por Elisio Estanque (Público, 8/06/2011)
Talvez seja interessante na conjuntura que hoje atravessamos olhar um pouco a realidade concreta do funcionamento de grupos e instituições da sociedade portuguesa, para ver se conseguimos vislumbrar nesses ambientes de proximidade alguns dos traços, por assim dizer, “congénitos” da nossa cultura, que estão a empurrar o sistema para a entropia, para a disfuncionalidade e, no fundo, a contribuir para a corrosão da própria democracia.
Em Portugal os comportamentos quotidianos dos cidadãos continuam muito marcados pela hipervalorização dos “títulos”, dos estatutos e das diferenças de poder que cada um ocupa no campo profissional ou na esfera pública. Já não sei se é apenas atavismo ou se é um novo formato da modernidade lusa em clima de depressão colectiva. Será que isto espelha uma forma de valorização das instituições, que se traduz na exaltação e deslumbramento perante os actos de solenidade ou apenas ilustra um certo estilo pacóvio de sacralização do poder e dos espaços institucionais (ou públicos) onde ele é ostentado?
Por exemplo, numa conferência, numa iniciativa pública no meio universitário ou no associativismo, quando se trata de um acto formal, as “comissões de honra” assumem sempre uma importância simbólica impressionante. Imagino que tiques semelhantes estejam presentes na lógica interna dos partidos quando se trata da organização das listas de deputados. Mas, para que se veja que isto não é exclusivo das grandes instituições ou dos partidos, repare-se por exemplo numa simples iniciativa de jovens no campo associativo (a eleição de um Núcleo de estudantes numa faculdade): lá estão os diversos “pelouros” com a sua panóplia de coordenadores, presidentes e vice-presidentes, etc., o que, ao que parece é condição para que os membros das listas fiquem “comprometidos” e trabalhem na candidatura, quer na divulgação e na ampliação do “aparato” de apoiantes (os que levam as bandeirinhas e batem palmas), quer na importantíssima actividade que compete ao “cacique”, a da angariação de votos, qualquer delas tarefas muito nobres e decisivas para o resultado eleitoral. Ainda recentemente contei o número de elementos de uma dessas listas, neste caso para eleger os representantes de um curso, a qual somava nada menos do que oitenta indivíduos.
Uma outra situação que talvez ilustre essa tentação para o ritualismo burocrático refere-se ao poder simbólico de que a pessoa é investida pela instituição a que pertence, num acto público. Trata-se de um momento de encenação que, em certas circunstâncias, é capaz de inebriar qualquer funcionário e levá-lo a perder a noção da realidade. Um destes dias fui envolvido numa iniciativa oficial, um debate com o estatuto (formal) de “tertúlia” (uma contradição nos termos, bem entendido) mas promovido por duas grandes e respeitáveis instituições estatais que têm por missão formar, acompanhar e educar os jovens para a cidadania e para a vida profissional. Ora, esse “debate-tertúlia” assumiu na prática um formato que não foi nem uma coisa nem outra. Primeiro, a iniciativa foi realizada num anfiteatro que simboliza o lado mais formal da universidade onde decorreu. Como resultado, as largas centenas de lugares ficaram vazios e os jovens na assistência pouco passavam da dezena. Segundo, decidiu-se desdobrar a iniciativa em dois momentos, introduzindo uma “mesa de apresentação” onde os representantes das instituições promotoras e mais alguns convidados ocuparam os respectivos “lugares de honra” e que decorreu sob o signo dos “salamaleques” e dos elogios recíprocos do princípio ao fim (com os jovens ao longe, claro). Em terceiro lugar, o tom e o conteúdo formal das diversas (e longuíssimas) comunicações, contrastava com os discursos e apelos cândidos à importância das “aprendizagens não formais”, da educação para a cidadania, do envolvimento dos jovens, da necessidade da participação, etc.
Conclusão, esta imparável tendência para a perversão das instituições e seus objectivos funcionais assume-se na base da sociedade sob a forma de um conjunto de tiques burocráticos, rituais laudatórios e gestos de servilismo que revelam algo de mais profundo e estrutural: uma forma de poder social que inibe a cidadania e estimula o medo e o ressentimento. Resta saber, primeiro, se as cúpulas do Estado têm a percepção desta realidade; segundo, e mais grave, se não serão os próprios dirigentes de topo a cultivar, voluntária ou involuntariamente (pouco importa), essa mesma atitude de reverência e de sacralização do poder, ou seja, deles próprios.
Vc aceita sugestão de pauta? Se sim, envio para qual e-mail?
ResponderEliminarOlá Anderson
ResponderEliminarDesculpa, mas não compreendi a mensagem? Estás a pedir-me uma sugestão de postagem no meu blogue é isso? Alguma matéria muito relevante?
Um abraço
Olá muito bom seu blog já estou seguindo. abraços
ResponderEliminarhttp://blogandodemadrugada.blogspot.com/