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quinta-feira, 19 de março de 2015

Será que realmente usamos apenas 10% do cérebro?

Não se sabe como o mito surgiu, mas, assim como os músculos, a maior parte do cérebro está constantemente activa.



Dezembro de 2014

Robynne Boyd

Não é surpresa que o cérebro permaneça um mistério. Além de realizar milhões de tarefas corriqueiras, ele compõe sinfonias, problematiza e apresenta soluções elegantes para equações. Ele é a fonte de todas as experiências, sentimentos e comportamentos humanos, além de ser o repositório da memória e da autoconsciência.
​A esse mistério soma-se a afirmação de que humanos empregam “apenas” 10% de seus cérebros. Se pessoas comuns pudessem acessar aqueles outros 90%, elas também poderiam se tornar como aqueles que se lembram do valor de π (Pi = 3,1415926...) até a vigésima milésima casa decimal ou talvez tivesse até poderes telecinéticos.

Apesar de atraente, a ideia do “mito de 10%” é tão errônea que é quase risível, opina o neurologista Barry Gordon da Johns Hopkins School of Medicine, em Baltimore. Embora não haja um vilão definitivo para se culpar por ter iniciado essa lenda, a noção tem sido associada ao psicólogo e escritor americano William James. Em sua obra The Energies of Men (As energias do homem, em tradução livre) ele afirmou que “estamos aproveitando apenas uma pequena parte de nossos recursos mentais e físicos possíveis”. A noção também foi associada a Albert Einstein, que supostamente a empregava para explicar sua extraordinária inteligência cósmica.

A durabilidade do mito, na opinião de Gordon, deriva das concepções que as pessoas têm de seus próprios cérebros: elas veem suas próprias falhas como evidência da existência de matéria cinzenta inexplorada. Essa é uma suposição falsa.

“Acontece que usamos praticamente todas as partes do cérebro, e a maior parte dele está ativa quase todo o tempo”, acrescenta Gordon. “Vamos colocar da seguinte forma: o cérebro representa 3% do peso do corpo e usa 20% de sua energia”.

O encéfalo humano médio pesa aproximadamente 1,36 kg. Esse conjunto compreende o cérebro, que é a maior porção e executa todas as funções cognitivas superiores; o cerebelo, responsável pelas funções motoras, como a coordenação de movimentos e do equilíbrio; e o tronco cerebral, destinado a funções involuntárias como respirar.

A maior parte da energia consumida pelo cérebro aciona os rápidos disparos de milhões de neurônios que se comunicam entre si. Cientistas acreditam que é esse tipo de disparo e conectividade neuronal que dá origem a todas as funções superiores do cérebro. O resto de sua energia é destinado a controlar outras atividades — tanto involuntárias, como a frequência cardíaca, como conscientes, como dirigir um carro.

Embora seja verdade que as regiões do cérebro não disparam simultaneamente a todo o momento, neurocientistas mostraram por meio de técnicas de imagem que, como os músculos do corpo, a maioria das regiões está continuamente ativa durante um período de 24 horas. “No decorrer de um dia, as evidências mostrariam que a pessoa usa 100% do cérebro”, garante John Henley, um neurologista da Clínica Mayo em Rochester, Minnesota. Mesmo durante o sono, áreas como o córtex frontal, que controla processos como o raciocínio de nível superior e a autoconsciência, ou as áreas somatossensoriais, que ajudam as pessoas a experimentar sensações físicas e perceber seus arredores, estão ativas, explica Henley.

Considere o simples ato de servir café de manhã: ao andar em direção do bule, estender a mão para pegá-lo, colocar a bebida na caneca e até deixar espaço extra para o leite, os lobos occipital e parietal, os córtices sensório-motores, os gânglios basais, o cerebelo e os lobos frontais são todos ativados. Uma “tempestade elétrica” de atividade neuronal ocorre praticamente em todo o cérebro no intervalo de apenas alguns segundos.

“Isso não quer dizer que se o cérebro estivesse danificado a pessoa seria incapaz de realizar tarefas cotidianas”, prossegue Henley. “Existem pessoas que sofreram lesões cerebrais ou tiveram partes dele removidas, que ainda têm uma vida razoavelmente normal; mas isso se deve ao fato de o cérebro ter uma forma de compensação, garantindo que aquilo que sobrou assuma a atividade”.

Ser capaz de mapear as várias regiões e funções do cérebro é fundamental para entender os possíveis efeitos colaterais caso uma dada região comece a falhar. Especialistas sabem que neurônios que desempenham funções similares tendem a se agrupar. Os neurônios que controlam o movimento do polegar, por exemplo, estão localizados do lado dos que controlam o dedo indicador. Por essa razão, quando realizam uma cirurgia cerebral, neurocirurgiões evitam cuidadosamente os agrupamentos neurais associados à visão, audição e aos movimentos, permitindo assim que o cérebro retenha o máximo possível de suas funções.

Ainda não se sabe como aglomerados de neurônios das diversas regiões do cérebro contribuem para formar a consciência. Até agora, não há nenhuma evidência de que exista um lugar específico para ela, o que leva especialistas a acreditar que realmente se trata de um esforço neural coletivo. Outro mistério oculto em nossos córtices enrugados é que, de todas as células do cérebro, apenas 10% são neurônios; os outros 90% são células gliais (ou gliócitos), que encapsulam e suportam neurônios, mas cuja função continua em grande parte desconhecida.

Em última análise, não é que usemos apenas 10% de nossos cérebros; o fato é que só compreendemos cerca de 10% de como ele funciona.​

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