No dia 24 de fevereiro, terá passado um ano desde que o Presidente russo Vladimir Putin decretou uma ofensiva militar contra a vizinha Ucrânia, uma guerra que muitos observadores consideram ter começado logo em 2014, quando as tropas russas invadiram e anexaram a península da Crimeia.
Além da trágica perda de inúmeras vidas humanas de ambos os lados, também a Natureza está entre as vítimas deste conflito. Num artigo divulgado na revista ‘Frontiers in Conservation Science’, mais de 20 cientistas de todo o mundo avisam que a conservação da biodiversidade está a sofrer duramente com o conflito armado.
A monitorização de espécies migradoras, como a baleia-de-bossa (Megaptera novaeangliae) e a tarambola-dourada-siberiana (Pluvialis fulva), é hoje muito mais difícil do que antes do estalar da guerra, uma vez que é um trabalho que depende de uma ampla rede de cooperação científica, composta por investigadores, organizações e entidades governamentais que recolhem dados sobre a vida selvagem.
“A troca de conhecimento está a ser afetada, porque as parcerias científicas internacionais já não podem contar com financiamento russo ou com a expertise russa, e vice-versa”, lamenta Melissa Price, da Universidade do Havai em Mānoa e uma das coautoras do artigo.
“Estão suspensos projetos colaborativos, como no Ártico, e numerosos estudos sobre aves, baleias e outras espécies migradoras que passam parte do seu tempo em águas ao largo da costa da Sibéria”, diz a cientista, que acrescenta que são também sentidos impactos nos programas de intercâmbio de estudantes e de investigadores.
Escrevem os autores que “manter a paz e conservar a biodiversidade dependem de um sistema internacional de cooperação codificado em instituições”, mas a invasão russa da Ucrânia veio imprimir caos e incerteza a essas redes científicas internacionais.
Afirmando que os esforços de conservação e os que são orientados para a manutenção da paz foram impulsionados pelo fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação das Nações Unidas, e com o fim da Guerra Fria, com o esbatimento das fronteiras geopolíticas que facilitou o estudo de espécies e ecossistemas que se movem e ocupam mais do que um território nacional, os cientistas dizem que as atenções têm estado fortemente focadas nos impactos sobre a diversidade biológica na Ucrânia, mas salientam que o conflito “pode ter efeitos na conservação da biodiversidade que transbordam para a escala global”.
Price aponta que “a guerra é uma ação política, mas tem consequências enormes para a biodiversidade”, detalhando que “quando as espécies se movem entre as águas árticas e tropicais, precisamos de grandes alianças internacionais para monitorizá-las, estudá-las e conservá-las”.
Além disso, o isolamento da Rússia no plano internacional, na ótica desses investigadores, tem atuado como um obstáculo a negociações no âmbito da proteção da Natureza e à cooperação ambiental, e também reorientou as prioridades dos governos um pouco por todo o mundo, que, em tempos de crise, tendem a atirar para segundo plano a proteção do planeta para lidarem com os problemas mais imediatos e visíveis.
A Rússia é também um ‘ponto quente’ de diversidade de formas de vida, pelo que o seu afastamento do mundo terá graves repercussões em muitas das espécies que habitam nesse país. Entre elas, está o urso-pardo-de-kamchatcka (Ursus arctos beringianus), uma subespécie do urso-pardo, bem como uma multiplicidade de espécies migratórias de insetos, aves e mamíferos, que, com o ‘apagão russo’, ficam além dos olhos da Ciência global.
Adicionalmente, estima-se que a Rússia seja o local de reprodução de mais de 550 espécies de aves migradoras, das quais 52 estão atualmente ameaçadas, e que retenha no seu território mais florestas naturais do que qualquer outro país. Como tal, sem a Rússia não será possível alcançar os objetivos de conservação da biodiversidade adotados em dezembro na COP15, no Canadá, dizem os autores.
Reconhecendo que, como seria de esperar, a segurança nacional está a tomar prioridade sobre a conservação, os cientistas instam os decisores e investigadores das ciências sociais a traçaram um nexo claro entre as agendas da segurança e da biodiversidade, tal como aconteceu quando, especialmente ao nível da União Europeia, os Estados assumiram o compromisso de apostar fortemente nas energias renováveis para abandonar a dependência do petróleo russo.
“Mesmo nestes tempos negros, sobrevive a esperança de que os esforços para travar a agressão da Rússia contra a Ucrânia sejam bem-sucedidos, mantendo-a um Estado livre e pacífico, enquanto também se mantém o progresso feito ao nível da governança internacional para a conservação da biodiversidade”, destacam.
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