"Das narrativas biográficas recolhidas sobressai uma representação de si transversal a todos os biografados: a ideia de que não possuem qualidades excepcionais, e de que a sua capacidade de resistirem às torturas e à prisão, de viverem clandestinos, com tudo o que isso implicava, e de continuarem a lutar por algo em que acreditavam, se deve sobretudo à consciência que possuíam e à vontade que tinham. Se esta ideia pode traduzir a desvalorização pelos feitos individuais e a importância atribuída pelos entrevistados à acção colectiva, não deixa contudo de nos fornecer também óptimos contributos para a reflexão sobre a sociedade actual, em que o sonho, a utopia e as causas parecem não estar na “moda”, estar a desaparecer e em que imperam valores como o individualismo, o egoísmo e o consumismo.
Consideramos preocupante que 37 anos após a revolução de Abril, surjam de forma cada vez mais clara alguns dos traços e valores que caracterizaram o regime fascista português. Longe de pretendermos estabelecer qualquer paralelismo entre a situação actual e o regime fascista que oprimiu mais de quatro décadas o povo português, não podemos deixar de considerar que actualmente as injustiças sociais, a pobreza que assola uma parte substancial da população, algumas formas subtis de camuflar a liberdade, cada vez mais entendida e exercida no campo formal, tornam imprescindível a reflexão sobre os testemunhos recolhidos. Hoje, tal como ontem, é necessário que cada um se torne autor e actor da mudança, que use a sua vida para de forma crítica transformar o mundo em que vivemos.
As vidas dos clandestinos biografados demonstram que é possível sonhar, que é possível lutar por aquilo em que acreditamos e que essa luta vale a pena. Os homens e mulheres que dão corpo a este trabalho e que representam tantos outros, anónimos e desconhecidos, fazem parte integrante da história portuguesa do século XX e merecem ter os seus nomes escritos, semeados e multiplicados.”
In "Vidas na Clandestinidade" de Cristina Nogueira
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