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sábado, 24 de janeiro de 2015

A Escultura, por Ramiro Calle


Era uma vez um rei com grande sentido de espiritualidade. Tratava-se de um homem profundamente místico, mas que não se associava a nenhum credo religioso particular. Era tolerante e respeitoso e não queria morrer sem deixar, como lembrança da sua espiritualidade, uma grande escultura como mensagem metafísica de carácter universal. Chamou o mais célebre escultor da corte e explicou-lhe :
- Amigo, desejo que faças uma escultura com um sentido espiritual, mas que não represente nenhuma religião em particular.
Durante muitos meses o escultor trabalhou pacientemente. Fez uma escultura lindíssima de rosto de inefável formosura. A escultura foi posta num santuário que se edificou para tal fim. O Monarca, muito satisfeito, inaugurou o santuário. Dias depois teve noticias de que no santuário se produziam grandes e acesas disputas, e que não só tinha havido insultos e ameaças entre os presentes, mas até feridos graves.
-Porquê? - perguntou, perplexo, o monarca.
Um dos seus ministros explicou-lhe:
- Senhor, os Cristãos chegam e asseguram que a escultura representa Jesus. Olham-na os Mulçumanos e dizem representar Maomé. Os Hindus asseguram que se trata de Krishna e os Sikhs que é Guru Nanak. Para os Jainistas não é outro senão Mahavira e para os Budistas o próprio Buda. E assim todos começaram a discutir, insultaram-se e chegaram mesmo a usar os punhos, causando feridos graves.
O monarca tornou-se muito pesaroso. Após uns minutos de reflexão, ordenou:
- Destruam a escultura agora mesmo! Não são capazes de ver o que está para além da escultura porque não são capazes de ver o que está para além do seu nariz.

Comentários de autor:

Não há pior apego nem maior condicionalismo do que o que muitas pessoas estabelecem com as suas próprias ideias , pontos de vista e opiniões. Pode-se chegar ao extremo violento e cruel, amparando-se numa ideia ou num estreito ponto de vista. Esse apego às ideias conduz inevitavelmente ao dogmatismo e fanatismo, impede a visão verdadeira e frustra a acção destra e impecável. É preciso fazer o nobre e fecundo exercício de abrir e esclarecer a compreensão, e com o entendimento correcto saber respeitar e tolerar as opiniões alheias.

in "Os melhores contos Espirituais do Oriente" - Ramiro Calle 

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