A notícia do cancelamento de contratos de concessão de prospecção e produção de gás e petróleo no Algarve de duas concessões de Sousa Cintra (Portfuel), Tavira e Aljezur, e uma concessão no mar da Partex/Repsol, Lagosta, é a primeira vitória sólida do movimento contra a exploração de combustíveis fósseis em Portugal. É um enorme crédito para centenas de pessoas, no Algarve e um pouco por todo o país, que se mobilizaram intensamente no último ano e meio contra uma das indústrias mais poderosas da História. É uma vitória obtida dias após um acordo do cartel da OPEC para cortar a produção de petróleo e fazer subir o preço que anda em mínimos históricos há mais de um ano. É também obtida quando Donald Trump escolhe como seu ministro dos Negócios Estrangeiros o director-executivo da ExxonMobil, a maior petrolífera privada do Mundo, e que responde actualmente em tribunal por esconder a questão das alterações climáticas desde 1969 e financiar grupos de negacionistas para evitar a acção política para substituir os combustíveis fósseis.
Mas é uma vitória incompleta, como têm perfeita consciência todos os movimentos e pessoas envolvidas no processo. Incompleta porque faltam ainda rescindir mais três contratos no litoral algarvio entregues à Repsol/Partex a 4 de Setembro, um mês antes das eleições legislativas que ditaram o fim do governo PSD-CDS. Porque faltam rescindir, além dessas, mais nove concessões: duas em terra, na Batalha e em Pombal, e sete no mar, desde Sagres onde no ano passado a GALP e a italiana ENI ameaçaram começar a furar, até ao Porto. Incompleta porque é preciso não só garantir o cancelamento destas concessões como o fim de futuras concessões para prospecção e exploração de combustíveis fósseis em Portugal.
A base do governo para rescindir estas três concessões (Aljezur, Tavira, Lagosta) é técnica e foi bem utilizada. Além de outros problemas, a Portfuel de Sousa Cintra não tinha um Seguro de Responsabilidade Civil previsto no contrato e a Repsol/Partex não cumpriu o plano de trabalhos acordado. Mas não pode haver qualquer dúvida sobre a necessidade de decisões políticas para acabar com a prospecção e exploração de combustíveis fósseis em Portugal. A lei não equivale à razão e a legalidade não está necessariamente livre da iniquidade (bem pelo contrário, tantas vezes). Hoje vivemos uma realidade que choca directamente com leis feitas em outros tempos e para outros tempos. A concentração de dióxido de carbono na atmosfera é superior a 400 partes por milhão, inédita nos últimos 800 mil anos, e não existia há 10, há 20 ou há 30 anos (de quando é a legislação que permitiu estes contratos catastróficos). O problema das alterações climáticas e a necessidade de lidar com essa questão agora (não daqui a 10, 20 ou 30 anos) é uma questão política da maior importância. Acresce o enorme prejuízo que a indústria petrolífera traria ao nosso país, boicotando a evolução das renováveis e sectores económicos como a pesca ou o turismo (além do dano provocado à saúde das populações e ao ambiente local). Será sempre no campo da decisão política que se ganhará esta disputa sobre o futuro.
Numa espécie de paradoxo, são hoje os privados os maiores dinamizadores das energias renováveis, tendo em 2015 o investimento privado em renováveis ultrapassado o somatório do investimento em grandes barragens, nuclear e combustíveis fósseis. São os governos que, através de subsídios, isenções fiscais e outros apoios, mantêm a indústria petrolífera. O nível de apoios públicos às energias fósseis é de 4 para 1 quando comparado com os apoios às renováveis. A indústria do gás, do petróleo e do carvão vive da captura dos estados e é difícil vê-lo mais claramente do que nos Estados Unidos. Portugal tem de dar um passo noutra direcção.
Não há que esperar quaisquer favores das petrolíferas: elas estão a lutar pelo seu dinheiro. Não irão desistir porque é a coisa certa a fazer, porque as populações são contra ou porque continuar significa a destruição do clima. Utilizarão todo o seu arsenal de desinformação, ameaça e chantagem, chegando tantas vezes directamente aos governantes, para garantir o seu lucro. Porque estão no negócio de fazer lucro, não no negócio de fazer energia. Contra isso, populações e movimentos têm de manter a pressão, de acentuar a pressão política, para decisões políticas, isto é, decisões com custos e com ganhos, mas que respondam verdadeiramente ao bem colectivo e aos bens comuns, desde a escala local à escala global. Faltam assim rescindir mais 12 contratos. Mas o petróleo e o gás ficarão debaixo do solo.
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