Integração com setores produtivos, biologia sintética, questões indígenas, balanço das metas de Aichi são destaque na COP 13, em Cancún.
Preservar a vida no planeta deve ser responsabilidade de todos, não apenas de ambientalistas. Esta foi a principal mensagem que a reunião da Organização das Nações Unidas sobre conservação da biodiversidade buscou transmitir durante a Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (COP 13, México). Sob o tema “Integração da biodiversidade para o bem-estar”, a Conferência reuniu pela primeira vez não apenas as lideranças ambientais dos países, mas também dos setores agrícola, florestal, pesqueiro e turístico. Setores que têm impactos positivos e negativos na biodiversidade.
Um exemplo da íntima relação entre a conservação da biodiversidade e o setor produtivo foi ilustrado por meio do Global Assessment on Pollinators elaborado pelo IPBES (Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services) e já publicada aqui no Boletim. O relatório demonstra detalhadamente as relações entre declínio dos polinizadores e a produtividade agrícola e oferece subsídios para se elaborar ações de controle de invasoras, de apoio a comunidade locais e povos indígenas. As discussões intersetoriais foram de maneira geral consideradas construtivas, demonstraram comprometimento e foram além de temas previsíveis como certificações e relações de comércio. Ao final foi produzido um guia geral para questões que envolvem o uso da biodiversidade nos setores produtivos. O documento consolida, por exemplo, questões como compartilhamento de instrumentos da FAO (Food and Agriculture Organization das Nações Unidas) relacionados com governança dos recursos naturais, incluindo posse da terra e pesca em pequena escala. Críticas acerca do guia consideraram as ações pouco ambiciosas e que de certa forma já haviam sido contempladas anteriormente pela CDB (Convenção da Diversidade Biológica).
A Chamada Declaração de Cancún, acordada pela alta cúpula da Conferência, buscou apontar esforços adicionais dos líderes para que se cumpram as metas de biodiversidade com prazo para 2020 (Metas de Aichi) e acertaram medidas para acelerar seu cumprimento, entre elas mobilizar recursos financeiros.
O valor do conhecimento indígena e tradicional para a conservação da biodiversidade foi apresentado no estudo “Perspectivas sobre a biodiversidade local”. Reforçou-se a necessidade de se reduzir a distância entre a intenção, e o gesto quando se trata de respeitar o território indígena, principalmente no Novo Continente. Segundo relatórios apresentados pelo terceiro setor, ainda há muitos compromissos assumidos com os povos indígenas que não são respeitados.
Os territórios indígenas e de comunidades locais constituem grandes áreas de interesse para a conservação da biodiversidade e a importância destas áreas está cada dia mais evidente. Segundo Bráulio Dias, o Secretário-executivo da CDB, “A área física ocupada por esses territórios é maior que a região de áreas protegidas no mundo”, por isso, a importância de reconhecer estas superfícies naturais. Repetidamente, buscou-se destacar relevância de se incluir indígenas e comunidade locais em decisões relacionadas à conservação da biodiversidade e não só governos.
Em relação ao balanço das Metas de Aichi – o plano que prevê deter a perda de biodiversidade do planeta, com metas que devem ser alcançadas até 2020 – apontaram-se avanços e desafios ainda por serem suplantados. Das 20 metas, a que reporta avanços importantes é aquela que dispõe sobre a criação de Áreas Naturais Protegidas terrestres e marinhas (Meta 11), que se acredita ser atingida até 2020. A meta que abrange a divisão justa e equitativa dos benefícios oriundos da biodiversidade, abarcadas no Protocolo de Nagoia (Meta 16), também progride com mais de 90 membros e mais 40 países que discutem suas regulamentações. Lamentavelmente o Brasil não faz parte deste grupo porque não ratificou o Protocolo de Nagoia. Já em contraste, a meta que se dedica à mobilização de recursos financeiros (Meta 20) é difícil de ser atingida, mesmo com o aumento das transferências internacionais dos países desenvolvidos para apoiar ações nos países em desenvolvimento. Ainda foram consideradas difíceis de serem atingidas as metas relacionadas aos ecossistemas muito vulneráveis (Meta 10), a que aborda a extinção das espécies (Meta 12) e a que abrange a perda de variedade genética em plantas e animais (Meta 13).
Tecnologias Emergentes
O tema das tecnologias emergentes foi o tópico quente da reunião em Cancún, México. A chamada biologia sintética (ou synbio) traz entusiasmo e temor. Se por um lado esta tecnologia aventa a possibilidade de novos usos industriais (cosmético, biocombustíveis, medicina, químico, etc), agrícolas e ambientais (bioremediação, controle de vetores de doenças e até resgatar diversidade genética de espécies em declínio), por outro, seus efeitos na natureza não podem sequer ser dimensionados, o que inspira precaução.
A biologia sintética é uma derivação do que inicialmente se iniciou com melhoramento genético, seguida pelas técnicas de inserção de fragmentos de DNA em genomas de outras células (os organismos geneticamente modificados, já abrangidos no Protocolo de Cartagena). Estas técnicas de engenharia genética envolvem intervenções mais profundas no genoma, gerando sequências que podem ser criadas, inseridas, deletadas ou transmitidas. Os impulsionadores genéticos (gene drivers), por exemplo, são capazes de transmitir uma dada herança para as próximas gerações. Uma aplicação que se vislumbra é a transmissão de esterilidade em espécies invasoras de culturas com o propósito de extermínio definitivo da espécie daninha. As sequências genéticas digitais são estruturas moleculares criadas por meio de programas de computador. Uma das polêmicas com relação a essa tecnologia reside na repartição de benefícios. Com a crescente disponibilização de sequências genéticas em banco de dados de livre acesso é possível, por meio da synbio, replicar moléculas. Na perspectiva dos países em desenvolvimento não importa se o produto final foi desenvolvido a partir de extratos de planta ou animal ou a partir da informação genética disponível em banco de dados. Logo, se houve benefício financeiro a partir do uso da biodiversidade ele precisa ser considerado no mecanismo de repartição dos benefícios (Protocolo de Nagoia). Essa questão tornou-se mais proeminente com a redução dos custos de máquinas de sequenciamento genético. Do outro lado, os países ricos, os principais usuários dos recursos genéticos, não se dispõem a pagar por informações que, na visão deles, estão disponíveis gratuitamente.
Seus benefícios e impactos dividem as opiniões de especialistas. Por esta razão, houve um consenso de que é necessária uma regulamentação internacional deste quadro. Entretanto, considerando que não há ainda uma convergência de opiniões acerca do tema, foi solicitada uma moratória sobre os experimentos de biologia sintética. Os blocos africano e caribenho se posicionaram a favor dessa moratória, todavia, Brasil, Austrália e Canadá encabeçaram a pressão pela inclusão da biologia sintética na Convenção. Por fim, na Declaração de Cancún, não se aplicou o termo “moratória”, mas se faz uma sugestão pelo adiamento deste tipo de pesquisa. No que concerne o tópico sobre sequências genéticas digitais a rejeição foi unânime. Paralelamente, a CDB continuará com o grupo de trabalho focado na avaliação de risco da biologia sintética. O temor, entretanto reside no tempo em que isto pode levar uma vez que já existem produtos derivados da synbio no mercado e que estes já foram liberados no ambiente.
Sobre a COP
A Conferência das Partes (COP) é a principal instância de decisões da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas que se reúne a cada dois anos. A 13ª edição da COP, em Cancún (México), foi marcada pela presença de mais de 100 ministros de Estado de 196 países, 6.500 representantes dos setores públicos e privados que se reuniram para negociar acordos e compromissos para a conservação dos ecossistemas, o uso sustentável da biodiversidade, a implementação do Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020 e as metas de Aichi.
Aconteceram paralelamente a COP 13, a 8ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Segurança Biológica (COP/ MOP 8) e a 2ª Reunião das Partes do Protocolo de Nagoya sobre Acesso e Repartição de Benefícios (COP/ MOP 2).
O Brasil foi representado na COP 13 pelos ministros do Meio Ambiente, Sarney Filho, e Agricultura, Blairo Maggi.
As sedes para as próximas Conferências das Partes são Egito (COP 14), em 2018, seguido por China (COP 15) e Turquia (COP 16).
Por fim, foi anunciada a nova Secretária Executiva da CDB, Cristiana Paşca Palmer, da Roménia. A Sra. Palmer irá substituir o brasileiro Bráulio Dias que permaneceu no cargo por cinco anos.
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