Nos mesmos dias em que o mundo acompanhava, perplexo, o farto noticiário sobre as tentativas de conseguir no Congresso norte-americano a aprovação de um plano de US$ 700 biliões para conter a crise financeira que já se espalhava por todos os continentes, a comunicação praticamente não deu nenhuma importância à notícia, divulgada pela ONG canadiana Global Foot Print Network, de que no dia 23 de Setembro a humanidade ultrapassara, este ano, o consumo de todos os recursos que o planeta pode produzir ao longo de 365 dias. A partir daí, ocorre um consumo de recursos e serviços naturais além do que a biosfera terrestre pode repor- um sobreconsumo que agravará a crise, pois aumentará a desertificação e a chamada crise da água, produzirá maior perda de florestas tropicais, gerará a emissão de mais poluentes que contribuirão para mudanças climáticas, etc.
Este consumo excessivo, que começou a ser avaliado pela ONG em 1986, uma década mais tarde já superava em 15% a capacidade de reposição; em 2007, era cerca de 25% e ocorreu a partir de 6 de Outubro; este ano, a partir de 23 de Setembro. É um sistema de avaliação semelhante ao utilizado no Relatório do Planeta Vivo, da WWF. Este, em 2006, já dizia que esse impacto - a pegada ecológica da humanidade - mais do que triplicara desde 1961 e já superava a capacidade de reposição em 25%.
Certamente é uma crise mais grave ainda que a financeira, mas que continua a ser minimizada, quando não ignorada. Segue-se tratando da actual crise financeira apenas em termos de quanto afectará ou não o produto bruto mundial e o produto bruto de cada país, inclusive do Brasil, sem preocupação com o quadro de realidade concreta que nos cerca. Como se a crise se pudesse resolver apenas em termos de crescimento económico. E vale a pena relembrar, neste ponto, o pensamento do biólogo Edward Wilson, apontado como o cientista que mais entende de biodiversidade. Tenta-se, diz ele, acreditar que a solução para os dramas do mundo estará no crescimento económico puro e simples. Então, pode-se partir da hipótese de que a economia mundial vá crescer 3,5% ao ano-um crescimento modesto, já que se pretande 5% ou 6%, até 10% ao ano, como na China. Se ela crescer 3,5% ao ano, partindo do actual produto global, superior a US$ 50 triliões anuais, chegaria a 2050 perto de US$ 160 triliões. Mas não chegará, porque não há recursos e serviços naturais capazes de suportar o aumento de consumo decorrente desse crescimento. Será preciso, adverte Wilson, encontrarmos formatos de viver e consumir compatíveis com as possibilidades físicas do planeta - até porque não há outro disponível.
Faz falta, nesta hora, uma figura como o falecido José A. Lutzenberger, que foi secretário nacional do Meio Ambiente de 1990 a 1992. No seu livro Fim do Futuro, que é de 1980, ele já advertia que nos encontramos num divisor de eras:
A crise de energia e matérias-primas que hoje assolapa os alicerces da sociedade industrial demonstra que os recursos desta nave espacial, o planeta Terra, são finitos. Esta crise refuta as premissas básicas da sociedade de consumo, com sua ideologia de expansão e esbanjamento ilimitados. (...) Sempre nos acusaram e continuarão nos acusando de radicais, de líricos, quando não de apocalípticos. Apenas somos realistas.[Fonte: Outra Política]
Sem comentários:
Enviar um comentário
1) Identifique-se com o seu verdadeiro nome e sem abreviaturas.
2) Seja respeitoso e cordial, ainda que crítico.
3) São bem-vindas objecções, correcções factuais, contra-exemplos e discordâncias.