No Rio de Janeiro, a crise gerada pela pandemia fez crescer a procura por alimentos rejeitados pelos supermercados e o que antes seria para dar aos cães, hoje em dia serve para comer.
Uma reportagem do jornal brasileiro Extra revela como um camião com restos de carne e ossos tornou-se numa esperança para quem tem fome e não tem dinheiro suficiente para comprar alimentos.
Naquela que já é apelidada como "a fila da fome", homens e mulheres, jovens ou mais velhos, juntam-se no bairro da Glória, na zona sul do Rio de Janeiro, à espera do veículo que recolhe ossos e peles dos supermercados da cidade.
Sensibilizados, o motorista e o ajudante da empresa doam parte do que foi recolhido todas as terças e quintas. Em declarações ao jornal, o motorista, José Divino Santos, conta que o número pessoas a pedir os ossos e restos aumentou nos últimos meses
Há dias em que chego aqui e tenho vontade de chorar. Um país tão rico não pode estar assim. É muito triste as pessoas passarem por esta situação. O meu coração dói. Antes, as pessoas passavam aqui e pediam um pedaço de osso para dar aos cães. Hoje, imploraram por um pouco de ossada para fazer comida. Duas ou três pessoas em situação de sem abrigo passavam aqui e levavam. Hoje, há dias em que há umas 15 pessoas", conta o motorista.
O homem refere ainda que os restos seguem para uma fábrica em Nova Iguaçu. Lá, parte do material é transformado em ração para animais e a outra — a gordura — é utilizada para fazer sabão.
Às vezes está um pouco estragado, dizemos nós, mas as pessoas querem na mesma", remata.
A pobreza extrema, que leva pessoas à procura de restos, foi acentuada no Brasil durante a pandemia de covid-19. Os dados da Rede Brasileira de Pesquisas em Segurança Alimentar e Nutricional, citados pelo Extra, revelam que mais de 116,8 milhões de pessoas vivem atualmente sem acesso permanente a alimentos no país.
Dessas, 19,1 milhões (cerca de 9% da população) passam fome, vivendo um “quadro de insegurança alimentar grave”. Os números revelam um aumento de 54% no número de pessoas que sofrem com a escassez de alimentos, em comparação a 2018.
É o caso, por exemplo, da desempregada Vanessa Avelino de Souza, de 48 anos, que se desloca uma vez por semana ao ponto de distribuição. Com calma, separa pele a pele e osso por osso em busca de algo melhor para pôr no saco.
Nós limpamos e separamos o resto de carne. Com o osso, fazemos sopa, colocamos no arroz, no feijão… Depois de fritar, guardamos a gordura e usamos para fazer a comida”, disse ao jornal.
De acordo com a reportagem, há mesmo quem percorra mais de 30 quilómetros em busca destes alimentos: Denise Silva, de 51 anos, é mãe de cinco filhos e avó de 12 e ficou viúva recentemente. Sozinha na luta para alimentar a família, faz o percurso de comboio duas vezes por semana.
Não vejo um pedaço de carne há muito tempo, desde que a pandemia começou. Este osso é a nossa mistura. Levamos para casa e fazemos para os meninos comerem. Sou muito grata por ter isto aqui", conta ao extra.
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