“Sem dúvida, caro More, para vos falar com toda a franqueza, em toda a parte em que a propriedade é privada, em que o dinheiro é senhor absoluto, é difícil e quase impossível que os negócios públicos sejam bem orientados, floresçam e prosperem.”
Faz agora 500 anos que estas palavras foram escritas por Thomas More na sua marcante Utopia, proferidas nesse texto por um português, Mestre Rafael. Este imaginário português é a personagem perfeita para em 1516 questionar todo o statu quo e apresentar uma ilha com um modelo de governo e de vida radicalmente diferente dos conhecidos. Nesse momento, a Europa letrada via nos portugueses os arautos da mudança, da inovação, da utopia.
More sabia bem o quão irreal era a sua narrativa, ou não a tivesse designado como “não-lugar”, o não-topos. Mas isso não o inibiu de lançar para o papel o desejo tornado texto de algo diferente, mesmo que impossível. Era, obviamente, o confronto, matizado com algumas coisas de outros pensadores, especialmente, de Platão, que o pensador procurava lançar na discussão.
E esta vontade de falar e de reflectir sobre uma não-realidade, algo de não realizável, é a dimensão que tão correntemente se percebe que nos falta hoje em dia. Parece que somos cada vez mais incapazes de pensar além do corriqueiro dia-a-dia, do normal e do banal “politicamente correcto”, como se o próprio acto de ir mais além no pensamento fosse uma não-necessidade, um pecado, até, uma mácula que nos acusaria de irresponsabilidade.
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