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segunda-feira, 30 de abril de 2007

Relatório IPCC- a culpa humana


O planeta está a aquecer e a culpa, em grande parte, é do homem. Mesmo que hoje se reduzissem drasticamente as emissões de gases com efeito
de estufa, o aquecimento global é inevitável pelo menos nos próximos cem anos. São as conclusões de um relatório de referência que reúne
2500 cientistas de todo o mundo. O tom é de alerta. Os decisores políticos saberão lê-lo?
Por Kathleen Gomes

É uma verdade inconveniente: os efeitos do aquecimento global vão continuar a sentir-se nos próximos cem anos, mesmo que de hoje para amanhã se eliminem as emissões de gases com efeito de estufa. Ou seja, mesmo que você deixe o carro na garagem ou os países industrializados reduzam drasticamente as emissões de gases poluentes para a atmosfera, o aquecimento global não voltará atrás tão depressa.
E a culpa é sua. Já se desconfiava, as provas são cada vez mais irrefutáveis: o homem tem uma grande responsabilidade nas alterações climáticas registadas nos últimos anos.
Estas são as principais conclusões do novo relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que não é apenas mais um estudo académico sobre a matéria - é o documento de referência porque reúne 2500 cientistas de todo o mundo com produção relevante sobre mudanças climáticas. Como nota Francisco Ferreira, dirigente da organização ambiental Quercus que tem estudado as alterações climáticas, "este é o relatório científico mais extenso e rigoroso sobre as alterações climáticas à escala mundial". O relatório será apresentado no início de 2007 mas o seu esboço final foi ontem antecipado pelo diário espanhol El País.

A culpa humana
Os cientistas podem hoje afirmar com maior grau de certeza que o homem tem responsabilidade no aquecimento global. Esta é uma preocupação dos últimos dez anos que tem carecido de comprovação científica total, porque é impossível atribuir uma causa directa às alterações climáticas.
Como lembra o climatologista Ricardo Trigo, do Centro de Geofísica da Faculdade de Ciências de Lisboa, há várias causas naturais que contribuem para o aquecimento global, entre elas, a variação da intensidade de radiação de energia solar e as erupções vulcânicas. O El País propõe esta analogia: é tão impossível dizer que um cancro de pulmão de um fumador se deve ao tabaco quanto dizer, com 100 por cento de segurança, que uma onda de calor se deve à acção do homem.

O anterior relatório do IPCC, publicado em 2001, já avançava que o homem tinha responsabilidade nas mudanças climáticas verificadas nos últimos 50 anos. Mas o tom era mais cauteloso. O novo relatório vem reforçar essa conclusão com mais provas e precisão. O documento assinala que o aumento de fenómenos extremos - como secas e ondas de calor - "pode ser atribuído a mudanças climáticas antropogénicas", isto é, produzidas por acção humana.

Segundo o relatório, nunca os níveis de concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera (gases que impedem a saída do calor emitido pela superfície terrestre) foram tão elevados. Nunca quer dizer: nos últimos 650 mil anos. A par disso, o ritmo actual de aumento desses gases na atmosfera "não tem precedentes nos últimos 20 mil anos", cita o jornal El País.

O mal está feito
Há mais más notícias: mesmo que se conseguisse estabilizar a concentração desses gases - o que implicaria mudar drasticamente a actividade e economia mundiais -, o mal está feito e o planeta levaria tempo a reabilitar-se. Ou seja, o aumento da temperatura e do nível do mar vai continuar durante mais de 100 anos.
Nesse período, as projecções do IPCC apontam para um aumento de temperatura "entre 2 e 4,5 graus, sendo 3 graus o valor mais provável". Em todo o caso, valores superiores a 4,5 graus "não podem ser excluídos". Um aumento de dois graus, aponta Francisco Ferreira, já representa um aumento "de proporções catastróficas".

O novo relatório do IPCC vem "concretizar suspeições que existem há dez anos", nota Ricardo Trigo, e isso é importante porque "ajuda a tirar dúvidas a quem ainda as tivesse".
Se o mal está feito - se, mesmo que mudássemos a nossa forma de vida tal como a conhecemos, os efeitos vão continuar -, isso quer dizer que é tarde demais?

"É uma questão importante", sublinha Ricardo Trigo. "Muitos investigadores que trabalham nos melhores centros internacionais dizem que mesmo que no melhor dos cenários se conseguisse reduzir em 50 ou 60 por cento as emissões do gases com efeito de estufa é imprescindível gastar-se muito dinheiro em soluções tecnológicas que permitam aos países adaptar-se às novas condições. Se há um aumento do nível médio do mar, os países que têm costa precisam de pensar em medidas para enfrentar o problema."
O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas foi criado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa Ambiental das Nações Unidas.

Currículo de Ricardo Trigo


domingo, 29 de abril de 2007

Ciência, obscurantismo, sociedade e pensamento

Crenças Irracionais
Por José Carlos Marques
Os inimigos da ciência já chegaram ao Parlamento e às comemorações do 25 de Abril. Não é que Maria de Belém Roseira decidiu terminar o seu discurso, em nome do PS (o verdadeiro paladino da razão e da ciência com o seu Mariano Gago), citando elogiosamente as oito vias do budismo? Não saberá ela que todo o pensamento religioso, científico e filosófico anterior à ciência moderna post-newtoniana não passa de obscurantismo? Há pessoas tão arrogantes que julgam deter a verdade para sempre! Entre elas, as que citam o budismo e outras crendices do pensamento hindu, e de outros da igualha! Como é que assim poderiam abrir as orelhas para factos que não entram no seu estreito registo? Os inimigos da razão científica estão em todo o lado. É preciso correr com eles. Todos os estudiosos do pensamento antigo chinês e hindu, entre outros, rua com eles! A razão vencerá!

Ciência e Obscurantismo
Por Miguel Araújo
A ciência produz conhecimento validado, repetível, e contestável. A religião define crenças e estabelece padrõesde moralidade.Como diria o outro "cada macaco no seu galho".Obviamente que existem limites no conhecimento cientítico. Ninguém o nega. A ciência não é uma enciclopédia de verdades incontestadas: é um métodoque nos liberta da prisão cognitiva dando-nos instrumentos para entenderfenómenos que vão muito além da percepção empírica dos fenómenos. Não resisto citar E.O Wilson:"Without the instruments and accumulated knowledge of the natural scienceshumans are trapped in a cognitive prison. They are like intelligent fishborn in a deep, shadowed pool. Wondering and restless, longing to reachout, they think about the world outside. They invent ingeniousspeculations and myths about the origin of the confining waters, of thesun and the sky and the stars above, and the meaning of their existence.But they are WRONG, always WRONG, because the world is too remote fromordinary experience to be merely imagined". Obviamente que o método científico não garante, por si só, a unidade de todo o conhecimento e que outras formas de expressão da inteligência humana, como a arte, são importantes. Obviamente que, apesar dos muitos progressos científicos, verdadeiramente fantásticos, continuamos a ser ignorantes e que muito falta por aprender. Obviamente que o conhecimento científico não assegura a sua correcta utilização. E também é verdade de que existe conhecimento empírico valioso que ainda não foi reconhecido e validado pela ciência formal. E também é certo que, em certos campos do saber (p.e. a medicina) o empirismo oferece soluções que a ciência formal ainda não integrou no seu cardápio. Mas nada disto diminui a ciência, os seus sucessos, ou a sua importância como suporte do edifício do conhecimento nas sociedades democráticas. O conhecimento científico é um auxiliar valioso da democracia pois é a forma de conhecimento que permite o escrutínio completo dos seus fundamentos. A alternativa é o poder da crença e do empirismo. Uma alternativa que só se consegue instalar em sociedades complexas como as nossas por via da sua imposição pela força. Como dizia Sean O'Casey: "Politics has slain its thousands, but religion has slain its tens of thousands."

Ciência e Sociedade
Artigo gentilmente cedido por Miguel Araújo
Science and Society: Framing Science Matthew C. Nisbet and Chris Mooney Science 6 April 2007:Vol. 316. no. 5821, p. 56 
Issues at the intersection of science and politics, such as climate change, evolution, and embryonic stem cell research, receive considerable public attention, which is likely to grow, especially in the United States as the 2008 presidential election heats up. Without misrepresentingscientific information on highly contested issues, scientists must learnto actively "frame" information to make it relevant to differentaudiences. Some in the scientific community have been receptive to thismessage (1). However, many scientists retain the well-intentioned belief that, if lay people better understood technical complexities from news coverage, their view points would be more like scientists', and controversywould subside.In reality, citizens do not use the news media as scientists assume.Research shows that people are rarely well enough informed or motivated toweigh competing ideas and arguments. Faced with a daily torrent of news,citizens use their value predispositions (such as political or religiousbeliefs) as perceptual screens, selecting news outlets and Web sites whoseoutlooks match their own (2). Such screening reduces the choices of whatto pay attention to and accept as valid (3).Frames organize central ideas, defining a controversy to resonate withcore values and assumptions. Frames pare down complex issues by givingsome aspects greater emphasis. They allow citizens to rapidly identify whyan issue matters, who might be responsible, and what should be done (4,5).Consider global climate change. With its successive assessment reportssummarizing the scientific literature, the United Nations' Intergovernmental Panel on Climate Change has steadily increased its confidence that human-induced greenhouse gas emissions are causing globalwarming. So if science alone drove public responses, we would expectincreasing public confidence in the validity of the science, anddecreasing political gridlock.Despite recent media attention, however, many surveys show major partisandifferences on the issue. A Pew survey conducted in January found that 23% of college-educated Republicans think global warming is attributable to human activity, compared with 75% of Democrats (6). Regardless of partyaffiliation, most Americans rank global warming as less important thanover a dozen other issues (6). Much of this reflects the efforts ofpolitical operatives and some Republican leaders who have emphasized theframes of either "scientific uncertainty" or "unfair economic burden" (7).In a counter-strategy, environmentalists and some Democratic leaders haveframed global warming as a "Pandora's box" of catastrophe; this and news images of polar bears on shrinking ice floes and hurricane devastationhave evoked charges of "alarmism" and further battles.Recently, a coalition of Evangelical leaders have adopted a differents trategy, framing the problem of climate change as a matter of religious morality. The business pages tout the economic opportunities from developing innovative technologies for climate change. Complaints aboutthe Bush Administration's interference with communication of climates cience have led to a "public accountability" frame that has helped move the issue away from uncertainty to political wrong doing.As another example, the scientific theory of evolution has been accepted within the research community for decades. Yet as a debate over"intelligent design" was launched, anti evolutionists promoted "scientific uncertainty" and "teach-the-controversy" frames, which scientists countered with science-intensive responses. However, much of the public likely tunes out these technical messages. Instead, frames of "publicac countability" that focus on the misuse of tax dollars, "economic development" that highlight the negative repercussions for communities embroiled in evolution battles, and "social progress" that define evolution as a building block for medical advances, are likely to engage broader support.The evolution issue also highlights another point: Messages must be positive and respect diversity. As the film Flock of Dodos painfully demonstrates, many scientists not only fail to think strategically abouthow to communicate on evolution, but belittle and insult others' religiousbeliefs (8).On the embryonic stem cell issue, by comparison, patient advocates havedelivered a focused message to the public, using "social progress" and"economic competitiveness" frames to argue that the research offers hopefor millions of Americans. These messages have helped to drive up publicsupport for funding between 2001 and 2005 (9, 10). However, opponents ofincreased government funding continue to frame the debate around the moralimplications of research, arguing that scientists are "playing God" and destroying human life. Ideology and religion can screen out even dominantpositive narratives about science, and reaching some segments of the public will remain a challenge (11).Some readers may consider our proposals too Orwellian, preferring to safely stick to the facts. Yet scientists must realize that facts will berepeatedly misapplied and twisted in direct proportion to their relevance to the political debate and decision-making. In short, as unnatural as it might feel, in many cases, scientists should strategically avoidemphasizing the technical details of science when trying to defend it.
References
T. M. Beardsley, Bioscience 56, 7 (2006)
S. L. Popkin, The Reasoning Voter (Univ. of Chicago Press, Chicago, IL,1991)
J. Zaller, Nature and Origins of Mass Opinion (Cambridge Univ. Press, NewYork, 1992)
W. A. Gamson, A. Modigliani, Am. J. Sociol. 95, 1 (1989)
V. Price, et al., Public Opin. Q. 69, 179 (2005)
A. M. McCright, R. E. Dunlap, Soc. Probl. 50, 3 (2003).
M. C. Nisbet, Int. J. Public Opin. Res. 17 (1), 90 (2005)

Ciência Ideal e Outras (adaptado)
Por José Carlos Marques
Conhecemos muitos profissionais da ciência, e alguns brilhantes , que vivem a ciência da forma nobre e desinteressada . Ao lado dessa ciência, existe também a ciência-ideologia e a ciência-religião, e sobretudo a ciência-sistema social ou trave do sistema social, e que é hoje, como a vêem muitos inclusive entre alguns cientistas, uma peça-chave dos mecanismos produtores da destruição de valores naturais e de valores humanos. Há toda uma tradição vinda de grandes actores da ciência que alerta para os perigos dessa ciência-sistema (como o atestam alguns dos famosos "arrependimentos" de alguns dos grandes físicos que participaram na criação da arma atómica, por exemplo, e também na biologia e noutras áreas; aliás esses perigos pairam sobre toda a filosofia desde o século XX, mas receio que falar de filosofia, onde é sempre impossível uma "falsificação" satisfatória, possa não ajudar). Curiosamente, as implicações epistemológicas e sociais destes "erros" e "arrependimentos" de grandes cientistas é um aspecto omisso na perspectiva idílica da ciência. Há ciência, ciência e ciência. É pena que os cientistas idealistas tenham dificuldade em reconhecê-lo e só consigam ver a ciência como a idealizam e não a "outra" ou "outras" que ela também é.
Uma coisa que se perdeu de vista desde que a ciência ascendeu a um estatuto de "endeusamento" (é esse o estatuto que ela tem, mesmo em Portugal, por mais Abelhas Maias que haja e por mais falta de cultura científica formal que exista) na sociedade moderna foi a unidade do pensamento humano: magia, mito, religião, ciência, arte, por mais diferentes que sejam, têm em comum uma coisa: todos são produtos do pensamento e da imaginação, que é ela própria uma forma de pensamento. Por mais que custe aos que apenas aceitam uma ou algumas dessas formas com rejeição das outras, em todas elas houve e há elementos de verdade e de erro. Afinal não são essas formas que nos devem preocupar mas sim afinal e apenas a verdade e o erro, em versão não maniqueísta nem mecanicista. O que o cientista honesto deverá fazer, mais do que denunciar as falsidade sem bloco desta ou daquela forma de pensamento, é aceitar humildemente que a ciência é ela própria um produto do pensamento que, paradoxalmente, exerce acrítica sobre si próprio e sobre os seus próprios produtos - incluindo os da ciência, que não ficam ao abrigo da crítica pelo facto de supostamente se basearem num método que os isentaria por definição do erro. Caminho duro, sem dúvida, mas inevitável. Saudações racionalistas(-ir)racionalistas: porque a razão informada começa por saber que é pequenina perante a imensidão do não ainda racionalizado ou do que jamais poderá sê-lo

sábado, 28 de abril de 2007

Agência Portuguesa do Ambiente consagra a Educação Ambiental


Foto de Nuno Barata, editor do Fogotabrase

Eu só peço aos governantes portugueses o favor de travar a constante alteração de designações e estatutos de importantes institutos, ou provocar a sua extinção, sempre que se mudam de cores políticas (e geralmente para pior em matéria sócioambiental) - salvo raras excepções, estou a lembrar-me do Instituto de Meteorologia.

Ainda muito recentemente a contorversa extinção do ICN, que passa agora a designar-se ICNB.

Agora chegou a vez da criação da APA. No DR finalmente consagra a Educação Ambiental....só o tempo dirá se com outra cor partidária, a APA ainda estará funcional.

Diário da República, 1.a série - Nº 82—27 de Abril de 2007

Decreto Regulamentar nº 53/2007 de 27 de Abril

No quadro das orientações definidas pelo Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE) e dos objectivos do Programa do Governo no tocante à modernização administrativa e à melhoria da qualidade dos serviços públicos, com ganhos de eficiência, importa concretizar o esforço de racionalização estrutural consagrado no Decreto-Lei nº 207/2006, de 27 de Outubro, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério do Ambiente, do ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR), avançando na definição dos modelos organizacionais dos serviços que integram a respectiva estrutura.

Como decorre da referida lei orgânica, e no quadro da racionalização das atribuições do MAOTDR, operou-se a fusão do Instituto do Ambiente e do Instituto de Resíduos na Agência Portuguesa do Ambiente (APA), procurando assim uma maior eficácia na gestão das políticas de ambiente e desenvolvimento sustentável e a consequente melhoria da qualidade dos serviços prestados aos cidadãos.

A APA apresenta-se assim como uma nova estrutura organizativa com funções de carácter transversal, de coordenação geral e de harmonização e simplificação de procedimentos, visando obter ganhos de eficiência com a concentração de funções anteriormente dispersas por diversos organismos.

Deste modo, cabe à APA um papel determinante na proposta, desenvolvimento e execução das políticas de ambiente e de desenvolvimento sustentável, nomeadamente no âmbito do combate às alterações climáticas e emissão de poluentes atmosféricos, da avaliação de impacte ambiental, dos resíduos, da prevenção de riscos graves e da prevenção e controlo integrados da poluição.

Enquanto Autoridade Nacional de Resíduos, a APA exerce importantes funções na área da regulação, gestão e planeamento de resíduos.

Cumpre-lhe, ainda, exercer funções em matéria de educação ambiental, participação e informação do público e apoio às organizações não governamentais de ambiente (ONGA), assumindo assim um papel activo na divulgação de informação aos cidadãos em matéria de ambiente.

A APA promoverá o desenvolvimento e a manutenção do Sistema Nacional de Informação do Ambiente, assumindo-se como centro de referência para os dados ambientais, competindo-lhe ainda o acompanhamento, em articulação com as entidades competentes, da transposição e aplicação do direito internacional e comunitário no domínio do ambiente, bem como a gestão do Laboratório de Referência do Ambiente.

Artigo 2º - Missão e atribuições

1. A APA tem por missão propor, desenvolver e acompanhar a execução das políticas de ambiente e de desenvolvimento sustentável, nomeadamente no âmbito do combate às alterações climáticas e emissão de poluentes atmosféricos, da avaliação de impacte ambiental, dos resíduos, da prevenção de riscos graves, da prevenção e controlo integrado da poluição e da educação ambiental, assegurando a participação e informação do público e das organizações não governamentais de ambiente.
2. A APA prossegue as seguintes atribuições:

d) Desenvolver e manter o Sistema Nacional de Informação do Ambiente, garantindo a estruturação e divulgação de dados de referência para apoio ao desenvolvimento e avaliação de políticas ambientais;

f) Desenvolver e acompanhar a execução das políticas de educação e formação dos cidadãos no domínio do ambiente, promover e acompanhar formas de apoio às organizações não governamentais de ambiente, bem como promover e garantir a participação do público e o acesso à informação nos processos de decisão em matéria de ambiente;

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Documentário- Quem matou o carro eléctrico?

Quem matou o carro elétrico? - Who killed the electric car? (2006) Legendado PT from MDDVTM TV4 on Vimeo.

Muito se fala nos carros eléctricos, mas quase ainda não circulam em Portugal, ainda ninguém os vê. Na realidade, automóveis eléctricos existem há muitos, muitos anos, mesmo antes dos carros a gasolina. Quem diria, não? No filme documentário de Chris Paine, de 2006, Quem Matou o Carro Eléctrico, dá para entender o jogo sujo (ou pelo menos uma parte) que está por trás do atraso com que estes carros chegam ao mercado. 
Trata-se do exemplo do que se passou na Califórnia, nos anos 90, com o EV1 da General Motors e outros veículos eléctricos, criados na sequência de uma lei daquele estado que obrigava a que uma pequena percentagem dos veículos tivessem zero de emissões. 
 Veja como um veículo muito mais limpo, silencioso e menos poluente que os seus congéneres a gasóleo ou gasolina, suficiente autónomo e veloz, e que deixou marcas positivas nos seus utilizadores, foi retirado de circulação ainda novo e literalmente destruído. Como os lobbies conseguiram destruir a lei e os carros eléctricos! Milhares deles!

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Projector Kinkajou promove literacia no Mali


Microfilme, baseado em tecnologias LED e carregador a painel solar móvel, promove a literacia em meios pobres no Mali, em que muitas vezes o ensino de adultos é nocturno.
Página Oficial do Projector, com informação amis detalhada: Design that Matters

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Aqui, pensando na Terra, agindo em Casa



Este vídeo, não oficial, está muito bem apropriado a esta excelente música da banda dos Love and Rockets lançada precisamente há 20 anos. Esta música e este vídeo são também discursos de alerta, de apelo. Talvez agora esteja a questionar-se sobre o que cada um pode fazer para a mudança, por um mundo mais amigo da Terra e mais pacífico. Trago-vos a Experiência Ambiental de uma família em NYC (Nova Iorque): O escritor freelancer Colin Beavan jurou eliminar o seu impacto no ambiente em apenas um ano. A família produz e faz compostagem dos seus próprios alimentos, não compram nada que não possa consumir ou reutilizar, não deita para fora nenhum lixo e agora estão à procura de soluções em como viver sem electricidade. Veja o blog da família No Impact Man para se ser verde em casa.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Valuing traditional ecological knowledge and indigenous wisdom

“Let us put our minds together and see what kind of life we can make for our children.”— Tȟatȟáŋka Íyotake — ‘Sitting Bull’ (1831–1890)

To overcome — once and for all — the false separation between nature and culture requires us to acknowledge that learning from human ingenuity and long-term adaptations to particular environments is also learning from nature. Among indigenous peoples there is a long tradition of solving human problems by learning from other species and from the wider natural processes in which we participate.

Taking a long-term perspective, humanity has only managed to survive by doing exactly that. For most of our history we have carefully adapted to the sources of materials and energy that we could harvest in a renewable and non-depleting way from within the local and regional ecosystems we inhabited. One reason why we spent a good part of our history living nomadically is that our ancestors met their basic needs by following the migration routes of other animals and seasonally available food that could be gathered along the way.

For tens of thousands of years we have lived within the limits of our local bioregions, carefully learning — by trial and error — how best to meet the needs of our nomadic or resident population by drawing on local and regional energy and material flows.

Culture is an epiphenomenon of nature and traditional place-based cultures are (or were) the result of the careful co-evolution of human settlements with the ecosystems they inhabit. Co-evolution means that the environment shaped human culture while humans shaped their environment.

I do not want to support an idyllic image that indigenous cultures have never overstepped ecological boundaries with negative effects on their local ecosystems. They certainly have (e.g. Easter Islands, Babylon). Yet, there are many more cases of indigenous practices helping to increase the productivity and vitality of the ecosystems they co- evolved with. Humans are capable of being a beneficial keystone species in an ecosystem, rather than an ecological disaster agent!

Indigenous cultures began to shape their environment as long as 50,000 years ago. By paying attention to our species’ past we can learn lessons for ecosystems restoration. The oldest written document of humanity, the Epic of Gilgamesh, tells the story of Mesopotamia drying and salting up after the king killed the god of the forest, Humbaba, and cut down the cedar forests of Lebanon. Modern ecologists would call this ‘down-wind desertification’.

Most ecosystems today have been altered and degraded by human impact. Used Planet: A global history shows that many of the world’s ecosystems underwent major ecological changes due to the interference of relatively small numbers of human inhabitants as long as 3,000 years ago. These changes have not always been negative, more often they increased bioproductivity (Erle et al., 2012).

In recent years, research into terra preta — the human-facilitated black soil cultures enriched through the burial of charcoal, compost and beneficial fungal mycelia — is beginning to show that even the supposedly virgin rainforests of Amazonia, West Africa and Borneo are ecosystems affected by the forest-gardening practices of their human inhabitants. Similarly the great plains of North America, the ‘wild’ moorlands of England or the Highlands of Scotland are all examples of ecosystems that have been reshaped by human presence through repeated burning, deforestation and grazing (Pearce, 2013).

One way to rediscover the practices that helped Homo sapiens survive for over 200,000 years is to pay more attention to indigenous wisdom and traditional place-based knowledge (where it has not already been completely lost). Indigenous human cultures are an expression of generations of co-evolution of humans within the ecosystems they inhabited.

Cultures that have managed to survive for millennia within their bioregions have a lot to teach us. Over the last few hundred years we have developed the unfortunate habit of dismissing such knowledge as antiquated and calling such cultures ‘primitive’. Hypnotized by the apparent benefits of scientific and technological progress we made the mistake of dismissing traditional ecological knowledge that underpinned human survival for most of prehistory.

To re-evaluate the wisdom of traditional and indigenous cultures does not mean returning to some supposed ‘golden age’ when humanity lived in perfect harmony with the rest of nature. It simply means acknowledging that these cultures have managed to sustain themselves and evolve in intimate adaptation to the uniqueness of place for many more millennia.

By comparison, the few centuries of modern industrialized civilization have brought us many great achievements but have also created some of the most pressing global problems we now face. We have to learn from both the successes and failures of modern technologies, and we have to pay more attention to the indigenous wisdom of local culture adapted to place.

Indigenous worldviews around the planet share a common perspective: the world is alive and meaningful and our relationship with the rest of life is one of participation, communion and co-creation. Creating regenerative cultures is also about finding creative responses to the questions:

Q How can we combine the best of modern technology, science and cultural expression with the guiding wisdom of traditional, indigenous cultures?

Dia Internacional do Livro - Auto-conhecimento e Natureza, por Eckhart Tolle



O Dia Mundial do Livro é comemorado, desde 1996 e por decisão da UNESCO, hoje, a 23 de Abril. Trata-se de uma data simbólica para a literatura, já que, segundo os vários calendários, neste dia faleceram importantes escritores como Cervantes e Shakespeare. A ideia da comemoração teve origem na Catalunha: a 23 de Abril, dia de São Jorge, uma rosa é oferecida a quem comprar um livro. Mais recentemente, a troca de uma rosa por um livro tornou-se uma tradição em vários países do mundo.

A minha sugestão seria que mais gente lê-se o livro de Al Gore- "A Nossa Escolha".

Contudo e continuando este Mês da Terra, e depois do BioTerra celebrar o Dia da Terra em tomos musicais 123 e ,4, escolhi para este Dia Internacional do Livro, um texto/pensamento diferente. Um texto de Eckhart Tolle. Espero que gostem.

"Dependemos da natureza não só para a nossa sobrevivência física.
Também necessitamos da natureza para que nos ensine o caminho para casa, o caminho para sairmos da prisão de nossas mentes. Perdemo-nos no fazer, no pensar, no recordar, no antecipar; estamos perdidos num complexo labirinto, num mundo de problemas. Esquecemos aquilo que as rochas, as plantas e os animais já sabem.
Nos esquecemos de Ser, de sermos nós mesmos, de estar em silêncio, de estar onde está a vida: Aqui e Agora.
Focalizar a atenção numa pedra, numa árvore ou num animal, não significa “pensar neles”, mas simplesmente percebê-los, dar-se conta deles. Então eles transmitem-te algo de sua essência. Sente quão profundamente descansam no Ser, completamente unificados com o que são e onde estão. Ao perceber isto, tu também entras num lugar de profundo repouso dentro de ti mesmo.
Quando caminhares ou descansares na natureza, honra este reino, permanecendo aí plenamente. Acalma-te. Olha. Escuta. Observa como cada planta e cada animal são completamente eles mesmos. De forma diferente dos humanos, não estão divididos em dois. Não vivem por meio de imagens mentais de si mesmos, e por isso não precisam preocupar-se em proteger e potencializar estas imagens. Todas as coisas naturais, além de estarem unificadas consigo mesmas, estão unificadas com a totalidade. Não se afastaram da totalidade exigindo uma existência separada: “eu”, o grande criador de conflitos. Tu não criastes teu corpo, nem és capaz de controlar todas as funções corporais. No teu corpo opera uma inteligência maior que a mente humana. É a mesma inteligência que sustenta tudo na natureza. Para aproximares-te ao máximo desta inteligência, torna-te consciente de teu próprio campo energético interno, sente a vida, a presença que anima o organismo.
Quando percebes a natureza apenas com a mente, por meio do pensamento, não podes sentir sua plenitude de vida, seu ser. Unicamente vês a forma e não estás consciente da vida que a anima, do mistério sagrado. O pensamento reduz a natureza a um bem de consumo, a um meio para conseguir benefícios, conhecimento, ou a algum outro propósito prático.
Observa, sente um animal, uma flor, uma árvore, e vê como descansam no Ser. Cada um deles é ele mesmo. Eles têm uma enorme dignidade, inocência, santidade. No momento em que olhas além dos rótulos mentais, sentes a dimensão inefável da natureza, que não pode ser compreendida pelo pensamento.
É uma harmonia, uma sacralidade que além de preencher a totalidade da natureza, também está dentro de ti. O ar que respiras é natural, como o próprio processo de respirar. Dirige a atenção à tua respiração e percebe que não és tu quem respira. A respiração é natural. Conecta-te com a natureza do modo mais íntimo e interno percebendo a tua própria respiração e aprendendo a manter tua atenção nela. Este é um exercício que cura e energiza consideravelmente.
Produz uma mudança de consciência que te permite ultrapassar o mundo conceitual do pensamento e atingir a consciência incondicionada. Precisas que a natureza te ensine e te ajude a reconectar-te com teu Ser.
Não estás separado da natureza. Todos somos parte da Vida Única que se manifesta em incontáveis formas em todo o universo, formas que estão, todas elas, completamente interconectadas.
Quando reconheces a santidade, a beleza, a incrível quietude e dignidade que existem em uma flor ou em uma árvore, acrescentas algo a esta flor ou a esta árvore. Pensar é uma etapa na evolução da vida. A natureza existe em uma quietude inocente que é anterior à aparição do pensamento. Quando os seres humanos se aquietam, vão além do pensamento. A quietude que está além do pensamento contém uma dimensão maior de conhecimento, de consciência. A natureza pode levar-te à quietude. Este é o presente dela para ti.
Quando percebes a natureza e te unes a ela no campo da quietude, este se enche com tua consciência. Este é o teu presente para a natureza. Através de ti, a natureza toma consciência de si mesma.
É como se a natureza tivesse ficado à tua espera durante milhões de anos para adquirir esta consciência."

Para saberes mais:

domingo, 22 de abril de 2007

Dia da Terra * Earth Day- Todos os dias

1.Devemos agradecer a John Mc Connell quem propôs o Dia da Terra- para celebrar a vida na Terra e toda a sua beleza.Saiba com todo o pormenor todo o seu trabalho e sua biografia no EarthSite

2.Imperdível e actualizado o Mapa do World Bank 2007, de acordo com os Objectivos do Milénio, online/ em linha e completamente interactivo.

Textos anteriores no Bioterra

  • Bom dia, Terra! (2004)
  • Celebremos o 35º Aniversário do dia da Terra (2005)
  • A-Ver-A-Terra (2006)
  • sábado, 21 de abril de 2007

    Dale Jamieson - autor do Manual de Filosofia do Ambiente



    Alguns Artigos

    Multimedia
    Ethics Updates Interview with Dale Jamieson (entrevista em Real Player)


    MANUAL DE FILSOFIA DO AMBIENTE
    Depois de um anárquico quatro de século, a filosofia ambiental ainda precisa de ser completamente definida como campo. Na verdade, é provável que tenha um quinhão maior do que devia de divisões e luta académica corpo-a-corpo.
    O propósito de Dale Jamieson ao editar este volume é, simultaneamente, apresentar um instantâneo do campo como existe actualmente e contribuir para consolidá-lo.
    A esperança é que este livro seja usado como texto primário em cursos de filosofia ambiental, como texto secundário para cursos complementares e como livro de referência para os que estão a trabalhar em tópicos relacionados com o ambiente. Acima de tudo deseja-se que este volume faça o seu caminho até às mãos dos leitores que querem simplesmente aprender alguma coisa sobre o assunto.

    (Mais informações sobre o livro na Weboom)

    sexta-feira, 20 de abril de 2007

    Que razões para preservar a biodiversidade? Resultados de uma investigação


    Natura. Ilustrador desconhecido.

    Estudo apresentado por António Correia Almeida, no I Congreso Internacional de Educación Ambiental dos Países Lusófonos e Galicia
    Enquadramento

    A biodiversidade não se esgota no número de espécies existente na Terra e contempla outros tipos de variabilidade como a genética (genótipos de uma espécie), ecológica (ecossistemas) e funcional (processos bioquímicos indispensáveis às comunidades biológicas)(1).

    Mas é indiscutível que a ênfase associada à preservação de espécies é a que adquire uma maior visibilidade em muitos projectos escolares.

    As razões para a preservação da biodiversidade, e consequentemente da diversidade de espécies, podem ser múltiplas. Frequentemente, a biodiversidade é encarada exclusivamente como um recurso, fruto de uma perspectiva antropocêntrica na forma de conceber a relação do Homem com a Natureza. Nesta linha, Wilson (1997) assinala que muitas espécies com importância económica potencial não chegam aos mercados, apesar de mais de 30000 de origem vegetal terem partes comestíveis e de, ao longo da história da humanidade, 7000 terem sido cultivadas. Em consequência, como assinala este autor, centramos a nossa alimentação em pouco mais do que 20 espécies e em que o trigo, o milho e o arroz têm um peso superior a 50%.
    Mas este potencial utilitário da biodiversidade não tem de ser estritamente económico e pode ser assinalado numa base mais ampla, pondo por exemplo em destaque também a sua importância para a nossa integridade psicossomática. Como menciona igualmente Wilson (1984) basta lembrar que o nosso cérebro se desenvolveu num quadro de biodiversidade, pelo que a sua destruição se revela um passo arriscado para a nossa integridade, dado que o mundo natural é o mundo mais rico em informação que as pessoas jamais encontrarão. Ainda assim, as posições antropocêntricas perante a perda de biodiversidade revelam-se parciais no tratamento das diferentes espécies. Privilegiam o combate à extinção de espécies carismáticas de um ponto de vista estético ou simbólico, prova de que questões de empatia se sobrepõem a critérios de natureza ecológica.
    Mas a presente crise ambiental tem fomentado o surgimento de outras perspectivas menos instrumentais na forma de olhar a natureza e, consequentemente, a biodiversidade. No quadro desta pluralidade destacam-se, para além da antropocêntrica, as perspectivas biocêntrica e ecocêntrica.
    A perspectiva biocêntrica é claramente descentrada do ser humano e vê no respeito pela individualidade de cada ser o caminho que permite evitar a extinção das espécies e dos ecossistemas onde vivem. O carácter atomista das teses que se inserem nesta perspectiva conduz a alguma especificidade no modo de pensar a preservação da biodiversidade, pondo em evidência a necessidade de se manterem as condições necessárias ao florescimento de cada indivíduo. Assim, e à partida, seria de evitar qualquer interferência no ciclo de vida dos diferentes seres vivos, principalmente quando não está em causa a satisfação de necessidades básicas do ser humano. Mas, dado que algumas espécies estão reduzidas a um número diminuto de seres, esta interferência impõem-se cada vez mais e é admitida por diversos teóricos cujo pensamento se insere nesta perspectiva.(2)
    A perspectiva ecocêntrica é essencialmente voltada para o mérito das espécies na manutenção do frágil equilíbrio ecológico que caracteriza o sistema Terra. Claro que a manutenção deste equilíbrio se revela igualmente vantajosa para a espécie humana, o que pode conduzir à crítica de que esta perspectiva esconde uma espécie de antropocentrismo camuflado. Mas os ecocêntricos atribuem um valor não meramente instrumental a esse equilíbrio, que para ser conseguido obriga à limitação de múltiplas actividades humanas e a um repensar da sociedade de modelo ocidental, assente no consumismo descontrolado com enormes impactos nos ecossistemas.

    Metodologia

    Com base neste enquadramento teórico, desenvolvemos um estudo que pretendeu averiguar como argumentam os professores dos diferentes ciclos de escolaridade não superior perante determinados temas de natureza ambiental, e assim verificar a incidência de ideias catalogáveis nas perspectivas ambientalistas já apresentadas – antropocêntrica, biocêntrica e ecocêntrica (Almeida, 2005, 2007). Para o efeito foram entrevistados 60 docentes dos diferentes ciclos de escolaridade não superior: 15 educadores de infância (Pré-Escolar), 15 professores do 1º Ciclo, 15 do 2º Ciclo e 15 do 3º Ciclo e Secundário, de escolas e jardins de infância dos distritos de Lisboa e Setúbal, e que implementam com regularidade projectos de Educação Ambiental subordinados a temáticas diversas. Entre as questões sobre as quais foram convidados a pronunciar-se encontrava-se o seguinte dilema:
    Como sabe, o Homem, através das suas acções, tem sido responsável pela extinção de muitas espécies. Quando não é possível salvar um leque diversificado de espécies em perigo, quais os critérios que devemos adoptar para salvar algumas delas?
    Para o tratamento das respostas considerámos dois grupos com 30 indivíduos cada: por um lado, os educadores de infância e os professores do 1º Ciclo (EI + 1º C); por outro, os professores dos 2º e 3º Ciclos e Secundário (2º C + 3º C e S). A razão principal para a constituição destes grupos decorreu da diferença entre os modelos de formação destes docentes (generalista no 1º caso, especializado no 2º) e da consequente vivência profissional marcada pelo nível etário dos alunos com que trabalham, o que poderia afectar o modo de conceber a importância da biodiversidade, aqui reduzida à dimensão da variabilidade no numero de espécies.
    As respostas foram gravadas e transcritas, tendo a transcrição obedecido aos princípios metodológicos sugeridos por Seidman (1998). Este autor defende a necessidade de equilíbrio entre a apresentação textual do que foi dito e a transformação das respostas em peças elaboradas e atípicas do discurso oral. Mas considera fundamental alguma correcção para assegurar a dignidade do participante na apresentação escrita do seu depoimento.

    Resultados

    O dilema apresentado não se revelou de fácil resposta se atendermos às indecisões e pausas no discurso dos docentes. Houve mesmo lugar a alguns comentários reveladores da dificuldade imposta pelo dilema apresentado: “...O Homem pôr-se no papel de Deus... Armar-se em Deus e decidir é este e não é aquele... Eu sei lá!”; “Eu sinto-me desinformada sobre essa questão para poder responder melhor sobre ela, está a ver?”; “Meu Deus! Que horror! Isso é mesmo muito difícil.” Ou ainda a frase bem eloquente: “Isso é quase pôr-me num campo de concentração nazi e escolher uns quantos que vão para os fornos e outros não. Sei lá!...”
    As respostas, para além das enquadráveis nas perspectivas ambientalistas citadas, obrigaram-nos a considerar duas novas categorias: respostas não qualificáveis nas perspectivas ambientalistas e incapacidade para definir critérios de escolha. Para além disso, alguns docentes expuseram ideias enquadráveis em mais do que uma perspectiva, surgindo assim respostas mistas.
    Em termos de resultados, e apesar das dificuldades iniciais, apenas 2 professores da amostra acabaram por não conseguir estabelecer critérios de selecção e, curiosamente, nenhum deles foi responsável por uma das frases citadas. Os dois grupos não se diferenciaram significativamente no tipo de argumentos manifestados, o que permite considerar irrelevantes os factores que presidiram à sua constituição, para o tema em discussão.
    Em termos globais, foram as respostas de teor ecocêntrico as manifestadas com maior incidência nos professores de ambos os grupos, embora com um ligeiro destaque para o 2º (18 contra 14)- quadro 1
    Quadro 1: Critérios de selecção de espécies em perigo de extinção, no caso de incapacidade humana para as salvar a todas.

    CRITÉRIOS PRIORITÁRIOS NO SALVAMENTO DE ESPÉCIES
    PERSPECTIVA MANIFESTADA (ARGUMENTOS)EI + 1ºC2ºC + 3ºC e S
    Antropocêntrica (A)
    √ as mais úteis em termos da sobrevivência do Homem e com potencial alimentar e medicinal
    √ as de maior valor estético
    4
    8
    1
    4
    5
    -
    Biocêntrica (B)
    √ as mais necessárias à sobrevivência de outras
    √ todas têm direito à vida (incapacidade em optar)
    3
    4
    1
    1
    1
    -
    Ecocêntrica (E)
    √ as necessárias ao equilíbrio dos ecossistemas ou do planeta como um todo
    √ todas são necessárias ao sistema (incapacidade em optar) 
    14
    15
    1
    18
    19
    1
    Formas mistas de resposta
    E + A    
    E + B
    A + B

    3
    1
    1

    1
    -
    -
    Formas de resposta não directamente qualificáveis
    √ as que garantam o sucesso da intervenção
    √ as mais raras
    2
    6
    2
    6
    6
    -
    Não define critérios
    2
    -
    TOTAL
    30
    30
    Nota – Na especificação das ideias antropocêntricas, biocêntricas e ecocêntricas incluímos o desdobramento das respostas mistas. Os argumentos não directamente qualificáveis foram sempre considerados uma 2ª escolha quando surgiram outros classificáveis.
    Apresentamos três exemplos representativos da argumentação utilizada.

    Provavelmente tentaria inicialmente estudar, perceber quais as espécies fundamentais para o equilíbrio da Terra, e depois iria hierarquizar da mais importante para a menos importante em termos de contributo para esse tal equilíbrio e eliminaria as que fossem menos importantes. Provavelmente seria esse o processo. (EI + 1º C)

    Se calhar aquela que fizesse mais falta por qualquer motivo, ou que fosse mais útil ao próprio ecossistema. Não digo apenas em termos de utilidade para o Homem... Ao funcionamento do próprio ecossistema, aquela que o fosse desequilibrar menos. (EI + 1º C)

    A Terra funciona como um enorme ecossistema. E portanto qualquer extinção vai provocar desequilíbrio. Há que ter uma perspectiva global, perceber que os ecossistemas não são estanques, estão todos ligados entre si. Alguma coisa que desaparece num determinado ecossistema vai, mais tarde ou mais cedo, implicar desequilíbrios importantes noutro ecossistema. Portanto, não há ecossistemas fechados, a Terra é em si um ecossistema e, portanto, toda a extinção de animais ou plantas vai provocar desequilíbrios. Por isso escolheria as que não afectassem o funcionamento da Terra tal como o conhecemos. (2º C + 3º C e S) 

    Dentro da argumentação ecocêntrica destacamos ainda um docente que afirmou não conseguir optar porque todas as espécies se revelam indispensáveis para a preservação do todo. Nas diferentes respostas de teor ecocêntrico, a referência à espécie humana nem sempre esteve presente. Mas quase sempre foi possível inferir que os inquiridos a consideram uma peça do sistema que acabaria por se confrontar com os problemas decorrentes do desequilíbrio ecossistémico.

    As razões de teor biocêntrico foram expressas perante esta questão com uma expressão reduzida e evocadas com uma ligeira vantagem pelos docentes do 1º grupo (3 respostas contra 1 do outro grupo). A ideia mais frequente traduziu uma escolha das espécies que melhor assegurassem a sobrevivência de outras.

    É uma pergunta complicada. Mas talvez a espécie que fosse mais importante para a maior parte dos seres vivos. Para a continuidade, não só da espécie humana, porque temos muita tendência a puxar para a espécie humana, mas que fosse mais importante para a continuidade de um leque variado de espécies. (EI + 1º C)

    Salientamos também neste conjunto de respostas a recusa de um dos professores, também do 1º grupo, em definir critérios de escolha por considerar que todos os seres têm o direito à vida. Explicou-nos mesmo como esta sua posição se tinha desenvolvido a partir de uma experiência negativa decorrida na infância. O relato é particularmente tocante e permite evidenciar como os acontecimentos que ocorrem durante o período do nosso desenvolvimento psicossomático se revelam fundamentais no moldar da nossa perspectiva perante o mundo.

    Para mim não sei qual seria o critério utilizado. Só se fosse o pim, pam, pum. Nós somos muito levados a pensar na utilidade dos animais em relação ao Homem. Poderia ser um critério! Mas não sei se seria um bom critério. Porque os seres que não nos são úteis têm tanto direito a viver como os que no-lo são. E agora vou contar aqui uma história que vai ficar gravada mas não faz mal... Eu sou de uma terra pequenina, e na casa dos meus pais havia coelhos e galinhas e todos esses animais. E na coelheira, a porta era tão pequena, só lá cabia eu porque era pequenina, e a minha mãe mandava-me buscar um coelho para matar. E eu tenho este trauma desde essa altura. Só eu é que cabia na porta e ela mandava-me porque eu era pequenina… só eu chegava à capoeira. E qual é que eu iria levar à minha mãe? Era um dilema terrível! Porque eu olhava para eles todos e Deus me livre… Coitadinho daquele, não o levo, coitadinho do outro, também não o levo e… A partir daí faz-me muita impressão fazer uma selecção, seja do que for, e para morrer ainda por cima. Estou sempre a pensar naqueles animaizinhos a fugirem de mim e eu tinha que pegar num, porque a minha mãe obrigava-me a escolher um para o jantar. (EI + 1º C)

    A argumentação exclusivamente antropocêntrica foi veiculada por 8 docentes (4 de cada grupo). A ideia mais expressa foi a da opção pelas espécies que nos sejam úteis em termos da nossa sobrevivência, traduzida pelo seu potencial alimentar e medicinal. Este tipo de argumentos esteve igualmente presente nas respostas mistas, e daí a sua frequência ter subido para 8 e 5 respostas provenientes, respectivamente, dos docentes de cada um dos grupos considerados. Nestas respostas apenas surgiu um argumento diferente proposto por um dos docentes que optou por salvar espécies que tivessem uma acção depurativa em ambientes poluídos, aspecto que considerou benéfico para o Homem no presente e para o legado de um planeta melhor às futuras gerações. Apenas um professor mencionou que escolheria as espécies com maior valor estético, embora como 1º critério tivesse optado pelas espécies que contribuíssem para o equilíbrio do planeta. Por isso, inserimos a sua resposta nas de teor ecocêntrico. Apresentamos uma das respostas de teor antropocêntrico que traduz uma escolha meramente instrumental em função das necessidades humanas.

    À partida salvaria as plantas em detrimento dos animais. E vou-lhe explicar porquê: pela questão do oxigénio, era esse um critério. Depois, dentro das plantas.... Talvez as plantas que dessem fruto, porque podiam alimentar o Homem. É uma questão de sobrevivência. Pode dizer-me assim: “Mas só está preocupada com a sobrevivência do Homem?” Mas se calhar é essa a minha preocupação. Pois se é uma situação catastrófica em que a gente tem de tomar uma opção é evidente que quer preservar-se. Faz parte da nossa natureza escolher à partida uma coisa que nos vai preservar e, por isso, a escolha em primeiro lugar das plantas. Pelo oxigénio, a fotossíntese, os frutos... (2º C + 3º C e S)

    Como começámos por salientar, perante o dilema apresentado surgiram algumas respostas não directamente qualificáveis nas perspectivas ambientalistas em discussão e que algumas vezes foram as únicas mencionadas pelos docentes. Neste tipo de respostas destacou-se a ideia de salvar as espécies em que fosse mais eficaz a intervenção: “Por exemplo, espécies de pássaros em que os ovos pudessem ser chocados em cativeiro...” (EI + 1º C). Inicialmente, pensámos que este tipo de pragmatismo, por preterir argumentos associados às características ou funções das espécies, poderia ser tradutor de uma concepção antropocêntrica. Todavia, um dos professores que justificou a sua escolha deste modo não deixou de manifestar a sua recusa perante critérios estéticos ou baseados no interesse económico das espécies, dando a entender que se fosse igualmente viável, face aos meios disponíveis, salvar uma espécie com interesse económico e outra sem interesse económico, não optaria necessariamente pela primeira. Entendemos ser assim necessária alguma precaução na classificação deste tipo de argumentos e optámos por inseri-los na categoria das respostas não directamente qualificáveis. Ainda nesta categoria colocámos as respostas de dois docentes do 1º grupo que sugeriram a raridade das espécies como critério. Rolston III (1994) é um dos autores que problematiza a questão da raridade das espécies (não provocada por motivos antropogénicos) associada ao seu valor. Considera que a raridade em si mesma, tal como a diversidade ou a complexidade, não constitui um indicador de maior valor. No entanto, este autor salienta que a raridade de algumas espécies tem como consequência permitir uma maior diversidade nos ecossistemas, algo que não seria possível apenas com a presença de espécies abundantes que limitariam a capacidade de suporte destas entidades holísticas. Salienta ainda que uma espécie naturalmente rara também sugere a possibilidade de uma fraca relevância em termos ecossistémicos, embora esta ideia esteja dependente de informação pormenorizada acerca das suas características funcionais. A um outro nível distinto, Rolston III associa a raridade de uma espécie ao valor experiencial que ela nos proporciona. E uma vez que algumas espécies raras são fósseis vivos podemos também admirar a sua capacidade de sobrevivência através dos tempos geológicos como uma espécie de proeza biológica que merece o nosso interesse e, porque não, o nosso respeito. Todavia, lembra que também podemos considerar benéfica a raridade de uma espécie causadora de doença. Perante esta forma de problematizar a raridade, considerámos que a sua evocação se associa mais facilmente a um interesse humano experiencial ou científico do que a razões enquadráveis nas teorizações ecocêntricas ou biocêntricas. Contudo, dado o nível elevado de generalidade com que os docentes justificaram a escolha deste critério, decidimos inclui-la na categoria já mencionada. 

    Conclusões 

    Os resultados deste estudo revelaram que os professores preteriram, de forma clara, a argumentação antropocêntrica associada à importância da biodiversidade. Uma tal conclusão parece-nos importante pelas seguintes razões: (1) A discussão da importância da biodiversidade, se bem que não tenha de omitir a sua relevância para o Homem, deve ser enquadrada num leque mais amplo de argumentos, para evitar o endoutrinamento dos jovens numa só visão do mundo. Depois, (2) porque uma forma antropocêntrica de olhar a natureza tem sido considerada como responsável pela presente crise ambiental. Ora, se a argumentação que a caracteriza tivesse sido dominante na abordagem da biodiversidade poderia indiciar que grande parte da eficácia do trabalho dos docentes que trabalham em Educação Ambiental estaria comprometido por assentar na mesma base conceptual que tem legitimado a destruição do planeta.

    No entanto, apesar da incidência elevada de argumentos não antropocêntricas, os docentes não indiciaram qualquer postura anti-humana, prova de que a consideração pelo equilíbrio dos ecossistemas a isso tenha de obrigar. A postura traduziu-se sim por não separar o referido equilíbrio do bem-estar humano. Este facto traduz o que Aiken (1984) denomina de eco-compatibilismo: promover o bem do todo é, simultaneamente, satisfazer o bem de cada parte. Ora, este modo de pensar é igualmente de assinalar, uma vez que as perspectivas não antropocêntricas, com especial incidência na ecocêntrica, não têm de negar a especificidade da espécie humana no planeta, mas apenas apelam para uma postura menos predadora e mais simbiótica na relação com o planeta.

    No entanto, os resultados deste estudo encerram uma importante limitação: desconhecemos os valores efectivamente transmitidos pelos docentes no decurso da abordagem do tema da biodiversidade com os seus alunos. Mas estes mesmos resultados tornam plausível pensar que uma visão instrumental da natureza pode não ser particularmente (ou exclusivamente) enfatizada. Se assim acontecer, pensamos que os professores se encontram no bom caminho para concretizar um papel imprescindível que atribuímos à Educação Ambiental e que consiste em contribuir para colocar os alunos em contacto com diferentes formas de conceptualizar a relação do Homem com a natureza. 
    __________________________
    (1) Cf. Miller (2002, pp. 81-82)
    (2) Por exemplo, a violação da regra da fidelidade proposta por Taylor (1989), e que consiste em não enganar os animais para determinados fins, é admitida por este autor quando se trata de compensar danos causados aos indivíduos e que pode mesmo estender-se aos parentes genéticos quando aqueles já não podem ser compensados.
    Bibliografia:

    AIKEN, William, 1984, “Ethical Issues in Agriculture”, in Tom REGAN (ed.), Earthbound. Introductory Essays in Environmental Ethics, Prospect Heights (Illinois): Waveland Press, pp. 247-288

    ALMEIDA, Almeida, 2005, Concepções ambientalistas dos professores: suas implicações em Educação Ambiental, Dissertação de doutoramento, Universidade Aberta

    ALMEIDA, Almeida, 2007, Educação Ambiental. A importância da dimensão ética, Lisboa: Livros Horizonte

    MILLER, Tyler, 2002, Living in the Environment (12ª ed.), Belmont (Califórnia): Wadsworth Publishing Company

    ROLSTON III, Holmes, 1994, Conserving Natural Value, New York: Columbia University Press

    SEIDMAN, Irving,1998, Interviewing as Qualitative Research. A Guide for Researchers in Education and Social Sciences (2ª ed.), New York: Teachers College Press.

    TAYLOR, Paul, 1989, Respect for Nature. A Theory of Environmental Ethics, Princeton (New Jersey): Princeton University Press.

    WILSON, Edward, 1984, Biophilia. The human bond with other species, Cambridge: Harvard University Press 

    WILSON, Edward, 1997, A Diversidade da Vida, Lisboa: Gradiva (Publicado originalmente em inglês em 1992)

    terça-feira, 17 de abril de 2007

    Encontros Improváveis- Leonardo Boff e Durutti Column

     

    Leonardo Boff Teólogo 

    Espírito, Matéria e Vida: eras do humano 

    As sínteses históricas são, a miúde, arbitrárias. A nossa também o é. Mas elas atendem à uma exigência que temos por marcos orientadores que nos ajudam a entender a nós mesmos e nossa própria história. Fazemos então uma espécie de leitura de cego que capta apenas os pontos relevantes. Vejo três grandes percursos, verdadeiras eras, que assinalam as relações do ser humano para com a natureza. 

    A primeira é a era do espírito. Ela plasmou as culturas originárias e ancestrais. Os seres humanos sentiam-se movidos por forças que agiam no cosmos e neles, realidades numinosas e omni-englobantes que lhes conferiam proteção e segurança. Era a experiência xamânica do espírito que perpassava todas as coisas, criando uma union mystique com todos os seres e dando a percepção de pertença a um todo maior. Grandes símbolos, ritos e mitos davam corpo a esta experiência fontal. Foi então que se projetaram imagens do Divino. Essas imagens, continuando imagens, significavam também centros energéticos da vida e da natureza com os quais o ser humano devia se confrontar e ouvir seus apelos. Havia também todos os avatares da condição humana, mas era o espiritual que dava sentido a todas as instâncias. Essa era marcou nosso inconsciente coletivo até os dias atuais. 

    A segunda é era da matéria. Os seres humanos descobriram a força física da matéria e da natureza. Já não viam aí uma imagem do Divino. Era um objeto para o seu uso. A agricultura do neolítico há dez mil anos revela a presença desta era. Os pais fundadores do método científico deram-lhe um quadro teórico, dizendo que a natureza não tem consciência, portanto, podemos tratá-la como queremos. Interferiram até chegar ao o mundo atómico e subatómico com o qual se pode destruir e construir. As forças espirituais e psíquicas da era anterior foram consideradas magia e superstição e como tais combatidas. A concentração nesta experiência introduziu a profanidade. Deus é pensado sem o mundo, fazendo com que surgisse um mundo sem Deus. Operou-se pelas energias arrancadas da matéria a dominação da natureza e a ilimitada exploração de suas riquezas. Já fomos além dos limites de suporte da Terra e dispomos de meios de nos destruir totalmente. Mas surgiu também uma nova responsabilidade e a exigência de uma ética do cuidado. 

    Estamos entrando agora na era da vida. A vida une matéria e espírito. Ela representa uma possibilidade da matéria quando distante do equilíbrio e em contexto de alta complexidade. Então irrompe a vida. Para eclodir, a vida supõe a teia de interdependências do físico com o químico, da biosfera com a hidrosfera, com a atmosfera e com a geosfera. Tudo está ligado à vida seja como pre-condição seja como ambiente. Portanto, ela ocupa a centralidade. No conjunto dos seres, o ser humano tem essa missão: de ser o jardineiro e curador da vida. A ela cabe salvaguardar a vida de Gaia, preservar a biodiversidade e garantir um futuro para si e para todos. É o desafio do atual momento de aquecimento global. A era da vida está ameaçada. Urge manter as condições de sua continuidade e coevolução. A vida e não o crescimento deveria ser o grande projeto planetário e nacional. Não perceber esse deslocamento é auto-enganar-se. A bom tempo nos conclama a sabedoria bíblica: "eu lhes proponho a vida ou a morte. Escolha, pois, a vida para que você e seus descendentes possam viver"(Deut. 30,19).

    segunda-feira, 16 de abril de 2007

    Padre Anselmo Borges: “É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima”


    Anselmo Borges, padre da Sociedade Missionária Portuguesa, falou ao Expresso a propósito do lançamento do seu novo livro, “Francisco: Desafios à Igreja e ao Mundo”
    Decidiu ser padre aos 19 anos porque a morte o inquietava. Ainda pensa na finitude, mas diz que “a única porta de salvação para uma vida eterna” foi Jesus quem lha abriu. Entrou há 50 anos, ao ser ordenado pelo cardeal Cerejeira. Nunca deixou a Igreja mas arrepiou caminho e escolheu a via da crítica ativa. Professor universitário em Coimbra, lança um novo livro — “Francisco: Desafios à Igreja e ao Mundo” —, prefaciado por Artur Santos Silva e, a partir da próxima semana, vai andar pelo país a apresentá-lo, na presença de pessoas tão diferentes como Ramalho Eanes, Frederico Lourenço, Pedro Mexia, Pedro Rangel, Maria de Belém, Carlos Fiolhais ou Isabel Allegro de Magalhães.

    No seu livro levanta questões mais comuns ao discurso de não católicos. Ainda se revê na Igreja?Pertenço por convicção à Igreja Católica e procurei ser leal, mas há duas questões fundamentais. A primeira é que Deus é amor. A outra tentativa de definir Deus surge no Evangelho segundo São João: no princípio era o logos, a razão, e Deus é razão. Para mim, se Deus é razão, devemos estar na Igreja com dimensão crítica. E se a fé não deriva da razão, à maneira das ciências matemáticas, para ser humana, não a pode contradizer.

    O livro é um alerta para situações com as quais não concorda?Exatamente. Há uma crítica para dentro da Igreja, seguindo alertas que vêm do Papa Francisco. Porque este Papa é cristão no sentido mais radical, não é apenas batizado, ele segue Jesus. E quando olhamos para a Igreja, nem sempre vemos um verdadeiro discipulado de Jesus. Assistimos a uma hierarquia que frequentemente vive na ostentação, que não se bate pelos direitos humanos, que têm de ser praticados dentro da Igreja. Depois do Concílio Vaticano II, a primavera da Igreja, veio o inverno, que teve uma expressão dramática na condenação de teólogos.

    Francisco trouxe uma nova primavera?As pessoas gostam dele, ele faz o que Jesus fazia, é amor.

    Mas basta? Jesus provocou ruturas. E o Papa Francisco?Jesus opôs-se à religião estabelecida, foi crucificado por ter sido condenado, em primeiro lugar, pela religião oficial. Foi condenado como blasfemo e subversivo. E o Papa Francisco, se não tivesse operado ruturas, não tinha tanta oposição de alguns cardeais.

    A oposição existe em Portugal?O que mais noto aqui é que o Papa Francisco não está vivo e operante, em primeiro lugar, na hierarquia católica. Diria até que há mais simpatia para com ele fora da Igreja.

    No livro diz que a Igreja portuguesa parece paralisada. O que Francisco pode provocar em Fátima?Fátima é um caso muito especial de religiosidade. A Igreja oficial tenta enquadrar Fátima, mas as pessoas vão lá com uma devoção particular.

    A mãe de Jesus surgiu em Fátima? Posso ser um bom católico e não acreditar em Fátima porque não é um dogma. Não me repugna, contudo, que as crianças, os chamados três pastorinhos, tenham tido uma experiência religiosa, mas à maneira das crianças e dentro dos esquemas religiosos da altura. É preciso também distinguir aparições de visões. É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima. Uma aparição é algo objetivo. Uma experiência religiosa interior é outra realidade, é uma visão, o que não significa necessariamente um delírio, mas é subjetivo. É preciso fazer esta distinção. E por isso digo que é necessário evangelizar Fátima, ou seja, trazer uma notícia boa. Porque mesmo para aquelas crianças, aquela não foi uma notícia boa: que mãe mostraria o inferno a uma criança?

    Que boa notícia seria essa? Já não se veem pessoas a arrastarem-se e a sangrarem.

    Não foram os portugueses que se modernizaram? Sim, felizmente.

    Porque é que o Papa vem a Fátima? Em primeiro lugar, porque é profundamente devoto de Maria. Sabe porque há tanta devoção a Maria na Igreja? Porque a presença feminina é muito reduzida. As mulheres têm de gostar de Jesus — mesmo que se deem mal com a Igreja oficial e têm razões para isso — porque ele teve mulheres como discípulas e foi uma figura central da emancipação feminina, embora a Igreja seja completamente masculina — Pai, Filho e Espírito Santo — e uma menina faça a socialização religiosa sempre no masculino.

    O que dirá o Papa em Fátima? Estou convicto de que fará um discurso de dimensão mundial, um grande apelo à paz. Deverá apelar ao diálogo inter-religioso e a que católicos pratiquem o Evangelho.

    Ficará triste com o comércio? Qualquer pessoa fica. São, outra vez, os vendilhões do templo, o pior da religião.

    Voltando às mulheres e às ruturas: até onde o Papa poderá ir?O Papa criou um grupo para estudar a possibilidade de as mulheres serem diaconisas, o que causou um grande abalo. Ele herdou uma Igreja profundamente hierarquizada e tem de pisar o terreno com cuidado, o que tem feito com coragem. É jesuíta e sabe o que significa o poder e a eficácia. Não pode causar um cisma.

    O que será mais fácil: ordenar mulheres ou homens casados? Homens casados porque a Igreja é misógina! É a última instituição, verdadeiramente global, que é machista. É também a última monarquia absoluta. Acredito que ainda veremos o Papa Francisco ordenar homens casados, mas também terá de resolver o problema da participação dos leigos e o problema das mulheres. O celibato é uma questão de bom senso, temos de ser pragmáticos. Não há padres suficientes e há leigos, casados, que, ordenados, exerceriam um excelente papel como coordenadores das comunidades cristãs. No primeiro milénio da Igreja não havia celibato. Aquilo que hoje constitui escândalo não o é, se olharmos a origem.

    Qual é a sexualidade dos padres? Podem ser homossexuais? A Igreja não pode impor como lei aquilo que Jesus entregou à liberdade e, por isso, sou partidário do fim ao celibato obrigatório. À frente das comunidades é possível ter leigos, que podem ficar durante um período limitado. Não se percebe porque um bispo, mesmo que incompetente, fique para sempre. Alguns vão sempre optar pelo celibato, serão os coordenadores dos coordenadores. Mas serão muito poucos. É preciso acabar com as vidas duplas.

    E a sexualidade dos padres?Está estudado, se há na população cerca de 8% de homossexuais, na Igreja deverá ser um pouco mais porque muitos entraram no contexto de repressão da sexualidade, para tentarem resolver um problema, mas não vejo razão para serem excluídos. E se assumiram o compromisso da castidade, devem segui-lo como os outros.

    O Papa Francisco trouxe mais transparência? Já não é possível esconder a realidade e o Papa chama as coisas pelos nomes. O Evangelho diz que a verdade libertar-nos-á.

    Já foi chamado à atenção pela hierarquia por defender estas posições? Já tive problemas, hoje não.

    Desistiram de si? Não gostavam do que eu dizia, mas eu também não gosto do que dizem.

    Poderia ter tido uma carreira diferente? Não foi bispo. Nunca quis, aliás, se quisesse, não podia ser livre, e esse é o problema a que o Papa tanto se opõe, o carreirismo. O único pecado que tenho é o de não ser suficientemente cristão, talvez não dê suficiente atenção às pessoas. O resto, pensar de maneira diferente? Ainda bem. Na Igreja tem de haver liberdade de pensar e interpretar.

    O que sentiria se uma mulher lhe desse a eucaristia? Comunguei das mãos de uma pastora anglicana em Londres. Não me causou inquietação.

    Já deu a eucaristia a divorciados? Mais do que isso. Um homem, uma figura pública que eu não conhecia, convidou-me para jantar e disse que iria casar-se no dia seguinte e queria que eu lhe abençoasse as alianças, porque não podia casar pela Igreja. Fui ao casamento, estive lá com eles.

    Qual foi a primeira vez em que foi ao Vaticano? Em 1967, havia ainda a ebulição do Vaticano II. Sou filho desta primavera.

    O que sentiu? Era muito jovem e senti um grande esplendor, mas também achei excessivo. Mas o que na Igreja sempre me preocupou mais foi a falta de liberdade para pensar.