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sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Afinal, qual é a taxa real de reciclagem?




Ao consultar os dados da APA sobre a taxa de reciclagem de resíduos urbanos relativa a 2021 uma dúvida salta logo à vista: em Portugal Continental reciclámos 21% ou 33%?

É que no gráfico de colunas que inicialmente é apresentado, existe a indicação de que em Portugal Continental foram reciclados 14% dos resíduos urbanos através de reciclagem multimaterial e 7% através de compostagem ou digestão anaeróbia, o que perfaz um total de 21% de reciclagem.

No entanto, numa tabela mais abaixo é referido que essa taxa foi de 33% e é esse o número que é apresentado como oficial pela APA.

Mas afinal, em que ficamos?

A razão desta grande incoerência de dados reside no facto de para os 21% a APA ter apenas contabilizado os resíduos que foram efetivamente reciclados, enquanto que o número dos 33% surge na sequência da fórmula de cálculo utilizada no PERSU de 2015 que considerava que todos os resíduos biodegradáveis (biorresíduos e papel/cartão) que passassem na báscula das unidades de Tratamento Mecânico e Biológico (TMB) eram automaticamente considerados como reciclados através de valorização orgânica.

Isto, independentemente desses resíduos serem ou não efetivamente tratados por processos biológicos e desse tratamento ter resultado um composto que tenha sido utilizado para melhoramento dos solos.

Ou seja, para além dos 7% dos resíduos urbanos que foram efetivamente reciclados através da valorização orgânica, a APA está a contabilizar como reciclados mais 12% dos resíduos urbanos, cerca de 600 mil toneladas de resíduos biodegradáveis, que passaram nas básculas dos TMB, mas cujo destino final foi o aterro, tendo por isso pago a respetiva TGR.

Para a APA é sol na eira e chuva no nabal: os mesmos resíduos servem para aumentar a taxa de reciclagem e as receitas da TGR.

E esta contabilização é ilegal, uma vez que de acordo com o ponto 6 do Artigo 2.º da Decisão da Comissão de 18 de novembro de 2011 que estabelece regras e métodos de cálculo para verificar o cumprimento dos objectivos estabelecidos no artigo 11.º , n.º 2, da Directiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho:

”No caso em que o cálculo dos objectivos se aplica à digestão aeróbia ou anaeróbia de resíduos biodegradáveis, os que são submetidos a tratamento aeróbio ou anaeróbio podem contar como resíduos reciclados se o tratamento gerar compostos ou lamas e lodos de digestores que, após qualquer tratamento adicional eventualmente necessário, sejam utilizados como produto, material ou substância reciclados para tratamento do solo em benefício da agricultura ou para melhorar o ambiente.”

É pois de lamentar que a APA e o Ministério do Ambiente insistam nesta contabilidade criativa, tentando aumentar artificialmente as taxas de reciclagem em vez de reconhecerem os males de que padece o nosso sistema de gestão de resíduos urbanos e procurar as respetivas soluções.

É pena também que a Comissão Europeia feche os olhos ao incumprimento das próprias leis por si publicadas, passando para os responsáveis governamentais dos diversos países um claro sinal de que a legislação europeia não é efetivamente para cumprir.

E o resultado é o que se vê, nomeadamente em países como o nosso, onde já ninguém acredita que as metas ambientais são para cumprir, sucedendo-se os diversos responsáveis pela pasta do ambiente sem qualquer interesse em alterar este estado de coisas, enquanto que na APA se mantêm sempre as mesmas pessoas e cuja função principal parece ser a de fornecer aos governantes as tais contabilidades criativas para minimizar o péssimo desempenho do nosso país na área dos resíduos urbanos.

Como nota final, dizer que se Portugal Continental reciclou 33% dos RU em 2021, enviou para aterro 56%, valorizou energeticamente 19% e enviou para outras valorizações 2%, então a soma de todos estes destinos finais dá 110% e alguém terá de voltar à escola primária.
[Relatório Anual de Resíduos Urbanos em 2021, da APA  aqui]

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