Federação Europeia de Associações de Ambiente e ZERO dão nota negativa aos planos para a política agrícola portuguesa.
Começa a ser uma certeza que a nível Europeu não estão a ser asseguradas garantias de que os fundos públicos do próximo quadro de apoios da Política Agrícola Comum (PAC) serão aplicados respeitando o interesse público, pelo que o European Environmental Bureau (EEB) e a ZERO fazem este comunicado conjunto para alertar para o caminho desastroso que segue a atual planificação da aplicação dos fundos públicos para a agricultura portuguesa no próximo quadro de apoios comunitários – 2023 a 2027.
O que está em causa
Uma nova PAC de 270 mil milhões de euros, a vigorar por 5 anos, provavelmente será decidida numa reunião à porta fechada entre os negociadores da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu e os ministros nacionais já no final da semana. Importa referir que as negociações fracassaram em Maio, com o ambiente a ser o aspeto central das divergências.
A agricultura é a maior causa do declínio das populações de fauna e flora selvagens na Europa e é também uma grande contribuinte para o aquecimento global, apesar do potencial de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) – ao nível da redução de inputs, das cadeias de distribuição, da intensificação pecuária e do desperdício – e capacidade de sequestro de carbono nos solos agrícolas. Ainda que os decisores políticos argumentem que a nova política agrícola fará mais pelo ambiente, a verdade é que pouco mudará com a maior parte dos fundos públicos a serem alocados para empreendimentos agrícolas com enormes impactes ambientais.
Os planos nacionais, e a proposta atual do Plano Estratégico da PAC (PEPAC) para Portugal, vão no mesmo sentido e sugerem que se voltará a servir o lóbi da agricultura industrial, incentivando o uso insustentável da água, desviando fundos ambientais para atividades que podem prejudicar seriamente o ambiente, e permitindo o declínio contínuo das paisagens tradicionais portuguesas a favor da industrialização do espaço rural em zonas de regadio por um lado e, por outro, o desamparo dos sistemas agrossilvopastoris. Acresce que estes desenvolvimentos irão ameaçar as obrigações legais e internacionais de Portugal em matéria de ambiente, poluição da água e clima, fazendo com que a já pouco ambiciosa meta de 11% de redução das emissões de gases de efeito estufa para o setor agrícola não seja alcançável.
Portugal prepara-se para continuar a apoiar quem causa os problemas ambientais e sociais
Pese embora a Comissão Europeia tenha de aprovar o plano estratégico português, antevê-se que a supervisão seja fraca, pois uma parte significativa do controlo dos gastos do orçamento agrícola da UE irá ser transferido de Bruxelas para os Estados-Membros. Tal como outros países, Portugal não deixa de apelidar de “progresso” a clara ausência de ambição ambiental na política agrícola da UE, o que se traduzirá na cedência ainda maior aos interesses ligados à agricultura industrial durante a fase de implementação das políticas.
O plano estratégico de Portugal provavelmente será concluído antes de uma consulta pública [final] a partir do início de Agosto de 2021, prevendo-se que seja enviado à Comissão Europeia já em Dezembro.
Pela consulta do estado atual do plano e pelas respostas à consulta pública anterior, é já muito claro que os novos fundos da UE continuarão a favorecer a agricultura insustentável em Portugal, amplificando os principais problemas ambientais, incluindo as alterações climáticas, a perda de biodiversidade, a escassez e a poluição de água, a degradação do solo e a resistência aos antibióticos.
A ZERO tem questionado repetidamente os planos do governo e tem-se deparado com obstáculos no acesso à informação e desconsideração das suas preocupações.
Um dos aspetos mais criticados prende-se com a aposta nos grandes regadios coletivos de iniciativa estatal, como a recentemente aprovada barragem do Crato (Pisão) e os seus perímetros de rega. Sem planos para reformar o corrente uso de água desregrado e mal supervisionado e a intensificação de terras agrícolas, o consumo total de água aumentará significativamente dentro e fora das áreas estabelecidas para o regadio, prevendo-se que o corrente modelo induza também a redução e degradação dos aquíferos em várias regiões, atingindo limiares críticos no Algarve.
A expansão da agricultura dependente do regadio é a solução unívoca e provocará maior intensificação do uso e ocupação dos solos e uma aceleração do já rápido desaparecimento das paisagens tradicionais, especialmente no Alentejo. O mosaico de campos de cereais secos, de pastagens, de terras em pousio, bem como do montado e outros sistemas agroflorestais extensivos, continuará a ser transformado em monoculturas intensivas de grande escala, cronicamente dependentes de pesticidas e fertilizantes de síntese. Existem também medidas que incidem no apoio à agricultura de alto valor ambiental em habitats dentro da Rede Natura 2000, mas, mantendo-se os mesmos valores de investimento do quadro anterior, registar-se-ão ainda mais perdas de sistemas agrícolas importantes para a manutenção da biodiversidade.
Por outro lado, as medidas ditas “ambientais” podem vir a agravar os problemas que visam combater já que os fundos da UE reservados para Portugal se focam teoricamente numa transição para uma agricultura sustentável (a longo prazo), mas são atribuídos aos beneficiários sem mecanismos eficazes de responsabilização e obrigações baseadas em resultados, pelo que provavelmente serão amplamente utilizados de forma indevida. Também os apoios aos jovens agricultores podem vir a beneficiar largamente cidadãos sem atividade agrícola real e sem intenções de viver em áreas rurais, enquanto que os instrumentos financeiros de gestão de risco em vez de fortalecerem as redes de suporte contra as crescentes perdas climáticas, podem acabar por promover uma agricultura insustentável, menos resiliente ou não compatível com a segurança alimentar, por exemplo através da aposta em monoculturas e na especialização em produtos apenas orientados para exportação.
Para além disso, para avaliar o PEPAC português, o governo escolheu uma empresa sem isenção ou imparcialidade, tendo fortes ligações a vários atores ligados à agroindústria, incluindo produtores de pesticidas e grupos de interesse associado à concentração fundiária, entidades que mantêm práticas de lóbi regulares em prol da promoção da intensificação industrial da agricultura
O papel de Portugal ao nível da UE
Portugal lidera a presidência do conselho da UE e afirma ter um foco ambiental, a sua abordagem tem sido a de aumentar a pressão, mas sem lançar as bases para garantir o progresso. O Conselho Europeu tem sido sistematicamente a instituição menos ambiciosa em termos ambientais e foi a sua repentina perda de ambição em Maio que conduziu as negociações a um fim abrupto.
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