Abelhas estão a morrer
Texto publicado na Revista O Apicultor Jul/Set 07
Recentemente a União Europeia e Portugal autorizam a instalação de culturas agrícolas transgénicas, nomeadamente o milho, que se juntou à colza transgénica já anteriormente cultivada em França.
Muito embora os benefícios económicos da sementeira do milho transgénico em território nacional sejam ainda questionáveis, na realidade o interesse por parte dos agricultores Portugueses tem aumentado como se verifica pelo aumento dos pedidos de licenças de sementeira.
O genoma do milho transgénico foi artificialmente modificado de modo a sintetizar proteínas com acção pesticida idênticas às presentes na bactéria Bacillus thuringiensis, usado desde há vários anos no combate a diversas lagartas, não só do milho mas de outras culturas. Este pesticida, que é especifico só para lepidópteros (borboletas e as suas lagartas), não produz , aparentemente, qualquer efeito prejudicial nos restantes insectos de outras famílias, nomeadamente himenópteros (abelhas).
Pela aparente segurança que o milho transgénico garante os ambientalistas não têm conseguido convencer totalmente os governantes a restringir o seu cultivo. As abelhas em particular não mostram grande interesse pelos campos de milho quando existem outras plantas boas fontes de pólen próximas e que garantem a sua subsistência. Porém, as abelhas chegam a alimentar-se quase exclusivamente de pólen de milho quando em caso de carência alimentar ou quando os apiários se situam em áreas de grandes plantações deste cereal, como provou Louveaux nos celebres trabalhos da década de 60. Este investigador encontrou apiários na zona de Landes, em França, a satisfazer cerca de 90% das suas necessidades em pólen com as flores milho, prolongando-se esta situação durante quase um mês até ao inicio da floração da Caluna vulgaris no final de Agosto.
Num estudo das cargas polinicas das abelhas que conduzimos, durante um período de 3 anos (2002-2004), verificou-se, na freguesia de Cesar (distrito de Aveiro, concelho de Oliveira de Azeméis), que o pólen de milho chegou a satisfazer, em algumas semanas, 17% das necessidades das abelhas(figura 1) o que representou nas colónias estudadas aproximadamente 0,5 kg. Actualmente, graças ao recurso a modernas tecnologias, concluiu-se que as abelhas podem fazer colheitas até 10km e forragear em média num raio de 6km (e não 3 como se acreditava), o que significa que a area util de uma colmeia anda em torno de cerca de 113km2.
Quanto à dispersão pelo vento o alcance do fluxo de pólen de milho tem vindo a ser subestimado pois algumas entidades oficiais, embora reforçadas por trabalhos científicos consideram que uma distancia de 300 a 1000m em relação a outras culturas não transgénicas é suficiente para evitar o cruzamento entre plantas porém, como foi observado no nosso trabalho, mesmo numa zona onde a área cultivada com milho disponível, mesmo transgénico, este será colhido pelas abelhas em grandes quantidades, muito superiores ás distancias de segurança geralmente estabelecidas, sendo, por consequência, possível que seja transportado até longas distancias.
Deste modo o pólen de culturas transgénicas, como o milho, algodão e colza, pode chegar a polinizar plantações bastante afastadas ou ser armazenado nos favos das abelhas. No ano 2000 a opinião pública dos Estados Unidos da América foi abalada por uma serie de trabalhos científicos afirmando que as lagartas da borboleta monarca (Danaus plexippus), uma da “bandeiras dos ecologistas norte americanos, podiam ser afectadas indirectamente se ingerissem, mesmo em pequenas quantidades, o pólen oriundo de milho transgénico depositado em ervas daninhas nas borboletas dos campos.
De facto, o impacto desta noticia abalou, embora momentaneamente, a credibilidade da alegada segurança das plantas modificadas geneticamente. O argumento utilizado para defender a plantação de milho transgénico foi de que quando o milho se encontrava em floração a maioria das lagartas já se tinham transformado em borboletas e por conseguinte o risco para esta população seria muito baixo.
A abelha (Apis mellifera) e outros polinizadores trabalham activamente esta planta, usando-a como fonte de pólen, apesar do seu conteúdo em proteína (cerca de 15%) ser considerado relativamente baixo. Como o milho é uma das últimas plantas a florir antes do período invernal o seu pólen poderá ficar na colmeia por vários meses até ser totalmente consumido.
Nas colmeias é frequente existirem, em autentica simbiose com as abelhas, pequenas borboletas a que chamamos traças da cera, geralmente das espécies Achroia grisella e Galeria mellonella. Como é sabido as traças só são encontradas nas colmeias quando as colónias estão fracas e em circunstância alguma são directamente prejudiciais às abelhas.
Embora sejam geralmente consideradas como pragas dos favos armazenados a sua presença na colmeia torna-se benéfica uma vez que não só favos velhos e inutilizados (principalmente em colónias selvagens) como, em caso de morte, destroem toda a cera restante que tenha contido larvas e pólen. Deste modo desempenham um papel importante no controlo de diversas doenças microbianas que afectam as abelhas e outros insectos.
Caso assim não fosse, se os favos ficassem por períodos muito longos no ambiente, seriam inexoravelmente um foco de doenças, pelo que as traças da cera são, sem dúvida, insectos úteis para as abelhas e por conseguinte para o homem.
Muitas vezes as epidemias de podridão loque americana e europeia poderiam ser evitadas caso os apicultores não insistissem em usar a cera das colónias mortas quer misturando com cera novas quer reutilizando os seus quadros. Deste modo a doença em vez de se restringir à colónia afectada, como sucede na natureza alastrará às demais colónias pois a acção limpadora das traças foi impedida.
Com a introdução de culturas transgénicas, e sem estarmos conscientes disso, estamos a desequilibrar o sistema ecológico ainda existente entre os polinizadores e particularmente as abelhas e as traças da cera.
As traças da cera são sensíveis, como os demais insectos da sua família, ao pólen de milho transgénico, chegando a 100% de mortalidade quando o ingerem, mesmo em pequena quantidade.
Surge portanto como natural que sempre que houver pólen de milho transgénico armazenado na colmeia as traças da cera sejam incapazes de a decompor e deste modo ficará por longos períodos no ambiente representado, assim, além de um distúrbio ecológico, um problema para a apicultura e para as populações de insectos polinizadores em geral.
O futuro o dirá!
Os nossos agradecimentos pelo apoio da Estação Experimental de Hortofloricultura da DRAEM, em particular ao Srº Eng.º Henrique Arteiro e à Fundação para a Ciência e Tecnologia (bolsa BD/7049).
O presente texto constitui uma adaptação do artigo Bt transgenic maize pollen and the silent poisoning of the hive publicado pelos mesmos autores no Journal of Apicultural Research 46: 57 – 58 (2007).
Frente do Algarve Livre de Transgénicos Telf. e Fax 282 459 242
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