Onze anos depois do acidente na central nuclear de Fukushima, o núcleo dos reatores mantém temperaturas tão altas que é necessário uma imensa quantidade de água para arrefecê-los. Esta água tem uma alta contaminação radioativa e já se acumulou em tal quantidade que o governo japonês decidiu começar a despejá-la no Oceano Pacífico a partir do próximo ano, com os efeitos gravíssimos que isso terá na vida e na saúde de todas as populações circundantes e sobre todas as formas de vida no oceano.
Quando o governo do Japão anunciou em abril de 2021 a sua intenção de descarregar gradualmente mais de 1,4 milhão de metros cúbicos de água radioativa no mar, encontrou o apoio da Organização Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Em fevereiro passado, a AIEA deslocou-se às proximidades da central de Fukushima para examinar de perto o plano japonês de despejar água radioativa no mar. Parece um gesto destinado a criar confiança pública na gestão do Japão ante a oposição de parte da sua população e países vizinhos. Enquanto isso, as vítimas do acidente são negligenciadas pelo desejo de “normalizar” a situação.
O despejo enfrenta a oposição da indústria pesqueira e de países vizinhos, especialmente da Coreia do Sul e da China.
A água radioativa tem origem no arrefecimento do combustível nuclear fundido em três dos reatores. Para reduzir a sua radioatividade, passa por um processo de eliminação de materiais radioativos, de modo que restem apenas trítio e carbono-14. Mas, em 2018, a imprensa japonesa descobriu que a empresa proprietária da Tokyo Electric Power Company (TEPCO) escondia que aproximadamente 84% dos 890.000 m3 de água tratada em setembro desse ano continham concentrações mais altas de substâncias radioativas do que os níveis permitidos para libertação no oceano. Essas concentrações incluíam níveis de estrôncio-90 mais de 100 vezes acima dos padrões de segurança em cerca de 65.000 m3 de água tratada e ainda césio-137 e Iodo-129, com níveis superiores aos limites por um fator de 20.000, em alguns tanques. Segundo dados da TEPCO, em agosto de 2021, 69% da água (o equivalente a 832,9 mil m3) passará por processamento secundário. Espera-se que isso demore vários anos.
A TEPCO declarou que ficaria sem espaço para armazenar água radioativa ainda em 2022. Como solução, tanto a empresa como o governo japonês querem despejá-la no oceano ao longo de trinta anos, para que os contaminantes sejam diluídos.
Numa reunião da Organização Marítima Internacional das Nações Unidas, em outubro de 2021, o governo japonês bloqueou a iniciativa de estabelecer um grupo de trabalho científico para avaliar alternativas para despejar essas águas no Oceano Pacífico. Esta proposta da Greenpeace foi apoiada pela Coreia do Sul, China, Chile, Vanuatu e Palau. Mas a delegação japonesa recebeu o apoio dos Estados Unidos, do Reino Unido e da França.
A 27 de janeiro deste ano, um grupo de jovens com cancro da tiroide, com idades entre 6 e 16 anos na altura do acidente nuclear de 2011, apresentou uma ação contra a TEPCO. Eles pedem que se investigue a relação causal entre o acidente nuclear e o cancro da tiroide e esperam conseguir a criação de um sistema de apoio para aqueles que sofrem da mesma doença. No entanto, o Comité de Revisão da Pesquisa de Saúde da Prefeitura de Fukushima declarou não existir nenhuma relação entre a doença dos jovens e o acidente nuclear.
A energia nuclear não é, de forma alguma, uma alternativa para a soberania energética da União Europeia. Espanha, por exemplo, importa da Rússia mais da metade do urânio para as suas centrais nucleares.
O nuclear acarreta sérios riscos para a saúde dos ecossistemas e à saúde humana, que persistem por séculos. Representam um risco para a segurança das populações, como Fukushima e Chernobyl evidenciam. A guerra na Ucrânia prova ainda que as centrais nucleares são um objetivo militar de primeira ordem, agravando a probabilidade e a gravidade de um acidente com libertação de material radioativo.
Rejeitamos assim a recente decisão da Comissão Europeia, cedendo à pressão do lobby nuclear e catalogando este tipo de energia como “sustentável” no âmbito da transição ecológica, contrariamente aos relatórios dos grupos de assessoria técnica, diferentes governos europeus, numerosas organizações científicas e sociais e até mesmo contra os objetivos do Acordo de Paris. Continuamos a exigir o encerramento de todas as centrais nucleares, começando pela envelhecida Almaraz, pois, quanto mais anos permanecerem abertas, mais prolongaremos o risco e aumentaremos a quantidade de resíduos nucleares a arrefecer e a armazenar.
A energia nuclear é poluente, não é segura nem é carbono neutral.
Quer durante o seu funcionamento quer após o seu encerramento, as necessidades de manutenção durante dezenas, centenas ou milhares de anos, de sistemas de armazenamento e arrefecimento do combustível usado, ou como neste caso de arrefecimento do núcleo dos reatores, implica a emissão de vários tipos de poluição (com destaque para a radioativa) e gases com efeito de estufa – associados à construção e manutenção de enormes infraestruturas e à bombagem de água durante longos períodos.
Para o Movimento Ibérico Antinuclear (MIA), a indústria nuclear e os governos que a apoiam têm de assumir as responsabilidades decorrentes de um acidente. Não se pode aceitar que imponham as suas teses e as suas condições à população que mais sofreu com o desastre, nem que neguem proteção contra as doenças causadas. Devemos também exigir os melhores métodos para recuperar o território e evitar mais danos.
Por último, os custos de uma atividade perigosa, obsoleta e não competitiva não podem ser imputados aos cidadãos e aos contribuintes, que continuam a “assegurar” a exploração nuclear uma vez que não existe nenhuma seguradora no mundo disposta a assumir os seus riscos.
Lisboa, 11 de março de 2022
A Comissão Coordenadora do MIA em Portugal
O MIA é um movimento composto por coletivos ambientalistas e instituições de Portugal e de todo o Estado Espanhol. Em Portugal integra cerca de 30 coletivos.
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