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quinta-feira, 31 de maio de 2018

Burning American Forests to Electrify Europe - Wood Pellet Documentary - North Carolina USA



Cutting trees down to use as fuel in energy production–known as biomass energy or bioenergy–is one of the most counterproductive things we can do if our goal is clean air and a livable planet. Despite this reality, policymakers around the world have invested heavily in bioenergy. Nowhere is this more true than in the European Union, where bioenergy policies in the UK and other member states enable billions in subsidies each year to flow to the balance sheets of large utility companies, padding their profits and financing the conversion of old coal-fired power plants to burn wood.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Organic food - hype or hope?


There is growing demand in the western world for organic food. But do consumers always get what it says on the label? How can authenticity be verified?

Is organic food automatically healthier? Consumers are prepared to pay a significant premium for it. There are currently, however, no reliable tests for distinguishing organic from conventionally produced food. Farmers need to invest a great deal of time, energy and money to qualify as a producer of organic food. There is no proof, however, that organic food actually contains fewer contaminants than conventionally farmed products. There is no such thing as pollution-free food, and there are currently no tests available for reliably distinguishing between organic and non-organic food.

That opens doors for lucrative labeling fraud, which in turn explains why there are far more organic eggs on the market at Easter than at any other time of the year. The statistics clearly suggest manipulation, but it is hard to obtain evidence due to the differences between the two production processes appearing to have little effect on the quality of the product. Irish dairy farmers, for instance, are not allowed to label their milk "organic" because the pasture land where their herds spend more than 300 days a year are treated with mineral fertilizers. Because cows are themselves bioreactors, however, the milk they yield contains no trace at all of fertilizer.

On average, conventional Irish milk contains more omega 3 fatty acids and antioxidants than organic milk from Germany. The reason is the fodder; German organic farms may use only concentrates and silage as supplementary feed to increase milk output - which impacts negatively on the quality of the milk. 

This documentary looks at researchers who are studying potential ways of reliably distinguishing between organic and conventionally produced food. And that is no easy task. Nearly every foodstuff requires a specific test. But one thing is certain: organic farming makes a major contribution to human welfare - by helping to mitigate climate change, protect the groundwater, conserve nature and promote animal welfare.

terça-feira, 29 de maio de 2018

Eduardo Punset entrevista Matthieu Ricard- A ciência da compaixão (legendado em português)



Para além de meditar sobre a compaixão, temos que levá-la à ação~ Matthieu Ricard


O biólogo e monge budista francês Matthieu Ricard, um dos nomes mais conhecidos que vem colaborando nas pesquisas científicas sobre meditação e compaixão, membro do Mind & Life Institute, é o entrevistado de Eduardo Punset no programa 60 intitulado “A Ciência da Compaixão“, da espanhola Redes Educación, com produção da Agencia Planetaria para a TVE da Espanha e transmitido originalmente em maio de 2010. O tema é a compaixão e o altruísmo verdadeiro como natureza humana intrínseca, que Matthieu Ricard defende contra a crença que as pessoas são intrinsecamente más, um dogma não apenas de parte da ciência, mas de campos da psicologia e da economia, como explica Ricard na entrevista. “Dizer que o altruísmo verdadeiro não existe é uma tolice“, afirma ele.

Abaixo, um dos trechos transcritos em português da entrevista: 

Eduardo Punset: Para grande parte da ciência ocidental o ser humano é intrinsecamente mau.

Matthieu Ricard: O que existe é um culto ao egoísmo. E me parece muito estranho, porque não se encaixa com os dados científicos. Se trata de uma caso de distorção, em princípio. Podemos ver na economia, e também em alguns aspectos da evolução, e também em alguns aspectos da psicologia. Há toda uma escola de filosofia chamada egoísmo psicológico, e inclui algo denominado egoísmo ético, que postula que somos egoístas e que está bem assim, que devemos sê-lo, “porque preocupar-nos?”, 

Punset: Temos que sobreviver… 

Matthieu Ricard: …e porque nos sentirmos culpados se não ajudamos os outros? Me parece a receita perfeita para chegarmos à catástrofe completa. Não só porque é profundamente enganoso, mas porque pressupõe que qualquer conduta ou motivação que parece altruísta tem sempre por trás uma motivação egoísta. 

Punset: Uma motivação subjacente… 

Ricard: … e se converte numa espécie de dogma. Ademais, na Psicanálise, praticamente tudo que temos está motivado pelo “eu”, “eu”, “eu”. Se tentamos ser bons, é à custa de algo, que não é muito bom para seu estado mental. Essa negação do lado bom da natureza humana me parece terrível. Para qualquer um que queira ver, os dados sociológicos demonstram que o altruísmo verdadeiro existe, claro. Também somos egoístas às vezes, e há pessoas mais egoístas que altruístas, mas dizer que o altruísmo autêntico não existe é uma tolice.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Evolução dos fogos rurais: o que nos dizem os números? , por Paulo Fernandes

Adicionar leFonte: Jornal de Notícias

A excecionalidade dos incêndios de 2017 é evidente nos números de vítimas mortais, área queimada e prejuízos associados. Como chegámos aqui e como daqui saímos? Analisar os últimos 20 anos (1998-2017) permite perceber as tendências de (des)agravamento do problema dos fogos rurais em Portugal.

Comecemos pelo elevado número de ignições, frequentemente referido como um obstáculo à evolução neste domínio. Certamente para surpresa de muitos verifica-se que o número de fogos (com tamanho mínimo de um hectare) é hoje três vezes menor do que era há 20 anos. Para tal terão concorrido a maior sensibilização da população, a diminuição dos habitantes rurais e a melhoria do ataque aos fogos nascentes.

E terá a redução no número de fogos tido algum efeito na área ardida? O que arde em cada ano é determinado pela meteorologia e, em menor grau, pela superfície queimada nos anos precedentes. Uma análise objetiva impõe portanto que aqueles fatores sejam considerados, o que passamos a fazer.

A tendência de área queimada de 1998 para 2017 é negativa, diminuindo 25% para condições médias de número de fogos, meteorologia e área ardida anterior. Porém, se as condições de 2017 tivessem ocorrido em 1998, a área ardida nesse ano teria sido apenas 9% mais alta do que em 2017. Ou a capacidade de combater os incêndios impelidos por meteorologia mais adversa não evoluiu, ou o território mudou no sentido de dificultar essa tarefa.

Examinemos então os maiores incêndios, acima de 500 hectares. A respetiva área não diminuiu nem cresceu no período em causa. No entanto, a sua dimensão média aumentou ao longo do tempo e é atualmente 26% maior que há 20 anos. Este resultado deve-se fundamentalmente aos incêndios particularmente grandes, com mais de 5000 hectares, cuja frequência tem aumentado.


Os maiores incêndios têm um grande peso na área ardida total, pois são de muito difícil combate e respondem exponencialmente à severidade meteorológica. A dimensão destes fogos é pouco afetada pela quantidade e capacidade dos meios de combate para eles despachados, os quais não têm efeito na sua duração. Na sua génese está o aumento da continuidade e homogeneidade dos espaços florestais - uma consequência de menos agricultura, mais floresta (frequentemente sem gestão ativa) e de grandes incêndios anteriores - em combinação com secas mais prolongadas e episódios meteorológicos extremos mais frequentes.


Houve nos 20 anos anteriores progressos no desempenho do sistema nacional de defesa da floresta contra incêndios, mas sem impacto visível nos grandes incêndios. Em Pedrogão Grande e no dia 15 de outubro o sistema falhou na salvaguarda da vida humana, mas a análise retrospectiva mostra que incêndios deste tipo estão dentro do expectável face ao piro-ambiente verificado. Evitar futuras tragédias e, de modo geral, limitar a propagação de grandes incêndios nos territórios que lhes são favoráveis exige um esforço concertado em várias frentes: redução do número de ignições nos dias de risco elevado, gestão estratégica e com escala do combustível florestal e capacitação do sistema de combate com o conhecimento técnico e organização necessários.

domingo, 27 de maio de 2018

A terra é tão boa, produz frutos tão belos, por Agostinho da Silva

Tejo Verstappen

"A terra é tão boa, produz frutos tão belos, que o homem só pelas festas lhe pode manifestar o seu reconhecimento, a alegria de a trabalhar, de se unir com ela intimamente; e estas festas agrícolas eram das mais sagradas para os gregos: em Elêusis, nos Mistérios, o homem, purificado, dizia à terra o seu amor e ela revelava-lhe em paga os grandes segredos de além-túmulo."

- Agostinho da Silva, "A Religião Grega", 1930, in Estudos sobre Cultura Clássica, Âncora ed., pág. 144

sábado, 26 de maio de 2018

O cosmos radiante, por Thich Nhat Hanh

Réka Zsirmon
“O cosmos radiante e elegante que podemos observar é na verdade a nossa própria consciência e não algo exterior a ela” ~ Thich Nhat Hanh

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Plantar árvores nas cidades devia ser visto como uma medida de saúde pública, diz cientista

Benefícios das árvores urbanas

E se as cidades conseguissem, com uma só medida, reduzir a obesidade e a depressão, aumentar a produtividade e o bem-estar e diminuir a incidência de asma e doenças cardíacas nos seus habitantes? As árvores urbanas oferecem todos estes benefícios e muito mais: filtram o ar, ajudando a remover as partículas finas emitidas pelos carros e fábricas, retêm a água da chuva e diminuem as despesas com o aquecimento.

Num novo relatório, realizado pela organização The Nature Conservancy, os cientistas defendem que as árvores urbanas são uma importante estratégia para a melhoria da saúde pública nas cidades, devendo ser financiadas como tal. 

“Há muito tempo que vemos as árvores e os parques como artigos de luxo; contudo, trazer a natureza de volta para as cidades é uma estratégia crítica para se melhorar a saúde pública”, disse Robert McDonald, cientista da The Nature Conservancy e coautor do relatório. 
Todos os anos, entre três e quatro milhões de pessoas morrem, em todo o mundo, devido à poluição atmosférica e aos seus impactos na saúde humana. A poluição do ar aumenta o risco de doenças respiratórias crónicas, havendo estudos que a associam ainda às doenças cardiovasculares e ao cancro. As ondas de calor nas zonas urbanas também fazem milhares de vítimas, por ano. Vários estudos têm demonstrado que o arvoredo urbano pode ser uma solução eficaz em termos de custos para ambos estes problemas.
Apesar de todos os estudos que documentam os benefícios dos espaços verdes, muitas cidades ainda não veem a ligação entre a saúde dos moradores e a presença de árvores no ambiente urbano.
Robert McDonald defende a necessidade da cooperação entre diferentes departamentos e a inclusão da natureza nos debates sobre ordenamento urbano.

“Não é suficiente falar-se apenas das razões que tornam as árvores tão importantes para a saúde. Temos de começar a discutir as razões sistemáticas por que é tão difícil para estes sectores interagirem – como o sector florestal pode começar a cooperar com o de saúde pública e como podemos criar ligações financeiras entre os dois”, disse o investigador.

“A comunicação e a coordenação entre os departamentos de parques, florestas e saúde pública de uma cidade são raras. Quebrar estas barreiras pode revelar novas fontes de financiamento para a plantação e gestão de árvores.”

O cientista dá como exemplo a cidade de Toronto, onde o departamento de saúde pública trabalhou em conjunto com o florestal para fazer frente à ilha de calor urbano. Como muitos edifícios em Toronto não possuem ar condicionado, os dois departamentos colaboraram de forma a colocarem, estrategicamente, árvores nos bairros onde as pessoas estão particularmente vulneráveis ao calor, devido ao seu estatuto socioeconómico ou idade.
O relatório diz ainda que o investimento na plantação de novas árvores – ou até na manutenção das existentes – está perpetuamente subfinanciado, mostrando que as cidades norte-americanas estão a gastar menos, em média, no arvoredo do que nas décadas anteriores. Os investigadores estimaram que despender apenas $8 (7€) por pessoa, por ano, numa cidade dos EUA, poderia cobrir o défice de financiamento e travar a perda de árvores urbanas e dos seus potenciais benefícios.
Outros trabalhos também têm mostrado que o arvoredo urbano tem um valor monetário significativo. Segundo um estudo do Serviço Florestal dos EUA, cada $1 gasto na plantação de árvores tem um retorno de cerca de $5,82 em benefícios públicos.

Num outro estudo, uma equipa de investigadores da Faculdade de Estudos Ambientais da Universidade do Estado de Nova Iorque concluiu que os benefícios das árvores para as megacidades tinham um valor médio anual de 430 milhões de euros (505 milhões de dólares), o equivalente a um milhão por km2 de árvores. Isto deve-se à prestação de serviços como a redução da poluição atmosférica, dos custos associados ao aquecimento e arrefecimento dos edifícios, das emissões de carbono e a retenção da água da chuva.

Com demasiada frequência, a presença ou ausência de natureza urbana, assim como os seus inúmeros benefícios, é ditada pelo nível de rendimentos de um bairro, o que resulta em desigualdades dramáticas em termos de saúde. De acordo com um estudo da Universidade de Glasgow, a taxa de mortalidade entre os homens de meia-idade que moram em zonas desfavorecidas com espaços verdes é inferior em 16% à dos que vivem em zonas desfavorecidas mais urbanizadas.

Para Robert McDonald, a chave é fazer-se a ligação entre as árvores urbanas e os seus efeitos positivos na saúde mental e física. “Um dos grandes objetivos deste relatório é fazer com que diversos serviços de saúde vejam que deviam estar a participar na discussão para tornar as cidades mais verdes”, declarou. “As árvores urbanas não podem ser consideradas um luxo, dado que constituem um elemento essencial para uma comunidade saudável e habitável e uma estratégia fundamental para a melhoria da saúde pública.”

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Plásticos das estufas e químicos cobrem o Sudoeste e não há nada que o impeça

As estufas em Odemira e Aljezur surgem a um ritmo avassalador- Foto daqui

O crescente aumento do número de explorações agrícolas que se instalam no Perímetro de Rega do Mira (PRM), em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, tudo cobrindo com estufas está a fazer recrudescer os protestos de quem vive rodeado de um mar de plástico que lhes esconde o horizonte e respira químicos variados. Mas o próprio Estado admite que não há lei que os proteja.

Cansada de procurar identificar os responsáveis pelo que considera ser uma “anarquia conveniente” no PRM, Maria Augusta Monteiro Coelho, residente no lugar de Mal Lavado em Odemira, endereçou no início de 2018 uma carta ao primeiro-ministro António Costa, facultada ao PÚBLICO pela câmara de Odemira. Nela pede, “mais uma vez”, a intervenção, “urgente e responsável” do Governo. No seu conteúdo, refere a dificuldade que sente em perceber como é que as culturas intensivas que alastram pelo PRM com cobertura de plástico “não necessitam de licenciamento nem de estudos de impacto ambiental” antes de serem instaladas. 

As críticas sobre a implantação deste modelo agrícola não se circunscrevem à proliferação do plástico. As pessoas que vivem junto das estufas, estufins ou túneis elevados ficam “expostas a uma infinidade de produtos químicos”, denuncia Maria Augusta destacando “o cheiro insuportável e o ardor nos olhos” sempre que se procede a desinfecções do solo ou das plantas. E deixa um alerta: “Penso mesmo, pelo número de casos [que conhece] na zona que é importante conhecer a incidência de cancro dos últimos anos” no concelho de Odemira.

Também José Luís Dumas Diniz, que tem uma casa no Brejão, local onde Thierry Roussel iniciou nos anos 80 do século passado a instalação de culturas intensivas cobertas com plástico, remeteu vários protestos à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) manifestando-se contra a instalação de estufas. “Florescem em pleno parque natural sem qualquer critério, a poucos metros de praias, escolas, estradas, agregados populacionais e instalações turísticas”. 

Nenhuma das duas entidades reagiu à denúncia de um “crime ambiental de assinalável gravidade”, lamentou Dumas Diniz, que decidiu recorrer para a Procuradoria-Geral da República, reclamando a sua intervenção. O relatório que a Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento Território (IGAMAOT) apresentou em Março de 2018, na sequência da avaliação que efectuou ao cumprimento das normas aplicáveis às actividades agrícolas integradas no PNSACV, concluiu que “não existe regime jurídico” de licenciamento da actividade agrícola intensiva. 

A IGAMAOT confirma que “a ausência de um regime jurídico de licenciamento da actividade agrícola intensiva” está a “dificultar, ou mesmo a impossibilitar”, que a administração pública assegure o cumprimento de “condicionantes ambientais” na fase prévia à instalação de projectos ou acções relacionadas com a instalação de estufas.

Omissões na lei 

A Zero — Associação Sistema Terrestre Sustentável, na sua análise ao relatório da IGAMAOT, destaca a existência de “omissões graves” na legislação que enquadra projectos de agricultura intensiva no PRM e noutras zonas do Parque Natural. Esta situação anómala “conduz a interpretações duvidosas”, observa. 

Também Francisco Santos Murteira, Director Regional de Agricultura do Alentejo, em carta enviada a Maria Augusta, assume que a área territorial delimitada pelo PRM “está condicionada por vários regimes jurídicos específicos”, a saber: Plano Director Municipal, Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, Perímetro de Rega do Mira, Reserva Agrícola Nacional, Reserva Ecológica Nacional e Rede Natura 2000. Todos estes instrumentos de planeamento, acabam por “dificultar uma resposta precisa” aos problemas colocados por um número crescente de pessoas residentes no parque, reconhece Francisco Murteira. 

Assim, numa área que ocupa cerca de 12 mil hectares nos concelhos de Odemira e de Aljezur, numa área protegida, as autoridades “não conseguem controlar a proliferação de abrigos destinados à actividade agrícola”, observa a Zero, assinalando que na maior parte do PRM “não se mostra assegurado, de momento, o cumprimento das restrições à ocupação”. 

Por outro lado a IGAMAOT admite que “não foi possível identificar”, de modo completo e actualizado, a extensão da ocupação da actividade agrícola intensiva no PRM, nem a sua evolução, uma vez que, “nem o ICNF, nem a Direcção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) detêm essa informação”. 

Ao PÚBLICO, a Câmara de Odemira refere que a área coberta de estufas, abrigos, estufins ou túneis elevados no perímetro de rega do Mira e em zonas exteriores a esta área “é de cerca de 3000 hectares”. 

A “incapacidade” revelada pelo ICNF no conhecimento da área ocupada pela actividade agrícola na Área de Intervenção Específica do PRM e a “emissão de pareceres favoráveis” a projectos agrícolas que “deveriam ser sujeitos a Avaliação de Impacte Ambiental, obrigatória por lei”, merecem críticas da Zero. Os ambientalistas fazem referência a uma passagem do relatório da IGAMAOT onde se diz que “houve situações em que o ICNF não cumpriu os prazos previstos e ocorreu o deferimento tácito”. 

Numa moção apresentada em Fevereiro de 2016 pelo PS na Assembleia Municipal de Odemira está patente o desconforto que o novo modelo agrícola provoca na comunidade local: “Este boom agrícola criou novos dilemas de cariz social, ambiental, de segurança, de habitação, na paisagem, na gestão de resíduos ou nas acessibilidades. Assiste-se a um crescimento de áreas de agricultura intensiva não consentâneo com a qualidade e desenvolvimento que o concelho exige”. 

O PÚBLICO enviou questões sobre o assunto ao Ministério da Agricultura e à Associação de Regantes do Perímetro do Mira, mas não obteve respostas.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Documentário: Bill Mollison - In Grave Danger of Falling Food


“I think if we could get Earth in a living and stable state, not a constantly degrading and dying state caused by our actions, then we have won some right to go to the stars . But at present I don’t think we’d be welcome anywhere else in the universe . You wouldn’t welcome anybody who’d laid waste to their house and wanted to live in yours, I’m sure.”~ Bill Mollison


In this introductory video to permaculture, Bill Mollison, the movement's co-founder, takes the viewer through the history and developments of the movement. With startlingly laconic humour and insight he deconstructs the modern agribusiness and the "modern plague" : manicured ornamental lawns. In this video he offers an antidote, which is an antidote to both our currently unsustainable practices and our unsustainable culture. Both of these have to change and adapt. Permanently.

Mais leituras
Compilação dos panfletos originais do Bill Mollison (em português)

terça-feira, 22 de maio de 2018

O mapa dos concelhos que podem arder este ano

A equipa de investigadores do Instituto Superior de Agronomia e da Universidade de Lisboa criou um mapa para as zonas onde se podem gerar grandes incêndios. Veja quais os 20 concelhos de maior risco.



Quais são as zonas do país onde há maior risco de grandes incêndios no verão que se aproxima? Foi para responder a esta questão que a Estrutura de Missão para os Fogos Rurais pediu à equipa do Centro de Estudos Florestais (CEF), do Instituto Superior de Agronomia (ISA), que fosse feito um mapa de risco, numa tentativa de pegar no conhecimento científico existente nesta área e aplicá-lo na atuação das equipas de prevenção e combate a incêndios.

O mapa produzido indica a probabilidade de arderem mais de 250 hectares, por cada área de 400 hectares onde se verifiquem condições favoráveis aos incêndios. No top 20 dos concelhos (e respetivo distrito) com maior risco estão:

Monchique (Faro)
Oleiros (Castelo Branco)
Caminha (Viana de Castelo)
Vila Nova de Cerveira (Viana do Castelo)
Vila Nova de Paiva (Viseu)
Aljezur (Faro)
Vila de Rei (Castelo Branco)
Covilhã (Castelo Branco)
Proença-a-Nova (Castelo Branco)
Moimenta da Beira (Viseu)
Viana do Castelo (Viana do Castelo)
Vila Pouca de Aguiar (Vila Real)
Baião (Porto)
Celorico da Beira (Guarda)
Gavião (Portalegre)
Sardoal (Santarém)
Sertã (Castelo Branco)
Chamusca (Santarém)
Portimão (Faro)
Ponte da Barca (Viana do Castelo)

“Estamos atentos ao que é produzido e integramos”, disse ao Observador Tiago Oliveira, presidente da Estrutura de Missão para a Instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais. Para o engenheiro florestal este é apenas mais um documento técnico. Integrar o conhecimento científico nas tomadas de decisão “é o que se deve fazer”.

O mapa agora produzido em conjunto pelo CEF, Centro de Estatística e Aplicações da Universidade de Lisboa (CEAUL) e Instituto Dom Luiz (IDL), também da Universidade de Lisboa, já “está a entrar na análise dos cenários deste ano”, confirmou Tiago Oliveira. Não é que as equipas de prevenção e intervenção não tivessem já ideia de onde deviam focar os esforços, mas este trabalho “dá mais evidência aquilo que já se intui”, disse o presidente da estrutura de missão.

José Miguel Cardoso Pereira, investigador no CEF e coordenador do trabalho, considera que este mapa pode alertar para os locais onde se deve reforçar a vigilância e patrulhamento terrestre ou onde se deve pré-posicionar os meios pesados. Para o professor do ISA, este mapa também contém informação útil para fornecer às pessoas, mas lembra que a nível local, e “nesta altura, já é tarde para fazer grande coisa na redução de combustíveis”.

Os combustíveis, ou seja, a vegetação que pode arder, são um dos focos da previsão do risco. Outro é a meteorologia. E, naturalmente, a forma como estas duas variáveis se combinam. O índice de severidade meteorológica é uma das variáveis mais importantes consideradas no modelo estatístico, explicou ao Observador Maria Antónia Turkman, investigadora no CEAUL. Mas há outras variáveis incluídas no modelo como: se ardeu ou não (ou que percentagem da área ardeu) no ano anterior; quantos anos passaram desde o último incêndio; que tipo de vegetação (matos ou florestas) predomina na região; entre outros.

Ler toda a notícia em O Observador (contém infográficos interactivos)

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Estudo norte-americano mostra que produtos à base de glifosato são mais tóxicos do que essa substância isoladamente.

Estudo norte-americano mostra que produtos à base de glifosato são mais tóxicos do que essa substância isoladamente. É o caso do Roundup, herbicida líder de vendas
 Formulated weedkillers, like Monsanto’s widely-used Roundup, leave residues in food and water, as well as public spaces. Photograph: Rene van den Berg/Alamy Stock Photo


O herbicida mais famoso do mundo mata células humanas. É o que dizem os estudos mais recentes de pesquisadores ligados ao governo norte-americano, segundo uma reportagem publicada hoje no jornal britânico The Guardian (a matéria está neste link).

Os testes são do Programa Nacional de Toxicologia e trazem fortes evidências de que os produtos comercializados — como o Roundup, o herbicida mais famoso do mundo, produzido pela Monsanto há quatro décadas — são mais tóxicos para células humanas do que o seu princípio ativo sozinho. O princípio ativo é a substância que de fato produz os efeitos e, no caso do Roundup, é o glifosato.

Isso é um grande problema porque, embora ele componha herbicidas há mais de 40 anos, essa é a primeira vez que são feitos testes nos agrotóxicos formulados com essa substância — para a aprovação e registro, só se exigem testes com o próprio glifosato, isoladamente.

Seu uso é, há muito tempo, cercado de polêmicas — hoje, ele é proibido e restrito em alguns países. E os estudos foram solicitados pela Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) justo depois que, em 2015, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc) classificou o glifosato como um provável carcinógeno humano. Na mesma ocasião, ela destacou preocupações sobre as formulações que combinam esse princípio ativo com outros ingredientes.

O coordenador do laboratório que conduz as pesquisas, Mike DeVito, disse ao Guardian que o trabalho ainda está em andamento, mas as descobertas iniciais já são bastante claras: o herbicida mata células humanas, enquanto o glifosato sozinho não o faz. O pesquisador ressalta, porém, que isso não significa necessariamente que os produtos causem câncer ou outras doenças.

Monsanto já sabia

Existe um importante impedimento à testagem adequada dos herbicidas nessa pesquisa: é o fato de que sua formulação é segredo corporativo, uma informação comercial confidencial. Ninguém sabe exatamente a fórmula do Roundup, nem como ela vem mudando ao longo dos anos.

Mas, em relação à toxicidade, a reportagem cita e-mails internos antigos da Monsanto que vieram à tona durante um julgamento no ano passado e indicam que a própria empresa já tinha alguma noção desse perigo, mesmo que ele não fosse mensurado. “Você não pode dizer que o Roundup não é um agente cancerígeno… Nós não fizemos os testes necessários na formulação para fazer essa declaração. Os testes nas formulações não estão nem perto do nível do ingrediente ativo”, diz um deles, de 2003. Em outra mensagem, de 2010, se lê: “Com relação à carcinogenicidade de nossas formulações, não temos esses testes realizados diretamente nelas”. E mais uma, de 2002, é clara: “O glifosato é OK, mas o produto formulado … Causa o dano”.
Situação no Brasil


O Roundup é o famoso “mata-mato”, amplamente pulverizado para matar ervas consideradas daninhas. É o herbicida mais usado no mundo, e líder de vendas no Brasil. Mas a confiança em sua segurança não é nada unânime e, aqui, sua reavaliação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se arrasta desde 2008. No ano passado, a agência estabeleceu que a análise toxicológica do glifosato — e não dos herbicidas à base dele — vai terminar no ano que vem. Só a partir daí haverá uma consulta pública e, depois, sua proibição (ou não) vai ser decidida.

Mas, muito antes disso, pode ser votado na Câmara o PL 6299/02, um projeto que veio do Senado e ao qual foram apensados vários outros ligados ao tema. O conjunto ficou conhecido como ‘Pacote do Veneno’. Não à toa. As propostas alteram a legislação referente aos agrotóxicos no Brasil, e este documento da campanha Chega de Agrotóxicos resume o que acontece se o pacote for aprovado. Por exemplo: o nome ‘agrotóxicos’ vai ser substituído por ‘defensivos fitossanitários e produtos de controle ambiental’, será criada uma Política Nacional de Apoio ao Agrotóxico, a aplicação de agrotóxicos no meio urbano vai ser facilitada, a fiscalização vai ficar mais frouxa e a aprovação de novos agrotóxicos vai ser acelerada, com brechas para que isso aconteça inclusive em relação a produtos que comprovadamente fazem mal à saúde.

Desde o fim de abril, está para ser apreciado em uma comissão da Câmara o parecer do relator deputado Luiz Nishimori (PR-PR) sobre o Pacote. Ele é favorável a essas mudanças. Havia outros projetos apensados que poderiam ser positivos — como três PLs relacionados à proibição ou reavaliação periódica de produtos contendo glifosato. Mas Nishimori os rejeita.

Nos últimos tempos, a pressão pela não aprovação está intensa. A campanha Chega de Agrotóxicos divulgou um manifesto assinado por 271 organizações que repudiam o texto. O Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (DSAST), do Ministério da Saúde, lançou nota se posicionando contra; a Fiocruz e o Conselho Nacional de Saúde também. E o Conselho Nacional dos Direitos Humanos recomendou a rejeição. Além disso, o subprocurador-geral da República Nívio Silva Filho encaminhou ao Congresso uma nota técnica afirmando que há inconstitucionalidades no texto.

domingo, 20 de maio de 2018

Leões criados para morrer: o comércio de ossos de leão entre a África do Sul e a China



África do Sul é o maior exportador legal do mundo de ossos e esqueletos de leão. Entre 2008 e 2015, o Departamento de Assuntos Ambientais sul-africano (DEA) concedeu licenças para a exportação de mais de 5360 esqueletos de leões, sendo que quase 98% deles tiveram como destino países asiáticos.

Existem quase 8000 leões a definhar em mais de 200 instalações de reprodução na África do Sul. Estes animais são criados cinicamente com o único propósito de gerarem dinheiro”, disse Will Travers, presidente e cofundador da Born Free Foundation, cujo relatório salienta o papel do governo da África do Sul no comércio de partes de leão. 


“Os turistas impulsionam involuntariamente esta indústria desprezível ao participarem em atividades como passear com leões e acariciar crias, ao mesmo tempo que os voluntários criam os filhotes de leão sem suspeitas, acreditando erradamente que os animais vão ser libertados na natureza. Quando atingem a idade adulta, muitos destes animais são transferidos para estabelecimentos de caça para que sejam mortos em espaços cercados por ‘caçadores desportivos’Os seus ossos são depois vendidos num comércio internacional sancionado pelo governo sul-africano”, explicou. 


Em 2017, a ministra do Ambiente, Edna Molewa, aprovou uma quota de exportação anual de 800 esqueletos de leões criados em cativeiro. Esta medida foi criticada por muitos conservacionistas e organizações. “Os lucros estão a ser colocados à frente da gestão saudável e ética da vida selvagem”, acusou o novo relatório da Born Free Foundation

“A cruel realidade é que os emblemáticos leões da África do Sul são comercializados a uma escala industrial para satisfazerem a procura insaciável da China pelos seus ossos”, disse Ian Michler, membro da equipa por trás do documentário Blood Lions (“Leões de Sangue”).


Foto: Ian Michler/Blood Lions
Qual é a obsessão da China e do Vietname com estes ossos?

Os comerciantes asiáticos começaram a interessar-se pelos leões africanos após o declínio drástico verificado nos números de tigres na natureza, cujas partes corporais são usadas na medicina tradicional chinesa há mais de 1000 anos. Os ossos destes grandes felinos são transformados em pó e depois usados em comprimidos, emplastros e em diversas preparações medicinais

A coroa vai, no entanto, para o vinho de osso de tigre, que a medicina tradicional chinesa apregoa como uma cura para diversos problemas de saúde, incluindo úlceras, cãibras, reumatismo, malária e impotência. Para o seu fabrico, os ossos são mergulhados em vinho de arroz. Quantos mais anos for deixado em amadurecimento, mais elevado será o preço da garrafa. 

Apesar da ausência de provas científicas que corroborem as suas supostas propriedades curativas, esta bebida é muito popular e os seus produtores estão agora a usar ossos de leão para substituir os outrora fornecidos pelos tigres. 


O esqueleto de um tigre mergulhado em vinho de arroz na China | Foto: International Tiger Coalition

“Não há qualquer dúvida de que a procura por ossos de tigre contribuiu para a quase dizimação das populações de tigres selvagens e há uma profunda preocupação de que a substituição pelos ossos de leão nesta cadeia de fornecimento possa acelerar o declínio das populações de leões selvagens”, declarou a equipa do Blood Lions. 


O relatório revela as próprias dúvidas do DEA relativamente à criação de leões em cativeiro. “O próprio DEA reconhece que apenas tem uma compreensão limitada da estrutura económica da criação de leões e do comércio de ossos e também de que não possui informação científica que prove que a indústria tem qualquer valor a nível da conservação da espécie. Vários grupos de conservação e cientistas também fizeram notar que não existe um sistema independente de monitorização do bem-estar dentro da indústria”, diz o estudo. 

Segundo a Sociedade para a Prevenção de Crueldade contra Animais (SPCA), terão sido mortos mais de 50 leões em apenas dois dias numa quinta na província sul-africana do Estado Livre, durante a última semana de abril. Os inspetores da SPCA, que vão apresentar uma denúncia formal, disseram ter-se deparado com uma cena “deplorável” na quinta, que descreveram como um “matadouro de leões”.

“Foi terrível. Para mim, o leão é um animal imponente, majestoso. E aqui está ele a ser esquartejado por pessoas só para ganharem dinheiro. É absolutamente repugnante”, disse Reinet Meyer, inspetora da SPCA.

O relatório da Born Free Foundation também chama a atenção para a relação entre a exportação de troféus e produtos de leões criados em cativeiro e o tráfico ilegal de outros produtos de vida selvagem e concluiu que, se o país quiser mostrar que se importa com a segurança da sua vida selvagem, assim como com a do resto do mundo, “são necessárias medidas urgentes para acabar com a criação de leões em cativeiro, a 'canned hunting' [caça desportiva num espaço cercado] e a venda dos ossos e esqueletos destes animais”.

Fonte: Uniplanet

sábado, 19 de maio de 2018

A nossa vida é uma incerteza, por Virginia Woolf

Roger Fry - Virginia Woolf
PT
"A nossa vida é uma incerteza. Um cego que revoluteia no vazio em busca de um mundo melhor cuja existência é apenas uma suposição." ~ Virginia Woolf

ES
Nuestra vida es una incertidumbre. Un ciego que revolotea en el vacío en busca de un mundo mejor cuya existencia sólo suponemos.

Ligações externas e biografia

Virginia Woolf
A trajetória de Virginia Woolf (linha do tempo). Estadão, 25 de Março 2011
Virginia Woolf Society of Great Britain

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Recuperar as variedades tradicionais de fruta portuguesa

Raul Rodrigues investigador variedades de maçã. FotoVida-Rural

Há mais de 100 variedades de maçãs identificadas na região do Minho que são praticamente desconhecidas e muitas em vias de extinção. Raul Rodrigues, professor na Escola Agrária de Ponte de Lima, está há 10 anos a recuperar este património e a plantar todas estas variedades regionais, num pomar com cerca de 1000 árvores que serve de base para o seu trabalho experimental. O próximo passo é replicar este trabalho numa outra fruta: as peras.

Já são mais de 100 as variedades de maçã identificadas na região do Minho. A grande maioria é desconhecida dos portugueses. São árvores, muitas em vias de extinção, que guardam tradições e histórias das terras minhotas. Abandonadas, como tem sido apanágio de muitas culturas em Portugal, as variedades de maçã do Minho oferecem potencialidades gastronómicas, culturais e económicas.

Raúl Rodrigues, professor da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima, tem sido um acérrimo defensor deste património. Há cerca de dez anos começou um trabalho de levantamento e catalogação das variedades regionais de macieiras do Minho. Percorreu a região, conversou com as gentes locais, fotografou as árvores, registou as coordenadas e recolheu o material vegetal. Tudo com base numa pesquisa altruísta de fim-de-semana. Atualmente tem plantadas mais de 100 espécies regionais de maçã num terreno da ESA de Ponte de Lima. Mais de metade está já registada aos níveis morfológico e fenológico.

Valorizar o património

As maçãs do Minho têm nomes tão particulares como Porta da loja (porventura a mais conhecida e com mais potencialidades económicas), Pipo de Basto, Três ao prato, Sangue de boi, Victória, Camoesa, Malápio, maçã dos Namorados, Beijo da rainha, maçã da Boa vontade, Abadia, entre muitos outros. Junto com as designações populares trazem histórias e lendas. A maçã Três ao prato deve o nome ao tamanho, grande ao ponto de três maçãs encherem um prato. A maçã Camoesa (há a de Coura, do Biribau, Rosa, Verde, Fina e outras mais) era apanhada em setembro ainda verde e colocada a amadurecer no cimo dos armários, perfumando o interior das casas. Há a maçã da Abadia, que amadurece em agosto, por altura da Nossa Senhora da Abadia.


Já a maçã Porta da loja está intrinsecamente ligada às tradições de Natal. Em terras minhotas, o costume ditava assar na noite de Natal o fruto ao borralho (nas cinzas quentes da lareira) e depois misturá-lo com vinho verde tinto e açúcar. Na Páscoa, numa clara demonstração da capacidade de conservação da maçã que era apanhada no mês de outubro, era habitual oferecer maçãs Porta da loja ao padre. E Porta da loja porque eram guardadas na loja das casas, espaço térreo onde, em tempos mais antigos, se colocavam alimentos e outros produtos domésticos.

Diz Raúl Rodrigues que estas tradições se estão a perder, fruto da massificação do consumo que, no que se refere às maçãs, está muito centrado nas variedades Golden, Gala, Starking, Granny-Smith, Reineta ou Fuji. Mas não só. Os Planos de Fomento Frutícola do Estado Novo assumiram um papel fulcral na produção de novas variedades de maçãs e no abandono das macieiras regionais. Os agricultores foram orientados a investir no cultivo de espécies de maçãs mais procuradas pelos mercados externos, que aparentemente lhes traria mais riqueza e prosperidade.

Estas idiossincrasias dos tempos levaram ao quase esquecimento da diversidade vegetativa do Minho e à perda de património cultural e ambiental. Raúl Rodrigues assumiu assim um papel determinante quer na tentativa de preservação dessa herança, quer na divulgação dessa riqueza endógena. O professor da ESA de Ponte de Lima tem sensibilizado as instituições locais para a importância da classificação das variedades regionais de fruteiras como Património Vegetal de Interesse Municipal e como Património Vegetal Municipal.

Na sua opinião, o património vegetativo da região é uma herança cultural com potencialidades económicas. Certo é que já conseguiu que municípios como Ponte de Lima, Braga, Famalicão e Barcelos, que está na fase final do processo, reconhecessem as variedades como património de interesse municipal. Mas o projecto de Raúl Rodrigues é bem mais vasto.

Como frisa, há empresas internacionais que estão a ameaçar esta diversidade varietal e genética. Algumas destas variedades de fruta regional, que englobam também as peras e laranjas, estão a ser patenteadas por empresas externas ao país, perdendo-se assim o património e obrigando ao pagamento de royalties para plantação dessas espécies a entidades estrangeiras. Como refere, as variedades autóctones estão em risco de serem registadas nos catálogos nacional e europeu de frutas por empresas sem ligações à região e ao país.

Criação de riqueza

A preservação das variedades regionais de fruta do Minho deve ser encarada como uma mais-valia económica da região aos níveis da agricultura, e indústrias adjacentes, e turismo. O objectivo de Raúl Rodrigues é que se valorize os produtos que só existem na região, que são a sua autenticidade, e que permitam um desenvolvimento sustentável da região do Minho.

As variedades que ainda sobrevivem foram seleccionadas e cruzadas ao longo dos séculos pelo homem, construíram a paisagem e adaptaram-se às condições morfológicas da região. Para Raúl Rodrigues, isso significa que são espécies bem preparadas para viver e fortificar neste ambiente de alterações climáticas e desejáveis num sistema de agricultura biológica, pelas suas capacidades de resistir a pragas e doenças. Mas precisam de quem aposte na sua plantação.

“Não podemos dar uma perspectiva romântica a estas variedades, temos de lhes dar uso”, diz. A maçã Porta da loja é a variedade que actualmente tem maior aceitação no mercado. A campanha de 2017 esgotou. Raúl Rodrigues sublinha que os agricultores já estão a receber um preço justo, cerca de 1,25 euros por quilo, que compara com os cerca de 30 cêntimos pagos pelo quilo da maçã convencional.

No Minho, a safra anual da Porta da loja ronda as 80 a 100 toneladas. Um pomar de Porta da loja está em plena produção no 4º ano após a plantação, que deve ser feita no inverno, e num sistema de agricultura biológica tem capacidade para produzir 20 a 25 toneladas por hectare. Raúl Rodrigues garante que o escoamento é garantido. Um pomar tem uma vida útil de 20 anos.


O trabalho deste professor já se materializou na criação de uma pequena empresa em Ponte de Lima, constituída por duas antigas alunas da ESA. As jovens empreendedoras apostaram na produção de sidra artesanal, recuperando a tradição desta bebida que era fabricada pelos agricultores limianos para celebrar as colheitas, quando já não restava vinho nas pipas. A Corrupia, marca desta sidra artesanal, já foi agraciada com a medalha de prata no VI Salão Internacional de Sidras de Gala, em Espanha, na classificação de sidra de mesa semi-seca. As jovens empreendedoras aproveitaram o elã do prémio e, pouco depois, lançaram no mercado um espumante de sidra. Uma das prioridades da Corrupia é exactamente dar um uso económico às variedades regionais de maçã. Um dos projectos é produzir um lote especial de sidra só com maçã Porta da loja.

Raúl Rodrigues salienta que há outras soluções para obter valor acrescentado com as maçãs minhotas. Recuperar a tarte de maçã Porta da loja, a produção de pão com fermento desta variedade, a comercialização da maçã desidratada… Todo este potencial está a ser trabalhado na ESA, com o pomar de mil árvores que serve de campo de experimentação ao professor e aos alunos. As variedades são também estudadas tem em vista a sua aceitação no mercado, seja para consumo a fresco seja transformadas. A ESA, em conjunto com a Universidade de Trás dos Montes e a Universidade do Minho, estão também a fazer a caracterização genético molecular das macieiras regionais.

Novos projetos

Ao mesmo tempo que aguarda a instalação de um sistema de rega automático no campo experimental da ESA, Raúl Rodrigues já preparou um terreno para a plantação de variedades regionais de pêra. Neste momento, já fez o levantamento a mais de uma dúzia de variedades de pêras e tem já referenciadas mais de 40, que é só ir buscar para enxertar. O trabalho seguirá os mesmos passos que o feito com as maçãs.

E também com estas árvores de fruta não tem dúvidas. Há viabilidade económica. O exemplo é o Gin tinto, o primeiro gin tinto do mundo. Esta bebida, lançada no mercado em 2015 pelo empresário de Valença João Guterres, é produzida à base de 14 ingredientes e um dos que garante mais autenticidade é o perico de Fontoura, uma pereira singular, que é vendida a 5 euros o quilo e que está quase esquecida no Minho e em risco de desaparecer. Mas há mais, a diversidade varietal é grande. Há a pêra D. Joaquina (ou de água), a Amorim, a Arratel, de Lanhezes, a Bojarda, a Porta de Forno…

Esta região portuguesa guarda ainda duas variedades únicas de laranjas: a laranja de Amares e a laranja do Ermelo. O património é vasto e algum já perdido. Em tempos idos, foram identificadas 11 cerejeiras em terras minhotas. Na ESA, a colorir o jardim, encontra-se uma árvore de lima doce, tipicamente portuguesa, que Raúl Rodrigues quer reproduzir.

Leia também:
Maçãs: O Minho tem um património por descascar
Escola Superior Agrária de Ponte de Lima tem colecção de mais de 60 maçãs in Porto Canal, 27.01. 15

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Entrevista a Pedro Bingre Amaral: "Quem planta eucaliptos deve assumir os encargos da prevenção e combate a incêndios"

Fotografia: É Apenas Fumaça / Frederico Raposo
Na entrevista de hoje (05-01-2018), com Pedro Bingre do Amaral, conversamos sobre ordenamento de território e sobre que políticas públicas de gestão da floresta devem ser implementadas. O que é a floresta? Como deve ser gerida pelo Estado? Como chegou o Estado português ao ponto de deter menos de 2% da floresta? Qual a relevância de não se saber quem é dono de ⅓ da floresta? Porque temos tanto eucalipto nas nossas florestas? Que medidas devem ser tomadas para prevenir que aconteça algo semelhante ao que aconteceu no verão de 2017?


Portugal tem uma das maiores áreas florestais da Europa, com mais de três milhões de hectares de matas, matos, bosques, o que equivale a cerca de 36% de todo o território. Por outro lado, o controlo da floresta por parte do Estado é uma miragem, quando comparado com outros países europeus. Apenas 2% da floresta portuguesa é propriedade exclusiva do Estado - na Europa, a média é de mais de 40%.

A diferença é significativa mas não é de agora. Desde há muito que tem vindo a ser reduzido o controlo estatal da floresta. Teríamos de recuar até ao século XIX, às privatizações dos terrenos da Igreja Católica e à venda dos terrenos das comendas de Ordens Religiosas, para explicar o porquê de hoje termos tanta floresta sob controlo privado.

Mas, afinal, de quem é a floresta? Cerca de 85% da nossa floresta pertence a privados, e a maior parte dela está dispersa e distribuída em minifúndios de poucos hectares e com retorno económico reduzido. Talvez isso explique os milhares de terrenos abandonados, ou o facto de se desconhecer quem é dono de ⅓ de toda a floresta portuguesa, o que faz com que a responsabilização dos proprietários à limpeza dos terrenos e ao cumprimento de normas ambientais se torne uma missão quase impossível. Por outro lado, o Estado não tem o poder de assumir a propriedade para si em caso de incumprimento. Como explica Pedro Bingre do Amaral, professor no Instituto Politécnico de Coimbra e investigador nas áreas do Ordenamento do Território e Ambiente, na entrevista desta semana: “Se uma pessoa tiver um terreno e o mantiver inculto durante décadas, e houver um ânimo visível de abandono, nem por isso perde a titularidade”.

A história mais recente tem-nos mostrado que a floresta não foi uma prioridade para o Estado português. “Nos últimos 30 anos, os serviços florestais do Estado foram cada vez mais emagrecidos e desorçamentados, independentemente do governo estar à direita ou estar à esquerda” diz-nos Pedro Bingre do Amaral, que acusa os vários governos de falta de ambição no que toca a política florestal.

Sintomático desse “emagrecimento”, foi a extinção, na década passada, da Direção Geral das Florestas, que passou a ter o título de Autoridade Nacional. Em 2012, foi-se mais longe e fundiu-se a gestão das florestas com o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, passando a designar-se Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Em 2006, o governo de José Sócrates extinguiu a Guarda Florestal, incorporando os seus trabalhadores na GNR. Desde 2005 que não se contratam guardas florestais. Hoje, são 317 em todo o país.

Enquanto o Estado não investe, empresas da indústria da celulose, como a Navigator - nacionalizada a seguir ao 25 de Abril com o nome Portucel, e mais tarde privatizada, quando já dava lucro - foram elevando Portugal ao trono mundial de país com mais área relativa de eucaliptal na sua floresta, uma espécie mais inflamável que outras, como sobreiros ou carvalhos. São cerca de 900 mil hectares, mais de um quarto de toda a floresta. Mas não só das grandes celuloses se faz a produção de eucalipto. Os pequenos proprietários vêem também nessa cultura uma forma de poder rentabilizar as suas terras, algumas delas que apenas visitam de quando em vez.

O acumular de todas estas decisões e da falta de investimento por parte do Estado português nas últimas décadas contribuíram para a calamitosa cena a que assistimos no passado verão, onde mais de 100 pessoas morreram e mais de 500 mil hectares de floresta arderam, marcando 2017 como o ano com mais mortes diretamente provocadas por incêndios desde que existem estatísticas, e o ano em que mais floresta ardeu desde 1980. Em 2016, tínhamos já assistido à maior área ardida da década, com 160,000 hectares reduzidos a cinzas. Entre os verões, não foram poucos os que exigiram reformas de prevenção.

O governo atual, liderado pelo PS, diz-se ativo e preocupado como nenhum outro. Luis Capoula Santos, ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, afirmou em Agosto do ano passado à Lusa que “O governo fez a maior revolução que a floresta conheceu desde os tempos de D. Dinis”. Saberemos mais tarde que resultado dará.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Gerd Leonhard sobre Futurismo - "Vai ocorrer uma catástrofe que nos forçará à regulação"


Gerd Leonhard é um futurista que não se esgota na análise tecnológica do futuro. Está aliás mais preocupado com as dimensões éticas da evolução e em limitar aquilo que diz ser o culto da eficiência, que põe em causa a essência da humanidade.


Leonhard era músico, tendo começado cedo a operar a transição para o mundo digital. Foi nesse processo que lançou as bases do seu actual trabalho dedicado ao futuro, dividido entre a consultoria e a divulgação científica, mas sempre preocupado com a dimensão ética da evolução. A obra Tecnologia Versus Humanidade (editora Gradiva) está traduzido em português desde o ano passado e é o resumo do seu pensamento estrutural: que é preciso fazer escolhas no caminho tecnológico que estamos a construir e que as opções são necessárias para que o futuro mantenha uma dimensão humana.

O trabalho que produz vem na sequência do pensamento de outros autores, que têm alertado para a necessidade de preservar o elemento humano na construção da sociedade digital. E é neste conceito que Leonhard está bem acompanhado, graças às declarações que cientistas como Stephen Hawking e empreendedores como Elon Musk têm repetido nos últimos anos. Mas a verdade é que esse discurso surge por contraponto a uma visão libertária que considera que a tecnologia vai superar todas as limitações da humanidade e que a fusão do homem com a máquina é o último passo da evolução da espécie — a chamada singularidade.

Essa possibilidade é real. Aliás, uma das frases mais conhecidas de Gerd Leonhard confirma que o mundo vai mudar mais nos próximos 20 anos do que nos últimos 300, confirmando que o ritmo das mudanças tecnológicas está a acelerar. E apresenta como símbolos maiores dessas mudanças a inteligência artificial e a edição do genoma. Comecemos pelos computadores: “As máquinas estão realmente a aprender, é aquilo a que se chama aprendizagem automática. Em dez anos, aproximadamente, as máquinas vão ter capacidades ilimitadas e vão conseguir fazer tudo o que lhes seja pedido, porque teremos computação quântica, computação 3D, redes móveis muito rápidas (5G) e a Internet das Coisas.” Depois temos a edição do genoma humano: “Após sequenciarmos o genoma de todas as pessoas, teremos aproximadamente cinco milhares de milhões de genomas, o que significa que poderemos investigar a função de cada gene. Ou seja, em dez segundos podemos analisar os problemas de cada pessoa e trabalhar clinicamente para prevenir e curar doenças.”

O culto da eficiência

Este é o lado positivo da evolução tecnológica. O negativo, para o qual Gerd tem alertado da mesma forma, prende-se com o culto absoluto da eficiência, que reduz o valor da humanidade. E isso manifesta-se em opções que eliminam o elemento humano da equação a favor da proclamada eficiência, como se tem visto em algoritmos que visam ser mais transparentes mas que confirmam preconceitos e que não são capazes de reconhecer traços de humanidade individuais — casos destes têm-se repetido, por exemplo, no sistema judicial e em mecanismos de avaliação de concessão de benefícios sociais nos Estados Unidos, em que o resultado tem sido o regresso aos modelos originais de intervenção humana. “Eu digo sempre que a eficiência é o oposto da humanidade. A eficiência é algo económico, serve para tornar um processo menos dispendioso e mais rápido — que pode ser eficiente para apanhar lixo mas se torna grave quando estamos a discutir questões relacionadas com o ser humano. Alguém vai  procurar trabalhar na eficiência de uma relação afectiva, reduzindo uma relação de dois anos a uma de duas semanas?

E é para prevenir estes “excessos” que entra a necessidade de regulação no processo de evolução: “Precisamos de regular o uso da tecnologia para eliminar os aspectos negativos. Recorremos à regulação e às leis para determinar o impacto de todas as indústrias, regulamentando as consequências negativas, mas não o fazemos quanto à tecnologia.” Uma resposta possível ao porquê de não o fazermos prender-se-á com o sucesso de marketing do discurso dos líderes da tecnologia como Mark Zuckerberg, que dissimulam os propósitos financeiros das suas empresas com vacuidades como “aproximar o mundo” ou “dar uma voz a toda a gente.” E é por isso que as redes sociais são um bom exemplo utilizado por Leonhard para se referir à necessidade de regulação e consciência social do que se passa: “Acho que o problema é que o Facebook é uma infra-estrutura, é a única auto-estrada de comunicação. Da mesma forma que é impossível vivermos sem o Google, e é a isto que se chama um cartel. Do meu ponto de vista, o Facebook é um verdadeiro cartel que tomou de assalto o mundo tecnológico, como há uns anos aconteceu com a Microsoft. Quando uma empresa se torna assim tão grande, é preciso desmantelá-la, o que vai acabar por acontecer.

E esta é uma situação que se estende a outros domínios da tecnologia. Os gigantes da inteligência artificial são empresas americanas e chinesas. “São usadas como armas porque esta é uma questão de poder, e precisamos de tratados de não-proliferação porque estas são as armas mais poderosas alguma vez inventadas”. No livro Tecnologia Versus Humanidade, escrito em 2016, o autor comparou a questão da inteligência artificial à das armas nucleares, em que tratados internacionais regulavam a dimensão dos arsenais e impediam que Estados-párias acedessem à tecnologia. Sabemos que o cenário já não é o mesmo, e a inteligência artigical ou a manipulação genética são bastante mais difíceis de controlar — pelo que o risco aqui é que só se regule tarde de mais. Gerd Leonhard acha que isso vai acontecer: “Vamos ter um incidente grave antes de chegar à regulação. Podemos falar sobre isto, mas a realidade é que nada foi feito em relação às armas nucleares até serem usadas, e depois chegámos à conclusão que foi mau e que tínhamos de evitar que voltasse a acontecer — porque podíamos morrer todos. Relativamente à inteligência artificial, ainda temos cerca de dez anos, porque ainda não está a esse nível, mas vamos ter de chegar a um acordo. Vai ocorrer uma catástrofe que nos forçará a regular estas tecnologias, tal como, por exemplo, uma Inteligência Artificial a controlar o tráfego aéreo e 100 mil pessoas morrerem. As pessoas não acreditavam na bomba nuclear até esta explodir.

Para que a regulação ocorra, é preciso que o poder legislativo esteja atento. Enquanto elogia o papel da Comissão Europeia pelo esforço no controlo da tecnologia, Leonhard assume que a principal preocupação nos tempos que correm tem a ver com o trabalho. Mas também isso precisa de ser revisto, porque a relação entre a produtividade, o emprego e os salários está a ser revista. “O que a maioria das pessoas não sabe é que nós não precisamos de trabalhar como trabalhamos hoje se tirarmos o melhor proveito das tecnologias. Hoje, as pessoas preocupam-se com os empregos porque não é muito bem-visto estar desempregado. É normalmente aqui que começo por dizer que se não compreendem o que as máquinas conseguem fazer vão acabar por ficar sem trabalho muito rapidamente. E isto vai ter consequências”. A principal das quais é a desigualdade, que graças à globalização se tem reduzido muito entre países mas se tem agravado dentro de cada país. E é aí que se vai sentir a grande mudança: “Em cinco anos não vai haver um único líder de Governo, presidente da câmara, ou alguém com um posto importante que seja eleito sem abordar estes temas.

A dimensão ética

Um aspecto determinante no livro e no discurso de Gerd Leonhard é a ética da utilização da tecnologia — porque há um discurso moral sobre a tecnologia, mas seria interessante que a discussão se voltasse a centrar no elemento humano. “A tecnologia não é inerentemente boa ou má, ela simplesmente existe, nós é que a criamos. E penso que o futuro vai acontecer independentemente de nós, mas é um facto que nós fazemos o futuro, nós decidimos o futuro. De momento, estamos preocupados com o custo ou com quem controla a tecnologia e em dez anos só vamos perguntar: porquê? Por que é que o estamos a fazer?”

E este olhar tem consequências também sobre o primado dos valores a transmitir às gerações seguintes. Com a evolução das máquinas, poderemos descurar o ensino das tarefas mecânicas e dar mais espaço aos valores humanos: “Acho que foi Marvin Minsky, especialista em inteligência artificial, que deu origem a este debate, dizendo que a inteligência humana também significa que conseguimos viver não sabendo algo, encontramos outra forma de o fazer. Como é que vamos fazer as crianças entender compaixão, empatia e criatividade? Nada disto se aprende na escola, mas sim a viver. A visão holística é fundamental, e a ciência é apenas uma parte dela. Isto é um grande desafio para a comunidade científica, que tende a pensar que as respostas estão sempre na ciência. E ainda que ache que por vezes é verdade, é preciso ter em conta a visão holística, que será mais preponderante no futuro. Porque a ciência não vai ter limites, vamos poder inventar tudo o que quisermos.

É aqui que a conversa chega a uma das mais interessantes abordagens do livro, ao repetir que “a evolução é um processo espiritual” e que precisa de um equilíbrio que neste momento não existe. “Acho que é natural para as pessoas procurarem atalhos porque é conveniente. Mas o pior é quando a conveniência se torna o princípio e o fim do raciocínio. Podemos ser mais eficientes e dar à luz numa máquina, mas será que seria humano? Temos a tendência de substituir a consciência pela conveniência. É muito mais importante ser convenientes do que sermos conscientes. E não interessa se são coisas pequenas, como o Google Maps ou assim. Quando analisamos a um nível pessoal, é desumano. O Governo tem de delimitar a fronteira entre as máquinas que elevam a humanidade e as que não — a pergunta essencial que surgiu depois de ter escrito o livro foi se é humanamente sustentável, e essa tem sido a minha preocupação.”

O seu ponto de vista ético é eminentemente humanista, por contraponto ao ideário tecnológico de Silicon Valley. Se voltarmos a colocar o acento na humanidade, se nos concentrarmos no que é bom para o ser humano, deixamos de encarar a maior produtividade e eficiência como fins em si mesmos e passamos a encarar valores mais humanos como primordiais: “Para responder à derradeira questão da tecnologia, se faz o ser humano feliz, se proporciona mais avanços para os humanos, se cria uma sociedade melhor. E se a resposta for não, devíamos pensar em não a utilizar ou em implementar algumas restrições.

Fonte: Público, 30.04012