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sábado, 2 de setembro de 2006

A melhor forma de proteger as florestas é vivê-las inteiras, respirar dentro delas...

Rio Ferreira, Santa Justa-Valongo
A serra do nunca
Por Bernardino Guimarães, 22 de Agosto de 2006

A recente vaga de incêndios florestais deixou mágoas e cinzas espalhadas por todo o território nacional. O desastre abateu-se sobre o Parque Nacional da Peneda-Gerês, atingindo a zona do Mezio e a mata do Ramiscal - com prejuízos para o património natural que ainda não podem ser contabilizados (algum dia o serão?). Outras áreas protegidas foram percorridas pelas chamas, o que aliás serviu de pretexto para polémicas entre departamentos governamentais cujo objectivo devia ser cooperar e convergir. Essa polémica não é inocente - preparemo-nos para os próximos episódios. Sem esquecer que a procissão do fogo ainda vai no adro!

Dentro da Área Metropolitana do Porto, sucedeu o que se receava fogos incontroláveis avassalaram um território confuso e desordenado, onde casas se misturam com matas de pinheiros e eucaliptos, lixeiras com caminhos, promessas vãs com incapacidade de agir.

A serra de Santa Justa e suas imediações foram vítimas do fogo - mas andaremos mais perto da verdade se escrevermos que foram vítimas de desmazelos acumulados, de imprevidências inconfessáveis e de falta de visão política e do interesse público por parte de diversas entidades.
Resultam pueris as declarações da Autarquia de Valongo - protestando o seu empenho na defesa da serra, esgrimindo com a vigilância que organizou e com as limpezas que ordenou. Com o resultado que se conhece e está agora bem à vista de todos! Adiante.

De uma vez por todas, há que decidir - a serra de Santa Justa, Pias e Castiçais, envolvendo os concelhos de Valongo, Gondomar e Paredes, constitui, ou não, um espaço a preservar, com o fito de estabelecer uma vasta zona verde, de recreio e conservação, servindo de pulmão verde às populações da Área Metropolitana? Se a resposta é sim, convém esclarecer por que não foi cumprida a promessa governamental (do anterior Governo, que a veio proclamar ao Porto em 2003) de criar uma zona protegida? Por que adormecem nas gavetas da Assembleia da República projectos de lei com o mesmo objectivo? Por que não avançam as autarquias com uma iniciativa conjunta, ou a Junta Metropolitana do Porto, decidindo o estatuto a dar a esse território, integrado já na Rede Natura 2000?

E ainda custa assim tanto criar um dispositivo de vigilância e patrulhamento da zona, eliminar a sério montureiras, lixeiras e depósitos de sucata? É assim tão difícil lançar um estudo sobre a
indispensável reconversão da floresta, visando substituir gradualmente os eucaliptos por espécies autóctones, despoluir e tratar os cursos de água? Um plano coerente, faseado, com metas e possíveis financiamentos comunitários - é só o que se pretende.

Mas, que fique claro, nada se conseguirá sem a modificação das políticas urbanísticas vigentes - a construção que cerca a serra e já a invade encostas acima, além de constituir, como se viu, um perigo para as populações, representa um verdadeiro crime. Nenhuma propaganda pode esconder o que os nossos olhos vêem, e basta olhar!

A infelicidade quis que um dos pontos com maior interesse naturalista fosse, ao que parece, muito afectado pelas chamas na serra de Santa Justa - espécies botânicas únicas e o habitat de fauna rara. A aldeia de Couce foi evacuada e salva por pouco. Os cientistas não tardarão a dar notícia da real dimensão da tragédia ecológica. Este é porventura o momento da verdade. Se a serra foi diminuída e empobrecida uma vez mais, um pouco de ousadia podia mudar as coisa e transformar a tragédia numa oportunidade de ressurgimento.

Difícil, infelizmente, é acreditar que venha a ser assim!

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