A Comissão Europeia apresentou esta terça-feira uma nova estratégia para responder ao “declínio alarmante” dos polinizadores na Europa e para reverter as perdas até ao final desta década.
Bruxelas reconhece que as perdas populacionais de polinizadores selvagens têm consequências ao nível da segurança alimentar, da saúde e qualidade de vida humanas e, claro, do funcionamento dos ecossistemas.
A importância desses pequenos insetos torna-se evidente quando se percebe que, na Europa, quatro em cada cinco colheitas e espécies selvagens de flores dependem, em maior ou menor grau, “da polinização animal feita por milhares de espécies de insetos”, aponta o documento.
Contas feitas, estima-se que, pelo menos, cinco mil milhões de euros são gerados todos os anos pelo setor agrícola na UE por causa da ação dos polinizadores, e que, a nível global, entre 75% e 80% de todas as plantas usadas na alimentação humana dependem deles.
Uma em cada três espécies de abelhas, borboletas e de sirfídeos estão em declínio
No entanto, uma em cada três espécies de abelhas, borboletas e de sirfídeos (também conhecidos como moscas-das-flores), todos polinizadores, estão hoje em declínio, sendo que 10% das espécies de abelhas e borboletas e 30% das espécies de sirfídeos estão mesmo ameaçadas de extinção.
“O declínio dos polinizadores representa uma ameaça tanto para o bem-estar humano, como para a natureza”, pode ler-se no documento, e essas perdas afetam negativamente a produtividade agrícola na UE, e não só, “agravando ainda mais a tendência influenciada por outros fatores, destacadamente a atual situação geopolítica com a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia”.
É nesse quadro que surge este ‘Novo Pacto para os Polinizadores’, que é uma revisão da Iniciativa da União Europeia de 2018 e que tem como uma das principais prioridades “melhorar a conservação dos polinizadores e combater as causas do seu declínio”.
Isso será alcançado através do reforço da conservação de espécies e habitats, do restauro de habitats em paisagens agrícolas, de uma maior limitação do uso de pesticidas que possam ser prejudiciais para os polinizadores, do aumento dos habitats de polinizadores nas cidades e da mitigação dos efeitos das alterações climáticas, das espécies invasoras e de outras ameaças, como a poluição luminosa, sobre as populações de insetos.
A estratégia baseia-se também noutros dois eixos de atuação, como a melhoria do conhecimento sobre as causas e as consequências das perdas populacionais de polinizadores, com a instalação de um sistema de monitorização, bem como através do desenvolvimento de estratégias nacionais para a proteção de polinizadores, a serem desenvolvidas por cada um dos Estados-membros da UE.
Em conversa com a ‘Green Savers’, Sílvia Castro e João Loureiro, investigadores do Centro de Ecologia Funcional, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, fazem uma avaliação positiva da nova estratégia e consideram que colocará a Europa, e também Portugal, no caminho certo para a proteção e conservação destes pequenos animais, frequentemente desvalorizados, mas cuja importância não pode, nem deve, ser menosprezada.
Meta de 2030 “é possível de alcançar”, se houver “uma grande vontade a vários níveis”
“A estratégia que já vinha sendo promovida desde 2018 já era bastante robusta”, afirma João Loureiro, mas o surgimento de novos conhecimentos, fruto sobretudo de projetos europeus, permitiu alcançar este ‘Novo Pacto para os Polinizadores’, que “coloca metas bastante ambiciosas”, pois a sua implementação ao nível dos Estados-membros poderá vir a ser “difícil”. Por isso, apesar de a estratégia apontar para 2030 como o ano em que arrancará a reversão da perda de polinizadores, é possível que haja mais do que uma velocidade.
Isto, porque, como nos diz Sílvia Castro, os vários países “estão em diferentes momentos do seu próprio desenvolvimento interno, o que faz com que seja muito difícil que todos arranquem do mesmo ponto de partida”. Por isso, Estados-membros que tenham já, pelo menos, parte do trabalho feito, terão um avanço sobre os demais.
Ainda assim, a meta de 2030 “é possível de alcançar”, desde que haja “uma grande vontade a vários níveis”, sendo preciso que sejam alocadas as verbas necessárias para tornar este pacto uma realidade, aponta João Loureiro, e para isso, dada a amplitude da estratégia, é necessário um diálogo entre várias áreas governativas, como, por exemplo, a Agricultura e o Ambiente.
Os especialistas assinalam, por outro lado, que existe uma grande falta de conhecimento relativamente às populações de insetos no país, algo que, em grande medida, se deve à falta de profissionais, de entomólogos, que estejam habilitados para a identificação das espécies.
No entanto, destacam que todos nós, cidadãos não especialistas, temos um papel fundamental a desempenhar para a ajudar a colmatar este défice de conhecimento. Desde logo, através da identificação de espécies de insetos com as quais nos possamos cruzar e a sua inserção em plataforma de ciência cidadão, como é o caso da iNaturalist.
Por isso, salientam como um eixo de grande importância da estratégia para os polinizadores o reforço da aposta da formação de especialistas, uma escassez que se sente a nível europeu, mas que será mais significativa no Sul da Europa. Aliás, recentemente foi divulgada uma Lista Vermelha dos Taxonomistas de Insetos, à semelhança do que é feito pela União Internacional para a Conservação da Natureza para vários grupos de seres vivos, que indica, como nos conta João Loureiro, que “os taxonomistas estão criticamente em perigo pelo facto de não existirem”.
E Sílvia Castro assevera que “o problema é que sem esses especialistas nós não conseguimos construir a nossa situação de referência”, porque só podemos proteger o que conhecemos e só podemos saber para onde queremos e devemos ir se soubermos de onde partimos.
É preciso “cativar mais jovens para a área da entomologia”
Em Portugal, em termos de especialistas, “estamos muito deficitários”, reconhece, mas salienta que, apesar de poucos, têm “muita vontade de aprender”, recordando que, nos últimos anos, têm existido diversos projetos europeus que têm permitido fazer formações “para melhorar as nossas competências”.
Contudo, “ainda estamos longe de poder dizer que essas lacunas estão colmatadas”, pelo que “necessitamos de cativar mais jovens para a área da entomologia”.
Sem esse conhecimento e sem mais especialistas, podemos correr o risco, e é possível que tal já tenha acontecido, de perder espécies de insetos antes mesmo de sabermos que elas existiam.
Quanto ao facto de a estratégia prever que serão os Estados-membros, em linha com as considerações plasmadas no pacto e com o apoio da Comissão Europeia, a implementar os seus próprios planos de proteção dos polinizadores, os especialistas garantem que farão a pressão política necessária para que esse plano seja o mais eficaz possível e para que as ações sejam as mais cientificamente acertadas.
E isso passa também, inevitavelmente, por uma aposta na ‘ecoliteracia’ e na aquisição de conhecimento por parte de todos os setores da sociedade, não apenas os cidadãos, mas também os decisores políticos, pois, no final de contas, serão eles a desenhar os planos para proteger e conservar os polinizadores.
Agora, resta esperar que não exista uma grande demora entre a aprovação deste novo pacto e a criação e implementação de um plano de ação a nível nacional, pois 2030 está já ao virar da esquina e ainda há muito trabalho a fazer.
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