A onomástica é o estudo explicativo dos nomes. Nos dias em que vemos o significado das palavras perder-se, em que os nomes se vão desligando do que significam, é importante realizar exercícios de onomástica para chamar as coisas pelos seus nomes.
Por estes dias discutiu-se no Parlamento, na Comissão de Agricultura e Mar, o Decreto-Lei nº 96/2013, de 19 de Julho. Para aumentar a confusão que este número de série produz na cabeça das pessoas, não tem sequer um subtítulo. Discutido anteriormente como Regime das Acções de Arborização e Rearborização, seria difícil explicar o que ele faz através deste subtítulo. Mais difícil ainda é explicar que a única importância decisiva e histórica deste decreto é liberalizar a plantação de eucaliptos, pelo que o seu nome verdadeiro não poderia ser outro que não "Lei do Eucalipto Livre".
Nesta Comissão Parlamentar estiveram várias organizações: de produtores, de académicos, ambientalistas, de cooperativas, e até empresas como a Portucel e a Altri. Algumas das entidades presentes afirmaram que esta lei não era sobre o eucalipto, como defendeu o próprio Secretário de Estado das Florestas, mais que uma vez, dizendo que o decreto visava apenas acabar com a burocracia na floresta.
Mas a "Lei do Eucalipto Livre" tem exclusivamente que ver com eucaliptos e com a liberalização da sua plantação. Senão vejamos: esta lei simplifica plantações de eucaliptos, mas complica a plantação de espécies florestais autóctones como o sobreiro, o castanheiro, o carvalho ou a azinheira, que passa a ter que ser comunicada. Que simplificação da burocracia é esta, quando passa a ter que ser comunicada, por exemplo, a plantação de sobreiros no meio do montado alentejano ou de carvalhos no Douro?
Os autores e os defensores desta lei afirmam que ela deixa de discriminar o eucalipto em relação às outras árvores. Discriminar? A espécie predominante da floresta portuguesa é uma espécie discriminada? Alguém pode defender que uma espécie plantada em 812 mil hectares, 8,9% da área do país, é uma espécie atacada? Afirmam ainda que esta lei não liberaliza a plantação de eucaliptos, uma vez que a comunicação prévia, que é um deferimento tácito à plantação de eucaliptos, apenas se aplica a áreas arborizadas abaixo dos 2 hectares. Mas se observarmos objetivamente que mais de 80% das propriedades florestais do país têm menos de 2 hectares de área ou que o prédio rústico tem em média de 0,5 a 1,2 hectares, podemos concluir que há um deferimento tácito para plantação de mais de 80% das propriedades florestais do país com eucalipto.
É nas áreas de plantação de eucalipto e pinheiro desordenadas, como aquelas que esta lei criará em grandes e contínuas extensões, que o país mais arde, ano após ano. São estas áreas que a "Lei do Eucalipto Livre" pretende continuar a expandir, entregando a floresta portuguesa nas mãos da fileira da celulose, que não quer ter nenhuma responsabilidade pela floresta e pela sua manutenção, ordenamento ou equilíbrio, mas apenas a possibilidade de extração máxima de madeira produzida pelos milhares de pequenos proprietários que arcarão com todo o risco.
O relatório mais recente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas aponta uma subida de temperatura global em cerca de 4,8ºC. Para a Península Ibérica, este valor chega a uma previsão máxima de aumento de 10ºC, sendo a previsão mínima de 1,5ºC no Verão. Com uma área de eucaliptal desordenado em expansão, uma das maiores do mundo, as consequências são claras, e por isso a "Lei do Eucalipto Livre" é também a "Lei do Incêndio Livre".
A "Lei do Eucalipto Livre" está neste momento em apreciação parlamentar na Assembleia da República. Esta é a altura de participarmos e de nos manifestarmos acerca da mesma. É altura de contactarmos os representantes eleitos e em particular a Comissão de Agricultura e Mar, que é a primeira responsável pelo parecer que será transmitido ao Plenário do Parlamento sobre esta lei. É altura de contactarmos os deputados e deputadas dos vários grupos parlamentares: Vasco Cunha, Jorge Fão, Abel Baptista, Mário Simões, Isabel Santos, Manuel Isaac, João Ramos, Helena Pinto, José Luís Ferreira, Cristóvão Norte, Fernando Marques, Luís Pedro Pimentel, Maria José Moreno, Nuno Serra, Pedro Alves, Pedro do Ó Ramos, Pedro Lynce, Ulisses Pereira, Fernando Jesus, Glória Araújo, Miguel Freitas, Renato Sampaio e Rosa Maria Bastos Albernaz. Porque é importante que nos lembremos não apenas do nome das coisas, mas também do nome das pessoas. Perante uma lei que tem um impacte histórico desta dimensão, é importante darmos os nomes certos às pessoas e às leis. Contactem os deputados da Comissão através do site da Assembleia da República, neste link .
Se esta lei for revogada, não será a garantia de que no futuro tudo correrá melhor. Se esta lei não for revogada, temos a garantia de que no futuro, na nossa floresta e no nosso território as coisas correrão bastante pior. Se ela seguir avante, poderemos prever para o ano de 2113 importantes alterações onomásticas, e provavelmente os nomes Silva, Pinheiro ou Carvalho terão perdido todo o significado.
Talvez na aldeia de Eucaliptal de Cima, o Sr. Eucalipto se venha a casar com a Dona Fogo para tentar emigrar para o grande Deserto do Sul. Não temos tempo a perder com confusões linguísticas.
Revogar é a única palavra que temos de associar a este decreto-lei.
João Camargo
Engenheiro Zootécnico; Engenheiro do Ambiente; Técnico de Intervenção da Liga para a Protecção da Natureza
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