Os munícipes e, no fundo, cidadãos têm o direito e devem avaliar as acções dos seus autarcas. Os últimos acontecimentos no Porto acerca do traçado do metro da Boavista, o viaduto para o Parque da Cidade, a via rápida para o Parque Oriental, o bairro da Areosa e as construções na Qinta Marques Gomes merecem um acompanhamento atento, sob pena de assistirmos a uma cidade mais pobre e desinteressante Neste aspecto o texto escrito por Nuno Quental é a prova de que é possível ser-se um cidadão activo, interventivo e atento, independentemente dos desaires que as políticas dos nossos autarcas nos causam. Não nos arredemos da nossa responsabilidade também em não intervir. Sejamos proactivos.
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Propostas para a cidade do Porto
Por Nuno Quental, Público, 19/01/04
Multiplicaram-se recentemente iniciativas que têm promovido uma reflexão sobre a cidade e a região. Gostaria de deixar o meu modesto contributo, enquanto cidadão interessado e preocupado com a urbe.
Todos concordarão que as características mais distintivas da cidade - a sua história, património, paisagem urbana e acolhimento de investigação e ensino de qualidade - merecem ser promovidas. A autarquia tem em curso esforços meritórios neste sentido, destacando-se a recém-constituída Sociedade de Reabilitação Urbana "Porto Vivo". Para além disso, o Porto é uma cidade consolidada: possui um conjunto de equipamentos culturais e desportivos e de serviços de inegável valor que ficará substancialmente reforçado com a Casa da Música. É altura, pois, de se investir em projectos de menor escala que se traduzam numa melhoria real dos tecidos urbanos. Creio que este salto qualitativo e de filosofia está, em grande parte, por fazer.
Acima de tudo, enquanto objectivo político, o Porto deverá procurar oferecer aos seus cidadãos uma qualidade de vida claramente superior à das restantes cidades portuguesas. Abordarei algumas medidas que julgo serem necessárias para isso, não referindo, propositadamente, os aspectos que considero já estarem devidamente acautelados.
Um desenho urbano cuidado
Encontrando-se praticamente todo o território concelhio urbanizado, é tempo de pensar na pequena escala. Há que criar as condições para que o espaço público possa ser apreciado, para que percorrer uma rua seja uma experiência agradável. Actualmente, os obstáculos à circulação são de tal ordem que, de facto, é de espantar como não há menos gente a andar a pé. Precisamos de passeios mais largos e com um pavimento de qualidade, de uma localização do mobiliário urbano bem pensada - e não caótica, com um multiplicar perfeitamente absurdo de painéis publicitários, quiosques e sinais de trânsito -, de uma iluminação mais eficiente, de mais bancos e de arborização. Neste capítulo, por exemplo, como justificar o tamanho por vezes ridículo das caldeiras das árvores, que as condenam prematuramente, mesmo em intervenções recentes como na Avenida da França ou na frente marítima do Parque da Cidade?
De um modo geral, está também a perder-se a diversidade. Cada vez mais, as supostas "requalificações" optam por um desenho minimalista que artificializa desnecessariamente o ambiente (veja-se a Cordoaria). Que é feito da imaginação e da criatividade, num povo que tem fama de ser inventivo? Esculturas pequenas, passeios decorados (não me esqueço que acabaram com a calçada portuguesa da Praça da Batalha!) e canteiros coloridos são opções económicas e com bons resultados.
Apostar definitivamente na mobilidade
Quem é obrigado a optar pelos transportes públicos vê os tempos de viagem substancialmente prolongados. No entanto, o Porto tem uma rede de transportes públicos com excelente cobertura territorial. Na cidade circulam 78 carreiras de autocarros, a que há a acrescentar a linha de metro. Os autocarros só funcionam mal porque são obrigados a competir com o automóvel particular pelo mesmo espaço, o que, numa cidade com ruas tão estreitas, se traduz em filas intermináveis. Por este motivo, a manutenção de uma frequência mínima requer muito mais viaturas em circulação, o que se traduz em despesas acrescidas. Há que inverter esta situação.
Nunca percebi, por exemplo, por que não se ligam as principais centralidades do Porto, e estas às dos concelhos periféricos, através de uma boa rede de corredores "bus". Seriam elas Boavista, Campo Alegre, Cordoaria, Baixa, Constituição, Antas, Campanhã (estação) e Asprela. Actualmente, a rede cobre apenas parcialmente as ligações necessárias e, mesmo assim, de forma descontínua. Falta a coragem política de retirar espaço ao automóvel - porque algumas ruas teriam de ser, simplesmente, reservadas ao transporte público.
Áreas verdes em abundância e de proximidade
À cidade do Porto já não restam muitas áreas livres de construção. A urbanização tem-se expandido a um ritmo impressionante: para o concelho e freguesias limítrofes, entre 1983 e 1997, passou de 51 para 62 por cento da sua área total. Qual é o limite do sustentável? Dir-se-ia que já foi atingido, mas quem conhecer o PDM saberá que as áreas de expansão urbana são inúmeras, sem o proporcional aumento de dotação de espaços verdes. Até o maior projecto previsto - a criação do Parque Oriental - ficará amputado com a construção de uma estrada com perfil de via rápida.
Quantos habitantes têm hoje o privilégio de viver a cinco minutos de um jardim? Dever-se-ia, por motivos ecológicos e sociais, generalizar o fácil acesso a áreas verdes de proximidade. Isso exige determinação política e a aceitação de que há limites desejáveis à quantidade de construção. A cidade densa nunca é alcançada à custa da destruição dos poucos espaços livres que podem ser aproveitados para actividades de lazer. Pelo contrário, elevadas densidades só são admissíveis quando aqueles existem em abundância.
Estes três aspectos - desenho urbano cuidado, aposta na mobilidade e aumento das áreas verdes públicas - parecem-me essenciais para que o Porto se destaque pela positiva e para que os portuenses se orgulhem do local onde vivem. Serão também, com toda a certeza, factores de atracção de pessoas e investimento, exactamente aquilo de que a cidade precisa para ser competitiva.
Reservo para um próximo artigo a análise de projectos que estão mal concebidos (alguns estão mesmo "descarrilados") ou podiam ser significativamente melhorados. A qualidade de vida não se consegue apenas com mais do que é bom; também é preciso evitar o que é mau.
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