"Ora, se estamos todos muito bem preparados para reclamar liberdade para nós próprios, menos dispostos parecemos para reclamar sobretudo liberdade para os outros ou para lhes conceder a liberdade que está em nosso próprio poder; se conhecêssemos melhor a máquina do mundo, talvez descobríssemos que muita tirania se estabelece fora de nós como se fosse a projecção ou como sendo realmente a projecção das linhas autocráticas que temos dentro de nós; primeiro oprimimos, depois nos oprimem; no fundo, quase sempre nos queixamos dos ditadores que nós mesmos somos para os outros; e até para nós próprios, reprimindo todas as tendências que nos parecem pouco sociais ou pouco lucrativas, desejando muito que os outros nos vejam como simples, bem ajustados, facilmente etiquetáveis. Mas nenhum mundo realmente novo, e está o velho a cair aos pedaços, poderá realmente surgir sem que tenhamos por ideal exactamente o contrário: que a complexidade, que provavelmente é o natural do homem, como espelho, semelhança e imagem da totalidade que Deus é, se afirme sobre a simplicidade e deixemos finalmente de crucificar, para depois lhes levantarmos templos, todos aqueles que ousaram ser completos e complexos, e se não limitaram, para sua comodidade, ou nossa, a arrastar-se na vida, como lavras de gente."
- Agostinho da Silva, SOBRE AS ESCOLHAS (1970), TEXTOS E ENSAIOS FILOSÓFICOS II, Âncora Editora, 1999, p. 226.
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