A sexta extinção em massa – é assim que os biólogos se referem ao que está a acontecer hoje em dia. Estima-se que, até ao final do século, uma em cada seis espécies esteja extinta devido a uma variedade de causas, entre as quais o crescimento populacional e a perda de habitat, causas estas que são complexas e estão interligadas.
Edward O. Wilson, biólogo de Harvard e vencedor de dois prémios Pulitzer, acredita, no entanto, que ainda temos tempo para salvar o planeta. O seu plano, exposto no livro “Half Earth: Our Planet’s Fight for Life” (Meia Terra: a Luta do Nosso Planeta pela Vida), é ousado: e se devolvêssemos metade do planeta à natureza? Este é um plano que o influente biólogo acredita ser possível e que poderá salvar de 80 a 90% das espécies da Terra.
Em conversa com a National Geographic, E. O. Wilson explicou, com mais pormenor, a sua teoria, defendendo que o desespero não é a resposta para os problemas enfrentados pelo nosso planeta e que, no fim de contas, a maioria das espécies da Terra ainda não foi identificada.
A situação actual do planeta
“Houve cinco grandes episódios de extinção durante a história geológica do passado, tendo o último ocorrido há 65 milhões de anos. Acho que é correto chamar ao que está a acontecer, atualmente, devido à atividade humana, o sexto. Se permitirmos que continue, poderíamos levar a uma diminuição da diversidade de vida na Terra que a deixaria perto do que era na última grande extinção, no final do Mesozoico. Temos bons cálculos, e embora se tratem de aproximações, foram elaborados cuidadosamente por equipas de cientistas, que colocam a taxa de extinção num valor 100 a 1000 vezes superior ao de antes do aparecimento da humanidade. De facto, acredito que esteja mais perto dos 1000, de momento, do que dos 100.”
“O processo de extinção pode ser resumido com a palavra HIPPO [alusão ao hipopótamo, espécie considerada vulnerável pela Lista Vermelha da IUCN]. Cada uma das letras, do H ao O, designa uma das causas de extinção. Portanto, H é habitat; I é o impacto das espécies invasoras; o primeiro P refere-se aos contínuos níveis elevados de crescimento populacional; e o segundo P é para a poluição. [O O refere-se a um termo em inglês “overharvesting”, que engloba a pesca, a criação de animais e a agricultura insustentáveis.]
Sobre a “nova conservação” e quem defende que se deve deixar de tentar salvar o planeta
“Isto é derrotismo que é tanto irracional como perigoso. O que eles estão a dizer é que não há como parar a extinção, que a humanidade é uma força imparável essencialmente irracional e que nos deveríamos concentrar em salvar as espécies que mais valorizamos, como os elefantes e outros mamíferos grandes. Parecem não estar cientes da vastidão da biodiversidade, que ascende a milhões de espécies, muitas das quais ainda desconhecidas pelo mundo científico. É uma combinação de ignorância e de desespero. O outro elemento que surge é uma proposta de que, se guardarmos o ADN, poderemos clonar essas espécies mais tarde e trazê-las de novo à vida. Isto é um absurdo.”
Metade do planeta como reservas naturais
“Se se pudesse reservar metade da superfície da Terra [para a natureza], conseguir-se-ia salvar entre 80 e 90 por cento de todas as espécies.”
“Comecemos com o oceano. Atualmente, 3% do oceano está protegido sob a forma de reservas marinhas. As reservas estão localizadas, normalmente, ao longo das zonas costeiras dos países e queremos que isso chegue aos 50%. Pode parecer quase impossível. Mas dois estudos independentes recentes, realizados por especialistas em organismos marinhos, mostram que se pudéssemos pôr de parte a totalidade da água azul fora das Zonas Económicas Exclusivas dos países costeiros e proibir a pesca em alto mar, teríamos, de facto, um aumento, não uma diminuição, do crescimento global das pescarias. Haveria pescarias mais ricas e um crescimento mais rápido nas áreas costeiras de pesca. Seria para nosso benefício reservar o oceano, o alto mar. Esta é uma consequência notável e não intencionada do conceito da meia Terra.”
O desconhecimento da vida na Terra
“O nosso desconhecimento da diversidade biológica é um dos grandes escândalos das ciências biológicas. Aqueles de entre nós que trabalham em biodiversidade, retrocedendo ao tempo de Lineu [naturalista sueco do séc. XVIIl, conhecido como o “pai da taxonomia moderna”], catalogaram um pouco mais de dois milhões de espécies de todos os tipos de organismos. Mas o número estimado de plantas, animais e micro-organismos no mundo está próximo dos 10 milhões. Por outras palavras, aproximadamente 80% das espécies na Terra continuam por descobrir. Vivemos num planeta com muito por descobrir.”
A fragilidade do ser humano
“Fizemos avanços inimagináveis no nosso conhecimento científico e tecnológico. Mas esse conhecimento está, na sua maioria, confinado ao nosso bem-estar imediato, em particular no que diz respeito aos aspetos biológicos da medicina. Temos um instinto muito poderoso para explorar; sabemos, agora, bastante de astrofísica, mas quando olhamos para o mundo biológico – os recursos que há e como vamos gerir o nosso futuro com ou sem um certo número de espécies a viver connosco – é praticamente uma incógnita. Nós somos frágeis e se continuarmos as tendências vigentes na utilização da Terra, poderíamos ter uma catástrofe.”
O papel da tecnologia e da revolução digital
“Tomei um rumo diferente de alguns dos meus colegas, que defendem a oposição clássica entre o progresso humano e a tecnologia versus a Natureza. Penso de outra forma. Na era digital, com os incentivos económicos básicos que os seres humanos têm para tirar o máximo proveito de qualquer coisa, a economia caminha, quase automaticamente, em direção a um mundo menos material, com menos energia e mais eficiência. Esta tendência, aliada a uma mudança para as fontes de energia alternativas, cria o potencial de se reduzir aquilo a que chamamos a nossa pegada ecológica: a quantidade média de espaço necessária para a subsistência de cada ser humano.”
Como seria implementado? A Terra seria mesmo dividida ao meio?
“Atualmente, 15% da superfície terrestre e 3% do mar estão reservados para fins de conservação. O sistema de Parques Nacionais dos EUA idealizou algumas estratégias que demonstram como se pode alcançar a meia Terra em etapas. Estas incluem coisas como os monumentos naturais nacionais: áreas que têm um valor especial para o país, seja em termos de natureza ou de história. Não haveria alteração na posse [da propriedade] ou regras contra o uso desta terra. Mas quando as pessoas possuem propriedades num monumento natural nacional, costumam ter orgulho disso e fazer bom uso da terra. Este é apenas um dos muitos passos que foram idealizados dentro do nosso sistema atual de parques nos Estados Unidos. Também existem as áreas demarcadas reconhecidas oficialmente pelas Nações Unidas. Podemos fazê-lo aos poucos.”
Estou bastante otimista. Acho que uma das principais razões por que não temos avançado mais rapidamente é porque não passámos por essa transformação em que as pessoas valorizam aquilo a que se chama vida selvagem. Não apenas os animais grandes, mas o resto das formas de vida. Assim que as pessoas se apercebam do que isso é e da sua importância para os ecossistemas da natureza e, em última análise, para elas próprias, acredito que uma mudança rumo à preservação das outras formas de vida seguir-se-ia, para nosso benefício geral.
Fonte: Uniplanet
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