Hugo Gonçalves Silva, Professor Auxiliar no Departamento de Física da Universidade de Évora |
A tecnologia 5G usará emissão direccionada e, como consequência, teremos intensidades de radiação muito mais elevadas, efeitos de interferência enormes e uma resolução milimétrica de localização dos dispositivos móveis.
O estudo dos perigos para a saúde humana da radiação electromagnética usada nas telecomunicações móveis não é novo. Pelo contrário é uma área da ciência bem estabelecida, com mais de cinco décadas de atividade, mas que só agora tem recebido atenção pública, dado os graves perigos que representa a quinta geração de telecomunicações, usualmente referida por 5G.
Existe extensa literatura a denunciar os variadíssimos perigos das telecomunicações móveis e é de estranhar que isto não seja do conhecimento dos centros tecnológicos que a estão a implementar e que, além disso, tal não seja transmitido à opinião pública. Neste contexto, o pedido de campanha informativa por parte do PAN Matosinhos é absolutamente legítimo e pretende-se aqui mostrar um pouco das implicações que as telecomunicações móveis têm para a saúde humana. Na certeza, porém, que ao ser um tema tão complexo, muito mais há para relatar.
Como forma de enquadramento na comunidade científica, cito três exemplos, entre muitos outros, de reconhecidos investigadores neste tema: Prof. Martin Pall, da Washington State University, Estados Unidos da América; Prof. Olle Johansson, do Karolinska Institute, Suécia; Drª. Erica Mallery-Blythe, do Physicians’ Health Initiative for Radiation and Environment, Reino Unido. Os leitores interessados podem encontrar facilmente trabalhos destes e outros investigadores, por exemplo, a Drª. Erica Mallery-Blythe tem uma série de apresentações disponíveis online.
Historicamente, em 1971 é publicado pelo Dr. Zorach R. Glaser, do Naval Medical Research Institute, Estados Unidos da América, uma das primeiras revisões da literatura [1] sobre casos clínicos associados com a exposição à radiação electromagnética da mesma natureza daquela usada nas telecomunicações. Esta publicação tem quase 50 anos e já nessa altura analisava mais de dois mil estudos reportando os efeitos prejudiciais destas radiações no ser humano. Portanto, somando a estes toda a investigação feita até ao dia de hoje, dizer-se que não há provas científicas que mostrem as implicações na saúde pública é determinantemente errado.
De resto, a Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC) da Organização Mundial de Saúde classificou, em 2011, a radiação electromagnética de radiofrequência como possivelmente cancerígena para os seres humanos (grupo 2B), com base num aumento do risco de glioma, um tipo maligno de cancro no cérebro, associado ao uso de telemóveis.
Para melhor compreensão, é importante esclarecer que as telecomunicações móveis são transmitidas através da propagação de ondas electromagnéticas descritas pelas famosas equações de Maxwell. Estas ondas são caracterizadas pela sua frequência e comprimento de onda (relacionadas entre elas pela velocidade da luz). Em particular, as ondas electromagnéticas utilizadas na telecomunicação têm uma gama de frequências que é designada habitualmente por não-ionizante, por se considerar que não tem capacidade para ionizar átomos ou moléculas, e por esse motivo, a avaliação de risco deste tipo de radiação é feita quase exclusivamente pelo efeito térmico que produzem, o que é também errado.
Tal erro deriva do facto de os efeitos térmicos não serem normalmente significativos (cerca de um ou dois graus centígrados de aumento de temperatura, no caso do 5G serão bem mais elevados), ao passo que os efeitos de iteração electromagnética são enormemente significativos e a causa dos danos anteriormente listados.
Está reportado na literatura um processo designado por “canais de cálcio dependentes de voltagem” em que é promovido, pelos campos electromagnéticos incidentes, o stresse oxidativo das células ao permitir a entrada de agentes oxidantes através da membrana celular. Este processo disrompe o funcionamento das células e é segundo o Prof. Martin Pall, o responsável por vários dos danos causados pelas ondas electromagnéticas no ser humano e mencionados antes.
Esta situação levou o Prof. Olle Johansson a vaticinar a esterilidade irreversível dos humanos em cinco gerações (com base nas suas experiências levadas a cabo em ratos em laboratório). Um vaticínio destes não se faz de ânimo leve e sem provas científicas, pelo que merece a reflexão de todos, especialmente no modo radical como se pretende avançar agora. Adicionalmente, a Profª. Magda Havas reporta a aglomeração de glóbulos vermelhos no sangue como consequência da exposição à radiação de telemóveis. Isto tem enormes implicações para a saúde humana porque pode aumentar a ocorrência de acidentes vasculares cerebrais (AVC) e enfartes.
Também o Prof. Dariusz Leszczynski releva a disrupção da “barreira sangue-cérebro” (vazamento vascular) por incidência de radiação electromagnética. Esta barreira permite a entrada selectiva de glucose, água e aminoácidos, bloqueando a entrada de agentes tóxicos. Portanto, a sua disrupção, através dos chamados vazamentos vasculares, implica uma perturbação no funcionamento do cérebro humano e pode ter implicações no surgimento de doenças como a Alzheimer.
Continuando a aprofundar na literatura, podem-se encontrar variadíssimos efeitos mais. Neste sentido, existe um corpo de investigação robusto que suporta a existência de efeitos para a saúde pública das radiações electromagnéticas e, portanto, estes não podem continuar a ser ignorados para o bem dos utilizadores como da credibilidade dos promotores destas tecnologias. Estas afectar-nos-ão a todos!
Focando-me na tecnologia 5G, esta é, em particular, preocupante para a saúde pública por três factores.
Em primeiro lugar, vai utilizar, quando totalmente implementada, ondas milimétricas (na gama de frequências de 30 até 300 GHz). Estas têm sido usadas com objectivos militares, p.e. no controlo e dispersão de distúrbios (multidões), tendo, por isso, sido exaustivamente estudados os seus efeitos. No fim da década de 90, Pakhomov e co-autores fizeram uma revisão detalhada dos estudos relacionados com estas ondas, que foi complementada recentemente na quarta edição de “Handbook of Biological Effects of Electromagnetic Fields” (2019).
Entre os efeitos listam-se: aquecimento da pele com influência em toda a rede de nervos presentes na pele, aquecimento anormal dos olhos com lesões na córnea, alterações na expressão genética, efeito de ressonância nas glândulas sudoríparas com aumento elevado de temperatura, reacção hipoalérgica às ondas electromagnéticas, redução das sinapses neuronais, etc.. Os efeitos sobre a pele têm sido negligenciados, mas a pele é hoje tomada como parte do sistema imunitário, a interface entre o exterior e o interior, como refere a Profª. Devra Davis, renomada epidemiologista.
Em segundo lugar, devido aos comprimentos de onda serem mais curtos, para esta tecnologia funcionar têm de ser instaladas variadíssimas mini-antenas para garantirem rede, uma vez que têm menor capacidade de penetração nos edifícios. Por este motivo, têm sido abatidas árvores saudáveis em muitas cidades do mundo desde 2018. Além disso, uma vez que as antenas são significativamente mais pequenas, são facilmente disfarçadas no mobiliário urbano, podendo passar absolutamente despercebidas. E os equipamentos que medem frequências para lá dos 8-10 GHz não são acessíveis ao público.
Em terceiro lugar, a tecnologia 5G usará emissão direccionada (com o argumento de reduzir interferências), e, como consequência, teremos intensidades de radiação muito mais elevadas, efeitos de interferência enormes e uma resolução milimétrica de localização dos dispositivos móveis. Isto é muito diferente da tecnologia atual (3G e 4G) cujo padrão de emissão é aproximadamente isotrópico e o que nos deve levar a reflectir sobre um possível uso subversivo desta tecnologia.
Há que diferenciar o sistema 5G, do 5G que se refere às ondas milimétricas. O sistema 5G começará por assentar em antenas 4G (700MHz) com a capacidade sem precedentes de MIMO e feixes de raios dirigíveis, capazes de focar mais energia à distância.
Se considerarmos que com a tecnologia atual (3G e 4G) estamos expostos a níveis de radiação electromagnética milhares de vezes acima dos recomentáveis pelo “Building Biology Evaluation Guidelines”, com a tecnologia 5G ficaríamos expostos a níveis milhões de vezes acima do tolerável.
Será que vale a pena corrermos tantos riscos para termos downloads mais rápidos?
Finalmente, listo a nível internacional duas iniciativas de relevo nesta matéria onde pode ser encontrada muita informação: EMFscientist.org e EM Radiation Research Trust e a nível nacional, Movimento Português de Prevenção do Electrosmog e a respectiva petição.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
[1] Z.R. Glaser, Bibliography of Reported Biological Phenomena (“Effects”) and Clinical Manifestations Attributed to Microwave and Radio-Frequency Radiation. Report No. 2 Revised. Naval Medical Research Institute Research Report (1971)
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