As estufas em Odemira e Aljezur surgem a um ritmo avassalador- Foto daqui |
O crescente aumento do número de explorações agrícolas que se instalam no Perímetro de Rega do Mira (PRM), em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, tudo cobrindo com estufas está a fazer recrudescer os protestos de quem vive rodeado de um mar de plástico que lhes esconde o horizonte e respira químicos variados. Mas o próprio Estado admite que não há lei que os proteja.
Cansada de procurar identificar os responsáveis pelo que considera ser uma “anarquia conveniente” no PRM, Maria Augusta Monteiro Coelho, residente no lugar de Mal Lavado em Odemira, endereçou no início de 2018 uma carta ao primeiro-ministro António Costa, facultada ao PÚBLICO pela câmara de Odemira. Nela pede, “mais uma vez”, a intervenção, “urgente e responsável” do Governo. No seu conteúdo, refere a dificuldade que sente em perceber como é que as culturas intensivas que alastram pelo PRM com cobertura de plástico “não necessitam de licenciamento nem de estudos de impacto ambiental” antes de serem instaladas.
As críticas sobre a implantação deste modelo agrícola não se circunscrevem à proliferação do plástico. As pessoas que vivem junto das estufas, estufins ou túneis elevados ficam “expostas a uma infinidade de produtos químicos”, denuncia Maria Augusta destacando “o cheiro insuportável e o ardor nos olhos” sempre que se procede a desinfecções do solo ou das plantas. E deixa um alerta: “Penso mesmo, pelo número de casos [que conhece] na zona que é importante conhecer a incidência de cancro dos últimos anos” no concelho de Odemira.
Também José Luís Dumas Diniz, que tem uma casa no Brejão, local onde Thierry Roussel iniciou nos anos 80 do século passado a instalação de culturas intensivas cobertas com plástico, remeteu vários protestos à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) manifestando-se contra a instalação de estufas. “Florescem em pleno parque natural sem qualquer critério, a poucos metros de praias, escolas, estradas, agregados populacionais e instalações turísticas”.
Nenhuma das duas entidades reagiu à denúncia de um “crime ambiental de assinalável gravidade”, lamentou Dumas Diniz, que decidiu recorrer para a Procuradoria-Geral da República, reclamando a sua intervenção. O relatório que a Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento Território (IGAMAOT) apresentou em Março de 2018, na sequência da avaliação que efectuou ao cumprimento das normas aplicáveis às actividades agrícolas integradas no PNSACV, concluiu que “não existe regime jurídico” de licenciamento da actividade agrícola intensiva.
A IGAMAOT confirma que “a ausência de um regime jurídico de licenciamento da actividade agrícola intensiva” está a “dificultar, ou mesmo a impossibilitar”, que a administração pública assegure o cumprimento de “condicionantes ambientais” na fase prévia à instalação de projectos ou acções relacionadas com a instalação de estufas.
Omissões na lei
A Zero — Associação Sistema Terrestre Sustentável, na sua análise ao relatório da IGAMAOT, destaca a existência de “omissões graves” na legislação que enquadra projectos de agricultura intensiva no PRM e noutras zonas do Parque Natural. Esta situação anómala “conduz a interpretações duvidosas”, observa.
Também Francisco Santos Murteira, Director Regional de Agricultura do Alentejo, em carta enviada a Maria Augusta, assume que a área territorial delimitada pelo PRM “está condicionada por vários regimes jurídicos específicos”, a saber: Plano Director Municipal, Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, Perímetro de Rega do Mira, Reserva Agrícola Nacional, Reserva Ecológica Nacional e Rede Natura 2000. Todos estes instrumentos de planeamento, acabam por “dificultar uma resposta precisa” aos problemas colocados por um número crescente de pessoas residentes no parque, reconhece Francisco Murteira.
Assim, numa área que ocupa cerca de 12 mil hectares nos concelhos de Odemira e de Aljezur, numa área protegida, as autoridades “não conseguem controlar a proliferação de abrigos destinados à actividade agrícola”, observa a Zero, assinalando que na maior parte do PRM “não se mostra assegurado, de momento, o cumprimento das restrições à ocupação”.
Por outro lado a IGAMAOT admite que “não foi possível identificar”, de modo completo e actualizado, a extensão da ocupação da actividade agrícola intensiva no PRM, nem a sua evolução, uma vez que, “nem o ICNF, nem a Direcção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) detêm essa informação”.
Ao PÚBLICO, a Câmara de Odemira refere que a área coberta de estufas, abrigos, estufins ou túneis elevados no perímetro de rega do Mira e em zonas exteriores a esta área “é de cerca de 3000 hectares”.
A “incapacidade” revelada pelo ICNF no conhecimento da área ocupada pela actividade agrícola na Área de Intervenção Específica do PRM e a “emissão de pareceres favoráveis” a projectos agrícolas que “deveriam ser sujeitos a Avaliação de Impacte Ambiental, obrigatória por lei”, merecem críticas da Zero. Os ambientalistas fazem referência a uma passagem do relatório da IGAMAOT onde se diz que “houve situações em que o ICNF não cumpriu os prazos previstos e ocorreu o deferimento tácito”.
Numa moção apresentada em Fevereiro de 2016 pelo PS na Assembleia Municipal de Odemira está patente o desconforto que o novo modelo agrícola provoca na comunidade local: “Este boom agrícola criou novos dilemas de cariz social, ambiental, de segurança, de habitação, na paisagem, na gestão de resíduos ou nas acessibilidades. Assiste-se a um crescimento de áreas de agricultura intensiva não consentâneo com a qualidade e desenvolvimento que o concelho exige”.
O PÚBLICO enviou questões sobre o assunto ao Ministério da Agricultura e à Associação de Regantes do Perímetro do Mira, mas não obteve respostas.
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