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quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Com o país arder, onde estão os serviços florestais? Ah, é verdade, foram extintos!


Assuntos aparentemente menores, que não ocupam grandes espaços da comunicação social, seja escrita ou audiovisual, e por isso têm pouco impacte na opinião pública, podem porém ser matérias da maior importância em termos de futuro, de longo prazo – aspectos de que as governanças portuguesas são pouco adeptas. O curto prazo é muitas vezes mais importante que uma decisão sábia de longo termo. E os fogos são exemplo disso.

A extinção dos Serviços Florestais levada a cabo pelo Governo PSD/CDS não levantou qualquer reacção pública; o afastamento entre os cidadãos e a res publica, desejado e promovido pelas derivas liberais daqueles partidos, conduziu ao encolher de ombros da maior parte das pessoas.
Os Serviços Florestais, no entanto, eram um organismo que vinha desde o séc. XIX, e não há país nenhum no mundo, com uma grande área florestal, que não possua o seu Serviço Florestal, muitas vezes até transformado em ícone da Administração Publica.
Já antes, num governo socialista, tinha começado o desaire – a extinção do Corpo de Guardas Florestais, com a passagem do pessoal para a GNR. Foi uma medida gravosa que, tanto quanto me lembro, passou ao lado da opinião pública e ninguém com estatuto público relevante debateu o assunto.

Os guardas florestais e em especial os velhos Mestres Florestais, eram depositários de sabedoria e de bom senso que hoje em dia seriam tão preciosos; eles não eram meros polícias para serem pura e simplesmente incorporados na GNR – eram agentes da defesa e da protecção das matas, vigiavam o estado de limpeza, obrigavam os proprietários a procederem a limpezas, e por isso não deveriam receber ordens de qualquer tenente ou sargento da GNR, sem desprimor para estes, é claro, mas precisavam de ser enquadrados pelos engenheiros florestais que com eles formavam uma cadeia de conhecimentos e de atitudes de intervenção no território.
Esta sabedoria dos velhos Mestres, perdeu-se e mais uma vez devemos ser o único país do mundo com florestas que não tem um Corpo específico de Guardas Florestais, e essa medida insere-se no pensamento liberal que desde o “socialismo liberal” até hoje tem vindo a dominar a vida pública.

Bastava que surgisse uma pequena coluna de fumo no horizonte e havia quase sempre um posto de guarda florestal que a avistava, o que permitia atacar os incêndios das matas e impedir que assumissem grandes dimensões. E hoje? Bem, parece que esta prevenção dos incêndios causava grande transtorno aos lobbies dos negócios dos meios aéreos e outros que movem muitos milhões de euros, e envolvem gente graúda. O Corpo de Guardas Florestais e a rede de postos florestais eram incompatíveis com a “liberalização” do Estado – menos Estado melhor Estado, como se tem visto …
Não tenho dúvida que era a mais eficaz e mais barata forma de prevenção dos fogos florestais, e só a falta de peso “lobista” dos florestais possibilitou o seu fim.

E então houve um génio da política, que já ficara conhecido por causa do queijo limiano, que chegou a Secretário de Estado daquilo que, presume-se, ele devia saber mais – florestas, natureza, etc…- e resolve retirar os Serviços Florestais do Ministério da Agricultura onde sempre esteve e com o beneplácito dos outros governantes, todos eles interessadíssimos nestas coisas, enfiou-os no ICN, o organismo que sucedeu ao Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico que, desde a Revolução de Abril de 74, incarnava a mudança de conceitos nas políticas portuguesas, fazendo da Conservação da Natureza não um simples ornamento de qualquer Ministério, mas antes um dos pilares fundamentais das políticas de Ambiente e de Ordenamento do Território…

Com estas jogadas, passou-se o encargo dos ordenados dos guardas florestais para o orçamento da GNR e mataram-se dois coelhos com a mesma bengalada : por um lado facilitou-se o negócio do combate aos fogos florestais, sem a intromissão dos tais vigias que não deixavam que os fogos progredissem, por outro diluiu-se o poder de intervenção do ICN dando a impressão que até aumentava a sua importância. Instalou-se nele a confusão e ingovernabilidade, mas qualquer funcionário que fale nisso pode ter problemas. Já não há PIDE mas há quem escute e informe os chefes, escolhidos a dedo como convém.

E este aspecto do ICN merece reflexão.

A Conservação da Natureza desde há décadas que deixou de ser encarada apenas como protecção da Natureza, ela é um processo, melhor é uma política nacional de gestão dos ecossistemas. E como política nacional, para ser eficaz, deve ser transversal a todos os sectores da economia que interferem directamente com o território e com as paisagens: agricultura, florestas, energia, rodovias, indústrias, etc. Todos os sectores da economia devem ter uma componente conservacionista, mas o organismo que tutela a Conservação tal como toda a política de Ambiente, deve ser independente dessas actividades sectoriais.

O que não deixa de ser estranho é que hoje as Áreas Protegidas que incluem parques naturais e reservas naturais algumas delas consideradas Reservas da Biosfera, estejam sem director próprio - é também uma especificidade portuguesa, instituída pelo Governo do PSD/CDS (o PSD, onde já militaram algumas das personalidades mais marcantes da política de Ambiente, que hoje parece que desistiu dessa vocação social democrata que o fez nascer).

As AP não servem apenas para proteger o lobo, o lince, etc; elas deviam ser modelos de economia social e exemplo para o restante território.
Nestes domínios havia algumas decisões que se esperava fossem tomadas pelo actual Governo PS, ainda por cima sustentado por partidos de esquerda, incluindo Os Verdes: um, que fosse recriado o organismo que faz parte do património administrativo português - os Serviços Florestais, voltando a conceder-lhe a dignidade a que tem jus, voltando a pôr em campo o Corpo de Guardas Florestais, enquanto resta alguma memória do seu contributo patriótico; dois, que os Serviços Florestais voltem ao Ministério da Agricultura que já tem de novo a designação “e Florestas”, mas só o nome…; terceiro, que sejam redignificados o ICN e as Áreas Protegidas, a quem o novo Ministro já disse que directores não é para já, como se isso fosse uma questão menor!

Fernando Santos Pessoa Ex-Administrador Florestal, fundador e 1.º Presidente do SNPRPP, professor assistente na Universidade do Algarve

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