Por João Reis
A transição energética que não deixe ninguém para trás foi sendo adiada por alegada falta de fundos e de possibilidade do Estado intervir na economia. Agora há fundos e o intervencionismo é obrigatório.
Face ao colapso económico gerado pelo confinamento, a União Europeia parece ter compreendido que para se salvar a si própria não poderá repetir a receita do passado, e para já está em linha um programa de estímulos fiscais que deixa ainda mais para trás o mito de que as economias não são planificadas. Assim, vai ganhando forma um plano com o total de pelo menos 750 mil milhões de euros do qual Portugal deverá ver qualquer coisa como 26,4 mil milhões, dos quais 10,8 mil milhões sob a forma de empréstimos.
Face a tal valor, António Costa não perdeu tempo para encontrar quem decidir como o gastar, e assim apresentou um “independente” para salvar Portugal: António Costa Silva. Um dia de reflexão para aceitar o cargo, dois para desenhar o que o próprio intitula “plano para a próxima década”. Além de António Costa assumir que irá governar por mais dez anos, relega para segundo plano os seus atuais ministros, ficando claro que quando o assunto é sério, é necessário procurar o tecnocrata gestor da Partex – a empresa petrolífera outrora propriedade da Fundação Calouste Gulbenkian, entretanto vendida a investidores tailandeses.
O plano ainda está para ser revelado, mas as pistas largadas pelo entretanto oficialmente nomeado conselheiro do Governo na sua série de entrevistas são várias. Colocar 1,2 mil milhões na TAP, enterrando dinheiro num setor que antes de semidefunto já era responsável por pelo menos 5% do impacto das alterações climáticas, e acrescentar a isto a construção do novo aeroporto de Lisboa.
Continuar a expansão de portos, replicando as dragagens do Sado em novos lugares numa economia mundial em que os volumes de comércio a longa distância estão deprimidos e onde a sua retoma é dúbia. Escavacar o fundo dos oceanos e abrir estaleiros de mineração por todo o país. No meio de tudo isto, até o mote das alterações climáticas é citado, como não podia deixar de ser, para alimentar os projetos da febre da mineração.
Torna-se assim óbvio que o plano é repetir a receita extrativista do PS à qual fomos habituados: de um lado apresentar o Roteiro para a Neutralidade Carbónica e ostentar-se com a suposta ambição das metas climáticas, do outro, acelerar todos os projetos comprometedores de uma transição energética centrada na justiça social. Fica assim a pergunta: está-nos só a ser a apresentada uma cara “nova” para apostar tudo no velho modelo?
A transição energética que não deixe ninguém para trás foi sendo adiada por alegada falta de fundos e de possibilidade do Estado intervir na economia. Agora que os fundos existem e o intervencionismo é obrigatório em todo o mundo é-nos colocado à frente um plano conjurado na secretária de um barão do petróleo.
Além da crise social e de desemprego que decorre da Covid-19, a ciência é clara, dizendo-nos que restam cerca de dez anos para reduzir a metade as emissões globais de gases com efeito de estufa. Ou seja, temos menos de uma década para mudar tudo na forma como produzimos e consumimos energia, se queremos evitar o caos climático. É exactamente para estes anos que António Costa desencanta a pessoa indicada para fazer o contrário de tudo isto, um paraministro, um “independente” a trabalhar pro bono mas com o mesmo plano que o PS já tinha, ansioso por mais dez anos de capitalismo extrativista.
Se é para continuar com o plano de sempre, para que nos é apresentada esta nova cara?
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