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sábado, 22 de maio de 2004

É preciso politizar a educação

A propósito de algumas intervenções minhas de caracter mais político, tentando esclarecer certos conceitos como genocídio, ecocídio e as relações iniciativa privada/interesses colectivos, Comércio/Ambiente e Fiscalidade/Ecologia, mais uma vez a aposta do BioTerra está na Educação . Juntos para um futuro menos frágil, fui buscar então aos meus arquivos este texto de Prof. Manuel Sérgio, que esclarece a filosofia de educação de Paulo Freire - ver nos meus links a sua Fundação- e que julgo de leitura obrigatória e vai de encontro ao feed-back já positivo que tenho encontrado por parte dos meus leitores.

Texto completo

(...) conheci, pessoalmente, pela primeira vez, o notável pedagogo Paulo Freire, em Agosto de 1987. Isso me bastou para em encontros casuais (um deles, na Avenida Paulista, lembro-me bem) ter admirado, nele, a paciência para aceitar a minha pimpante impertinência de pretenso filósofo da educação e ainda a clareza e a elegância expositiva, ao explicar-me as suas principais ideias que desnudavam a metodologia obsoleta de uma educação vista unicamente como transmissão de ideias prontas e acabadas, ou seja, de uma “educação bancária e domesticadora”, onde valem mais o conteúdo e o produto do que o processo de construção do conhecimento. “Por isso (dizia o Mestre) a educação, hoje, é muito mais interessante fora da Escola, a qual prossegue, teimosamente, na reprodução de modelos antiquados e gastos”. Sobre o mais, pareceu-me uma pessoa fundamentalmente boa, um S. Francisco de Assis dos nossos tempos. Mas o que eu pretendo realçar, neste momento, é que Paulo Freire alimentava a forte convicção que a prática educacional enfermava dos seguintes defeitos: compartimentação do conhecimento, através de disciplinas que recusam a interdisciplinaridade; comportamentos pré-estabelecidos, que ensinam a não questionar, a não exprimir os próprios pensamentos, levando à passividade e à reprodução; ênfase concedida à racionalidade, onde se estimula bem pouco a criatividade, a comunicação, a educação motora; obsoleta metodologia, onde o professor é o proprietário exclusivo do saber; ausência de educação política, que não se confunde com partidarização, já que tem em vista a formação de cidadãos livres, críticos, capazes de levantar o pendão da sua ideologia, responsavelmente assumida e com a necessária tolerância por todas as ideologias democráticas. De facto, a ausência de educação política é uma das grandes lacunas do sistema educativo, não aprendendo o educando que ter ideias implica agir por elas e com elas. Poderia citar-se, a propósito, a Carta sobre o Humanismo, de Heidegger: “Pensar a verdade do ser significa, ao mesmo tempo, pensar a humanitas do homo humanus”.
A Escola não pode ser apolítica (as aulas não devem ser apolíticas), por esta simples razão: o homem culto, isto é, que se cultiva, é essencialmente um homem político, alguém que se sabe o criador do seu destino histórico, que teoriza o real, porque o sente e o vive e o quer transformar. Hanna Arendt não hesita, ao afirmar que reside no bios politikós e não no bios theôretikós o radical fundante do verdadeiro pensamento. Hoje, porém, não há democracia, sem laicidade (todo o fundamentalismo religioso é de uma infeliz apologética, ao mesmo tempo que rejeita a democracia e a tolerância); hoje, também, torna-se perniciosa a economia de mercado, se dela não emerge a solidariedade e se não procede do reconhecimento da realidade lamentável dos miseráveis e do ecocídio (o neo-liberalismo mundial é explorador do Homem e depredador da Natureza); hoje, ainda, o Direito à Educação significa, acima do mais, que o educando é sujeito e não objecto da Educação e que portanto ele tem o direito a aprender a ser livre, diferente e melhor; por fim, sabe-se, hoje, que a pedagogia do Direito à Educação deve ser assente no diálogo, na comunicação “fundamentalmente ético-comunicacional e não principalmente científico-didáctica”, como o assinala Manuel Reis, no seu oportuníssimo livro, onde se associam o valor intelectual e a emoção humana do seu autor, Ética Profissional para Professores e Educadores (p.99). Ora, tudo isto deve circular, como seiva, em todas as aulas e em tudo isto transluz uma irrefutável formação política, anunciadora do Homem Novo, semente do Mundo Novo que é preciso construir. É na Escola que o aluno deve aprender a apreender-se, transfigurando a realidade em sonho para que o sonho possa ainda ser realidade. Ora, tudo isto deve circular, como seiva, em todas as aulas e em tudo isto transluz uma irrefutável formação política, anunciadora do Homem Novo, semente do Mundo Novo que é preciso construir. E neste labor as aulas de Educação Física (onde se trabalha e estimula a motricidade humana) são também chamadas a assumir o papel de contra-poder ao poder de algumas taras que vão persistindo, tais como o de fazer da educação um espaço de férrea domesticação e manipulação, ou inquinar o currículo escolar de um pragmatismo desprovido de princípios e valores.
Poderíamos evocar, aqui e agora, a Teologia da Libertação, para sugerirmos a construção de uma Escola da Libertação, onde o Desporto não se esgota num naturalismo bio-médico, ou na sobrevivência da lei do mais forte e do mais apto, nem as demais disciplinas num intelectualismo platónico, porque, numa escola democrática e laica, tudo deve ser responsavelmente (sem arbitrariedade, portanto) livre e solidariamente (empenhado, por isso) libertador, na formação ou edificação de uma Cultura que se estabeleça, em diálogo igualitário e permanente com os explorados e marginalizados. E que esta Cultura (e só esta) se transforme, na nossa segunda natureza.

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