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quarta-feira, 23 de março de 2022

O elogio dos pequenos lugares globais (de onde se alcança o universo)


O sonho de um qualquer lugar é crescer, ter mais residentes, mais movimento e vida social, cultural e económica. Os rankings urbanos, por exemplo, valorizam mais a quantidade (de pessoas, empresas ou riqueza) do que a qualidade. Não por acaso, o desejo normal de uma vila é ser cidade. Um diploma anacrónico permitiu que se criassem mais de 150 em Portugal, algumas com pouco mais de 1.000 habitantes.

Mas há caminhos alternativos para os lugares se tornarem relevantes, independentemente da sua geografia ou dimensão. Saskia Sassen, socióloga e estudiosa da “Cidade Global”, defende que todos os lugares têm micro-histórias que podem fazer deles lugares diferentes e atraentes e, por isso, com impacto global. O desafio, diz, passa por ir caminhando pelas ruas e conversando com as pessoas para ir à procura desses testemunhos.

Em Portugal, há muitos pequenos lugares globais, uns impulsionados por iniciativa pública, outros pelo esforço da sociedade civil. No concelho de Oliveira do Bairro, por exemplo, a Promob – Associação de Promoção e Mobilização da Comunidade de Bustos, Troviscal, Palhaça e Mamarrosa é um desses exemplos. Organiza neste fim de semana o Festival Semente. Propõe-se criar um “espaço de partilha e interação, propondo o livro e a leitura como modo, e a sustentabilidade ambiental como mote”.

Ontem ao fim da tarde a Promob juntou cientistas, artistas, escritores, ativistas e filantropos numa conversa muito estimulante sobre o valor da terra e a sua ligação à cultura.

Retive três ideias. A primeira foi a importância da qualidade do nosso enraizamento para que, apesar da distância a que possamos estar da nossa origem ou dos nossos lugares fundacionais, os tenhamos sempre como referência. A segunda é o valor da cultura como a arte do cuidar, o cuidar das tradições, das memórias e das expressões, mas também da relação com os outros e do diálogo dos diferentes saberes. E, por último, o alerta para lembrar a urgência da compreensão do tempo. Do tempo finito da nossa existência e do tempo escasso que temos para agir para que a vida na terra não se torne insustentável. Um dado, se a temperatura da terra aumentar 3 graus, 70% das espécies acabam. A espécie humana não desaparecerá mas tornar-se-à, toda ela, refugiada climática.

Que bela e desafiante semente nos deixa a Mamarrosa, uma terra fértil que, como referiu o Professor Carlos Fiolhais citando Alberto Caeiro, é do tamanho do que vê (ou nos permite ver) e não do tamanho da sua altura…

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