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terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O alegado Climategate- defesa dos cientistas visados

Quando ouvi falar do Climategate, escândalo estourado mais ou menos em 22 de Novembro, sobre a pretensa manipulação de dados quanto à origem antropogénica das alterações climáticas e às portas da Cimeira de Copenhaga, li alguns dos emails expostos nos mass media (pareceram-me meras trocas de impressões, alguns são dúvidas que normalmente ocorrem ainda no decurso de alguma investigação, etc) e aguardei por vozes sensatas. Encontrei-a no Miguel Araújo. E agora que já são conhecidas as respostas dos cientistas visados, considero o Climategate um fait-divers e uma campanha perigosa contra as melhores perspectivas (se ainda houver) em Copenhaga.

Por Miguel Araújo

Dado a campanha de desinformação na internet sobre o alegado climategate considero ser oportuno, na sequência de outros textos divulgados no blogue ambio, veicular informação proveniente dos autores criticados. Se forem ao blogue encontrarão informação fresca sobre o assunto e uma série de links que guiarão o leitor para fontes primárias de informação. Poderão também escrever directamente aos autores no blogue realclimate onde, ao contrário de alguns blogues dos chamados cépticos, aceita-se contraditório.

Climategate?

Nos últimos dias recebi vários mensagens de colegas perguntando-me a opinião sobre o caso do roubo da correspondência dos servidores da University of East Anglia (UEA), em particular das mensagens envolvendo Phil Jones, Director do Climate Research Unit. A estas pessoas respondi que isto não passava de mais um fait divers. A resposta surpreendeu alguns que rapidamente responderam que não e que mais explicações seriam necessárias. Não tenho dúvidas que mais explicações serão necessárias e que uma investigação independente seria desejável para esclarecer o verdadeiro significado das mensagens vindas a lume. É possível que sendo as mensagens escritas em registo privado tenham sido meros desabafos sem qualquer consequência (quantos de nós dizem e escrevem coisas num registo privado que seriam certamente mal interpretadas se ditas num registo público?). Também é possível que, representando as mensagens uma amostra pequena, colocada fora do contexto, de um universo de milhares de outras mensagens, o seu verdadeiro significado não seja inteligível. Sobre isto o principal visado diz: My colleagues and I accept that some of the published emails do not read well. I regret any upset or confusion caused as a result. Some were clearly written in the heat of the moment, others use colloquialisms frequently used between close colleagues. E conclui We are, and have always been, scrupulous in ensuring that our science publications are robust and honest. Obviamente, não é impossível que as mensagens divulgadas indiciem procedimentos cuja honestidade possa ser questionada e/ou condutas que estão longe de ser irrepreensíveis do ponto de vista da deontologia profissional. Todavia, na fase actual, recuso-me julgar Phil Jones e os restantes colegas pois 1) não tenho informação suficiente para fazer um julgamento sobre a conduta destas pessoas (a informação disponível na internet é obviamente parcial e como tal de valor limitado); e 2) acredito veementemente que o local próprio para julgar o comportamento das pessoas são os tribunais (ou comissões específicas, criadas para o efeito e que possibilitem o exercício, básico em qualquer sistema de justiça, do direito de defesa própria). Se se provar que as interpretações feitas nalguns blogues, com base em informação parcial, forem correctas é óbvio que estas pessoas terão de responder pelos seus actos. Mas também é possível que estes investigadores estejam a ser alvo de uma conspiração sem precedentes na história da internet (a data da divulgação das mensagens levanta a suspeição de que o objectivo seja minar a cimeira de Copenhaga), pelo que prudência é atitude que me parece mais acertada no momento. Mas suponhamos, por um momento, que na sequência de um inquérito independente se demonstre que as suspeitas de fraude científica se justificam. Provar-se-à com isto que a informação sobre aquecimento global é o resultado de uma conspiração dos cientistas para fazer vingar uma agenda verde, de fama, poder, ou dinheiro? Provam estas mensagens que a evidência científica, acumulada durante décadas, por vários grupos de investigação, usando indicadores e fontes de informação diferentes, sujeitas ao escrutínio de investigadores independentes, são o resultado de uma grande cabala orquestrada por um número elevado de pessoas desonestas ao serviço de uma alegada agenda que teria tomado conta do establishment científico? Não, obviamente que não. Provar-se-ia que o último relatório do IPCC foi editado ao mais alto nível de forma a melhor fazer passar uma mensagem política veemente (o que aliás não seria novidade como tive ocasião de escrever aqui e aqui) mas não se provaria que as inúmeras fontes de informação, directa e indirecta, sobre o aquecimento actual foram inventadas ou truncadas. Um caso paradigmático de evidência indirecta, raramente referida pelos cépticos (e completamente independente da rede do Phil Jones) , é o degelo do permafrost (i.e., solo permanentemente gelado que se encontra em zonas de latitude e altitude elevada). Há uma camada do permafrost que é instável, ou seja, que degela em estações/anos quentes e volta a congelar em estações/anos frios mas há sequências do permafrost que têm estado em estado sólido há dezenas, nalguns casos centenas, de milhar de anos. Áreas importantes deste permafrost pré-histórico encontram-se actualmente em declínio trazendo à superfície, pela primeira vez, material genético de inúmeras espécies de animais e plantas (hoje extintas) que foram congeladas e soterradas neste solo. Se o aquecimento actual não se distinguisse do ciclo natural de aquecimento e arrefecimento, como sugerem os cépticos, era de esperar que este material genérico se tivesse degradado há muito tempo. Em suma, a revelação destas mensagens roubadas do servidor do UEA venderá notícias, incendiará debates, causará danos na vida pessoal de algumas pessoas e, no melhor dos casos, abrirá discussões úteis sobre o acesso a dados públicos de clima (é inexplicável que alguns institutos de meteorologia, como é o caso de Portugal, continuem a restringir o acesso aos dados nacionais de meteorologia) e sobre a necessidade de disponibilização dos dados usados nos artigos científicos para melhor garantir a sua replicação em caso de dúvida (nem todas as pessoas o fazem, umas vezes com razões de peso, que importa discutir, outras nem tanto). Sobre isto a própria UEA divulgou comunicados de imprensa (com data de 28 de Novembro) que deixam antever alguns progressos.


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