são praticamente idênticos. Tanto assim que danos causados a uma área específica no seu cérebro destruiria as mesmas funções que destruiria no meu, caso sofrêssemos a mesma lesão. Usando o córtex motor como exemplo, se nós os dois danificássemos esse grupo de células especifico, seria quase certo que ambos ficaríamos com as mesmas zonas do corpo paralisadas. Por detrás das diferenças funcionais entre os nossos dois hemisférios estão neurónios que processam informação de forma própria. Para dar um exemplo: os neurónios do hemisfério esquerdo funcionam de modo linear - pegam numa ideia, comparam essa ideia à ideia seguinte, e depois comparam o resultado dessas ideias."
Jill Bolte Taylor PhD, in O Cérebro a 100% [Whole Brain Living: The Anatomy of Choice and the Four Characters That Drive Our Life] (Páginas 38-41)
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