Cascais vai ter a primeira área marinha protegida de gestão local do país. Da Parede a S. Pedro do Estoril haverá mais interdições para banhistas e a fiscalização será mais apertada.
Entre as praias da Parede e S. Pedro do Estoril, há uma que rouba o nome às avencas que por ali pintam a paisagem. São uma espécie de feto com propriedades anti-inflamatórias e desintoxicantes, que despontam por entre as arribas, que se foram desenhando como uma escadaria natural de onde se vê toda a zona costeira. E que ali crescem devido à presença de água doce dos lençóis freáticos. Hoje, avistam-se muito menos do que há uns anos, porque as espécies invasoras foram colonizando estas arribas ao longo do tempo.
Dada a sua importância ecológica, estas plataformas rochosas, assim como o areal, eram já Zona de Interesse Biofísico, desde 1998. Agora, passam a integrar a Área Marinha Protegida das Avencas (AMPA), que será a primeira deste tipo na região de Lisboa Norte. E a segunda em Portugal, depois da do Parque Natural da Arrábida, criada há 20 anos, com cerca de 53 km2 de área correspondente aos 38 km de costa rochosa entre a praia da Figueirinha, na saída do estuário do Sado, e a praia da Foz a norte do Cabo Espichel.
A AMPA será também a primeira a ser gerida por um município, com a câmara de Cascais a assumir a protecção da biodiversidade das Avencas, depois de ter assinado, esta sexta-feira, um contrato de delegação de competências com a Agência Portuguesa de Ambiente (APA), na presença dos ministros do Mar e do Ambiente.
“Estes avanços por parte do governo de confiarem que há matérias em que as autarquias têm mais capacidade do que as entidades de governo central são muito positivos”, reconheceu, na sessão, o presidente da câmara de Cascais, Carlos Carreiras.
A AMPA compreende cerca de dois quilómetros de linha costeira, entre a Praia da Parede e a Praia de S. Pedro, sendo delimitada a norte pela Avenida Marginal e a sul pela distância à costa de um quarto de milha náutica (cerca de 500 metros) e contempla uma profundidade de 500 metros.
Todos os dias, a baixa-mar põe a descoberto a vida marinha. E podem ser feitos passeios a pé, seguindo pelos trilhos marcados pelas cordas cor-de-laranja que foram desenhados há três anos para que as pegadas dos banhistas não tivessem tanto impacto no ecossistema. Sobretudo porque uma das principais ameaças à preservação do habitat entre marés são as pessoas que saem do areal de circulam pelas plataformas rochosas para ver os animais.
“Este local é um pequeno porto de abrigo que serve como maternidade às diversas espécies que utilizam esta plataforma rochosa para sobreviver nos seus estágios de vida mais inicial. É o berçário de toda a área marinha de Cascais”, diz Ana Margarida Ferreira, bióloga que esteve envolvida no processo de classificação da área.
Ali, nas estruturas rochosas que, ora ficam submersas, ora ficam a descoberto, “vivem os organismos mais resistentes deste local porque, de seis em seis horas, têm uma diferença brutal de temperatura”. Formam-se pequenos poços de mar que permitem a existência de espécies que só ocorrem na zona que está sempre coberta de água. É aí que se podem encontrar ouriços, estrelas-do-mar, peixes e caramujos e burriés, lapas ou cracas. "Mergulhar nesta zona é uma espécie de safari subaquático", havia de resumir assim a vereadora do Ambiente, Joana Pinto Balsemão.
Para que esse ecossistema se preserve, a pesca desportiva, os desportos náuticos motorizados e a ancoragem estão proibidos. Assim como a apanha de qualquer molusco. Está também interdita a actividade de aquacultura. Aquelas praias não podem também ser recarregadas com areia já que isso poderá causar “problemas de erosão das plataformas rochosas”, explicou a bióloga.
Segundo reconhecem os técnicos da câmara, os banhistas vão tendo já consciência e conhecendo o trabalho de preservação que ali está a ser feito. “Às vezes vemos as avós a apanhar lapas com os netos e pessoas a alertar de que não o podem fazer”, diz Ana Margarida Ferreira. Nas praias, estão também jovens, que integram o programa Marés Vivas, que ajudam à sensibilização do património natural que ali existe.
Face à classificação da área, haverá agora “uma fiscalização bastante rigorosa”, frisou a vereadora, adiantando que ainda será decidido como é que a Polícia Municipal vai fiscalizar.
30% de áreas marinhas protegidas até 2030
Na cerimónia, a ministra do Mar lembrou que a protecção do litoral deve ser salvaguardada num trabalho conjunto entre a administração central e local. Sendo a gestão municipal da AMPA um exemplo de descentralização - da qual Ana Paula Vitorino se diz uma "defensora acérrima" -, revela também a importância de uma política de "proximidade através das autarquias".
Lembrando que o Ministério do Mar saiu de Lisboa para se instalar em Pedrouços, Oeiras, a governante desafiou ainda Carlos Carreiras a fazer parte da criação de um “campus do mar”. Um “expositor” da economia e ciência marítimas e da “literacia oceânica”. A ideia deverá ser replicada a Norte, no eixo Leixões, Matosinhos, Porto.
O desafio foi aceite imediatamente pelo autarca que anunciou ainda a intenção de instalar no Forte de Santo António da Barra, em São João do Estoril, um centro de estudo do mar e da língua portuguesa. Para que se estudar a meteorologia e os impactos das alterações climáticas, adiantou Carlos Carreiras. "Estamos a falar de matérias em que ainda não há uma sensibilidade geral muito profunda", reconhece o autarca, adiantando que o município está a desenvolver um projecto para aquele espaço.
Tomando como exemplo a criação da segunda área marítima protegida do país, Ana Paula Vitorino fixou ainda como objectivo criar em 30% do seu mar áreas marinhas protegidas até 2030. A ministra lembrou ainda que o país se comprometeu, no âmbito da estratégia das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável, na delimitação de 14% do seu mar como área marinha protegida até 2020. Se se cumprir a meta de 2030, estas áreas de protecção mais do que duplicarão, ainda que, segundo ressalva Ana Paula Vitorino, haja muito a fazer “na definição das regras” das áreas marinhas protegidas.
O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, fez questão de lembrar que “não há hoje “qualquer semelhança” na forma como as autarquias olham para os seus territórios. “O território não é um sítio para usar, não é um sítio para vender, é um sítio para preservar, para valorizar, e é óbvio que quem está mais perto tende a gostar mais daquele que é o seu próprio território", frisou, notando que longe vão os tempos em que os autarcas pediam reuniões ao Governo para construir “um hotel à beira mar” ou casas “em leito de cheia”.
Como resultado das alterações climáticas, lembrou Matos Fernandes, a costa está a recuar uma média de sete metros ao ano” na região. É, por isso, necessário segurar a linha de costa, "mais não seja pela riqueza ecológica que se perde”, fixou.
Fonte: Publico 22/06/2018
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