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terça-feira, 30 de junho de 2020

Poema da Semana - Jorge de Sena


AVISO DE PORTA DE LIVRARIA, de Jorge de Sena
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Não leiam delicados este livro,
sobretudo os heróis do palavrão doméstico,
as ninfas machas, as vestais do puro,
os que andam aos pulinhos num pé só,
com as duas castas mãos uma atrás e outra adiante,
enquanto com a terceira vão tapando a boca
dos que andam com dois pés sem medo das palavras.
.
E quem de amor não sabe fuja dele:
qualquer amor desde o da carne àquele
que só de si se move, “não movido
de prémio vil, mas alto e quase eterno”.
De amor e de poesia e de ter pátria
aqui se trata: que a ralé não passe
este limiar sagrado e não se atreva
a encher de ratos este espaço livre
onde se morre em dignidade humana
a dor de haver nascido em Portugal
sem mais remédio que trazê-lo n'alma.
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25/1/1972
.
in Exorcismos, 1972.
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Imagem:
Little French Book Store, Marilyn Dunlap

Exposição Ambiental aos PFAS e Envelhecimento Ovariano Acelerado

Numa amostra nacional de mulheres americanas entre 40 e 50 anos, aquelas com altos níveis séricos de substâncias per e polifluoroalquil (PFAS) provavelmente entrariam na menopausa 2 anos antes do que aquelas com baixos níveis desses produtos químicos.

Ou seja, a idade média da menopausa natural foi de 52,8 anos contra 50,8 anos em mulheres com níveis séricos altos e baixos desses produtos químicos em uma análise de dados de + de 1100 mulheres no Estudo da Saúde da Mulher na Nação (SWAN). Estudo de Poluentes (MPS), que excluiu mulheres com menopausa prematura (antes dos 40 anos) ou menopausa precoce (antes dos 45 anos). "Mesmo a menopausa, alguns anos antes do habitual, poderia ter um impacto significativo na saúde cardiovascular e óssea, na qualidade de vida e na saúde geral em geral entre as mulheres"

PFAS não se decompõem no corpo, aumentam com o tempo

Os PFAS têm sido amplamente utilizados em muitos produtos industriais e de consumo, como panelas antiaderentes, tapetes repelentes a manchas, capa de chuva à prova d'água, sacos de pipoca de microondas e espuma de combate a incêndios, diz o estudo.

Estes foram apelidados de "produtos químicos para sempre" porque não se degradam. A água da casa para cerca de 110 milhões de americanos (1 em cada 3) pode estar contaminada com esses produtos químicos, de acordo com um comunicado de imprensa da Endocrine Society. "Os PFAS estão por toda parte. Uma vez que entram no corpo, eles não quebram e se acumulam com o tempo" "Devido à sua persistência em seres humanos e efeitos potencialmente prejudiciais à função ovariana, é importante aumentar a conscientização sobre esse problema e reduzir a exposição a esses produtos químicos."

A menopausa antecipada foi associada a um risco aumentado de doença cardiovascular, osteoporose e mortalidade cardiovascular e geral + precoce, e a exposição ambiental pode acelerar o envelhecimento ovariano.

O PFAS, especialmente os tipos + estudados - ácido perfluorooctanóico (PFOA) e ácido perfluorooctanossulfônico (PFOS) - são substâncias químicas desreguladoras endócrinas.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Carta aberta ao senhor primeiro-ministro: a visão de Ribeiro Telles e o Plano de Recuperação Económica

Fonte: Público
Senhor primeiro-ministro, os signatários reafirmam que é imprescindível um acto em sintonia com o arrojo que a Europa está a demonstrar. Temos agora a oportunidade de retomar a política de Ribeiro Telles, em linha com a actual visão da UE.


Gonçalo Ribeiro Telles, da primeira geração de arquitectos paisagistas formados em Portugal, aproveitou a oportunidade de ser secretário de Estado do Ambiente e mais tarde ministro da Qualidade de Vida e do Ambiente para dotar Portugal de um conjunto de legislação fundamental, conducente à sustentabilidade ecológica do território, à conservação dos recursos naturais e à minimização dos riscos naturais.

Ora, os políticos europeus acabam de assumir, para nossa grande satisfação, no âmbito da recuperação económica e social e de um Green New Deal, a urgência de investimentos na “pele” viva do planeta, da qual todas as sociedades dependem, através da recuperação do seu capital natural, numa estrutura considerada a infraestrutura da Vida e de tudo aquilo em que ela se baseia.

Assim, a Comissão Europeia apresentou a Nova Estratégia para a Biodiversidade, para a qual perspectivou até 2030 níveis de financiamento muito significativos. Nomeadamente, considera que devem ser feitos investimentos prioritários na Rede Natura 2000 e nas Infraestruturas Verdes de, pelo menos, 20 mil milhões de euros por ano e propõe que parte dos 25% do orçamento da UE consagrado à acção para o clima seja investido na biodiversidade e nas soluções baseadas na natureza (Nature Based Solutions). Além do financiamento, estabeleceu metas claras para reduzir a tendência de perda da biodiversidade e degradação da qualidade dos recursos naturais, deixando de considerar suficiente a sua protecção, para propor o seu restauro

Com esta posição, passou a ser assumido politicamente o que já vinha a ser proposto cientifica e tecnicamente, há muito tempo: a ideia fundamental e estrutural duma concepção espacial que se projecta e alicerça numa estrutura “verde” (Europeia/Nacional) que nos garanta a Vida, a nós e às gerações futuras.

O grande avanço dado pela UE foi passar a ter uma visão de que não basta proteger áreas isoladas, como as que constituem o Sistema Nacional de Áreas Protegidas, para obter uma paisagem ecologicamente equilibrada. É necessário “construir” uma estrutura contínua onde aquele Sistema Nacional de Áreas Protegidas se inclua com as áreas anteriormente classificadas, mas interligadas. Esta estrutura deve ser gerida com o propósito da sua requalificação, não sendo suficientes as habituais acções de protecção, mas também o seu restauro, para melhorar a qualidade e resiliência dos ecossistemas.

A visão integrada do Prof. Ribeiro Telles visou a construção e gestão desta essencial e vital estrutura. No entanto, o conjunto de legislação que fez sair e ainda hoje vigora, com alterações, tem sido aplicado com muitos enviesamentos. Ou seja, fragmentos desta estrutura têm surgido na legislação em diferentes períodos, com diferentes critérios e atribuição da gestão a diversas entidades, sem que haja uma unificação e uma coordenação entre eles. Entre estes fragmentos conta-se o Sistema Nacional de Áreas Classificadas (SNAC), a Rede Fundamental de Conservação da Natureza (RFCN, integrando a Rede Nacional de Áreas Protegidas, a Europeia e a internacional, a Reserva Agrícola Nacional, a Reserva Ecológica Nacional e o Domínio Hídrico) e ainda a Estrutura Ecológica.

Ora, todas estas designações, com os correspondentes regimes jurídicos, fazem parte de um mesmo conceito: a estrutura da paisagem capaz de assegurar a sua sustentabilidade ecológica, a resiliência aos incêndios rurais e todas as outras funções representadas pelos serviços prestados pelos ecossistemas que a constituem, designadamente, a conservação e a qualidade do ar, do solo, da água e da biodiversidade.

É, portanto, indispensável proceder à harmonização de todas as componentes acima referidas, numa só figura, com uma só designação (a nossa proposta é de que se designe por Infraestrutura Ecológica, mas pode ser outra a designação desde que transmita o conceito), a ser incluída nos vários planos de ordenamento do território, às várias escalas. Esta seria a Infraestrutura na qual deveriam convergir as orientações e os financiamentos Europeus e Nacionais, bem como o esforço de todos os agentes envolvidos, públicos e privados, na sensibilização, formação, projectos, implementação e gestão.

Temos agora a oportunidade de retomar a política de Ribeiro Telles, em linha com a actual visão da UE que designa esta infraestrutura por “Infraestrutura Verde e Azul”.

Para isso, aquilo que se pretende agora afirmar é que a lógica de base de qualquer Programa de Recuperação Económica e Social deverá ter consciência da necessidade desta infraestrutura, do seu bom funcionamento, e dos benefícios que ela trará ao País em termos, para além dos de natureza ecológica, dos empregos a criar, da qualidade e da soberania alimentar, da diversidade dos produtos, da atracção de pessoas ao interior, do turismo de natureza, etc., e que a UE propõe que atinja, em 2050, 30% do território Europeu, no mar e em terra. Ou seja, não se trata só de ecologia mas também de economia.

Senhor primeiro-ministro, os signatários reafirmam que é imprescindível um acto em sintonia com o arrojo que a Europa está a demonstrar e que o Plano de Recuperação Económica e Social contenha, na sua base, os Objectivos da Nova Estratégia para a Biodiversidade 2030, da UE, de modo a aplicar os recursos que virão a estar disponíveis em algo que, sabemos, muito virá a beneficiar o País.

Para isso, deve-se, entre outras medidas:
  • Acabar de delimitar, consolidar, qualificar e harmonizar a Infraestrutura Ecológica (IE);
  • Integrar a IE em todos os Programas, Planos e instrumentos de Gestão Territorial, planos de gestão económica ou financeira;
  • Requalificar 25% da área da IE até 2030, com Planos de Restauro (a UE propõe a requalificação total até 2050); fazer convergir e conjugar investimentos da PAC, investimentos da pesca, investimentos dos recursos hídricos, fundos de apoio à reflorestação, etc., nesta selecção de 25% da área da IE;
  • Dotar as estruturas de governação da IE de funções claras (não sobrepostas) e de mecanismos de avaliação e acompanhamento;
  • Estabelecer um sistema de pagamentos dos serviços de ecossistemas prestados pelos proprietários em áreas da IE;
  • Propor nova legislação e orientações sobre contratos públicos ecológicos.
Signatários da Carta Aberta ao primeiro-ministro

Ana Amado, Assessora aposentada do ICNF
Tiago Domingos, Professor do IST; presidente do MARETEC
Manuela Raposo Magalhães, Professora aposentada do ISA e do IST; investigadora do LEAF/ISA/UL
Selma Pena, Professora convidada do ISA e coordenadora de uma linha de investigação do LEAF/ISA/UL
Jorge Capelo, Investigador Auxiliar do INIAV, IP e investigador do LEAF/ISA/UL
Nuno de Almeida Ribeiro, Professor Auxiliar da Universidade de Évora e investigador do MED/UÉvora
Isabel Maria Nunes de Sousa, Professora Associada do ISA, Presidente do Centro de Investigação LEAF/ISA/ULisboa
João Reis Gomes, Arquitecto Paisagista, Presidente do Instituto Gonçalo Ribeiro Telles da Sociedade Histórica da Independência de Portugal
Nuno Cortez, Professor Auxiliar do ISA
Sandra Mesquita, Arquitecta Paisagista, Estudante de Doutoramento em Arquitectura Paisagista e Ecologia Urbana
Andreia Saavedra Cardoso, Investigadora Auxiliar do GOVCOPP/UA e do LEAF/ISA/UL
Oscar Knoblich, Arq. Paisagista, Assessor aposentado do ICNF
Susana Saraiva Dias, Professora Adjunta do Instituto Politécnico de Portalegre
José Carlos Costa Marques, Professor, tradutor e assistente editorial reformado; Editor independente
Helena Roseta, Arquitecta, Investigadora no CICS.NOVA da Univ. Nova de Lisboa
Tânia Sousa, Professora Auxiliar do IST
Dalila Espírito Santo, Engenheira Agrónoma, Investigadora Coordenadora do ISA; investigadora do LEAF
Amarilis de Varennes, Engenheira Agrónoma, Professora Catedrática do ISA
Aurora Carapinha, Arquitecta Paisagista, Professora Auxiliar da Universidade de Évora
José Cangueiro, Arq. Paisagista, Chefe de Divisão CCDR-N (Ordenamento do Território)
Carlos Aguiar, Professor Coordenador da Escola Agrária de Bragança; investigador do CIMO
Rute Sousa Matos, Arquitecta Paisagista, Prof. Auxiliar na Universidade de Évora
João P. F. Carvalho, Professor de Silvicultura da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD); Delegado da Associação Europeia de Silvicultura (Pro Silva Europe).
José Sá Fernandes, Vereador do Ambiente, Estrutura Verde, Clima e Energia, Câmara Municipal de Lisboa
Lúcio do Rosário, Ex-Ponto Focal Nacional da Convenção de Combate à Desertificação e Seca
Bárbara Lopes, Socióloga
Filipe Lopes, Arquitecto e Urbanista, ex-Director da CML
Ana Müller Lopes Silva Carvalho, Arquitecta Paisagista
Paulo Pimenta de Castro, Engenheiro Silvicultor, Consultor
Natália Sofia Cunha, Investigadora do LEAF/ISA/UL
João Ferreira Silva, Arquitecto Paisagista
Alexandre Cancela d’Abreu, Arquitecto Paisagista, Professor Associado aposentado da Universidade de Évora
Margarida Cancela d’Abreu, Arquitecta Paisagista, Técnica Superior da CCDR Alentejo, docente convidada da Universidade de Évora, aposentada
Paula Maria da Luz Figueiredo de Alvarenga, Professora Auxiliar do ISA; investigadora do LEAF/ISA/UL
Paulo Godinho Ferreira, Investigador Auxiliar do INIAV; Professor convidado de Ecologia da Paisagem no ISA-Univ. Lisboa.
Bruno André Gomes Marques, Arquitecto Paisagista, Director do Departamento de Arquitectura Paisagista, Victoria University of Wellington, New Zealand
José Gomes Laranjo, Professor de Fisiologia Vegetal na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)
Luis Paulo Faria Ribeiro, Professor Auxiliar do Instituto Superior de Agronomia
Paula Maria Simões, Arquitecta Paisagista, Prof. Auxiliar na Universidade de Évora
Maria da Conceição Freire, Arquitecta Paisagista, Professora Auxiliar na Universidade de Évora
Maria Manuela Abreu, Professora catedrática jubilada do Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa; Investigadora do LEAF/ISA/UL
Ana Paula Gomes da Silva, Arquitecta paisagista, Professora Auxiliar na Universidade do Algarve
Nuno de Santos Loureiro, Professor Auxiliar na Universidade do Algarve
Miguel Reimão Costa, Arquitecto, Professor Auxiliar na Universidade do Algarve, Investigador CEAACP e Campo Arqueológico de Mértola
Maria Aragão Rodrigues, Arquitecta Paisagista, Apoio Técnico da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas
Maria Manuela David, Professora Associada da Universidade do Algarve
Vânia Proença, Investigadora Auxiliar no MARETEC/IST/UL
Ricardo Melo, Professor Auxiliar em Ciências, Universidade de Lisboa, coordenador do pólo ULisboa do MARE – Centro de Ciências do Mar e Ambiente
Jacinta Fernandes, Professora Auxiliar da Universidade do Algarve
Adelino Canário, Professor Catedrático da Universidade do Algarve
Ana Amorim Ferreira, Professora Auxiliar da Faculdade Ciências, Universidade de Lisboa
Rúben Prata, Arquitecto Paisagista, Técnico Superior CM das Caldas da Rainha
Marisa Vedor, Investigadora de Biologia
Rui Prieto Silva, Investigador em biologia e ecologia de cetáceos
Pedro Aboim de Brito, Biólogo Marinho, Estudante de Doutoramento em Ciências do Mar, FCUL – Universidade de Lisboa, Técnico Superior no IPMA, IP
Luís Cancela da Fonseca, Professor Aposentado da Universidade do Algarve; Investigador MARE – FCUL
Isabel Azevedo e Silva, Arquitecta Paisagista, Gestora de Projectos de Ambiente e Sustentabilidade Zutari (África do Sul)
Desidério Batista, Arquitecto Paisagista, Professor Auxiliar na Universidade do Algarve e Investigador do CHAIA/UÉ
Eva Silveirinha de Oliveira, Consultora
Cristina Mendes, Dirigente da Associação Defesa do Património Ambiental e Cultural de Santa Iria da Azóia
Maria Luísa Monteiro Franco, Investigadora do LEAF/ISA/UL (linha de investigação GBI)
Rui Malhó, Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Andreia Lourenço, Arquitecta Paisagista na empresa JJFLINVEST, Lda.
Maria Inês Martins Adagoi, Arquitecta Paisagista, Estudante de Doutoramento em Arquitectura Paisagista no Instituto Superior de Agronomia
João Paulo Medeiros, Eng. do Ambiente, Mestre em Pescas e Aquacultura, Doutorando em Ciências do Mar, FCUL, Universidade de Lisboa; Investigador no MARE – FCUL
Álvaro José Moita de Oliveira, Eng. Mecânico e Arquitecto Naval, Consultor Naval
Ana Figueiredo Santos, Arquitecta Paisagista
Cláudia Ávila Gomes, Arquitecta Paisagista
Helena Lorina Figueiredo Vieira, Arquitecta Paisagista, Técnica responsável de Verd Urbà del Ajuntament de Parets del Vallès (Barcelona)
Ana D. Caperta, Professora Auxiliar no Instituto Superior de Agronomia
Margarida Cristo, Professora Auxiliar da Universidade do Algarve e Investigadora do CCMAR
Marta Bento, Doutoranda em Ciência do Mar, FCUL
Jorge Palmeirim, Prof. Associado na FCUL, Presidente da Liga para a Protecção da Natureza
Maria da Conceição Castro, Arquitecta Paisagista, Professora Auxiliar da Universidade de Évora
Sólveig Thorsteinsdóttir, Professora Associada, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Ricardo Faustino de Lima, Investigador Júnior, CE3C, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Luiz de Sá Pereira, Arquitecto, Assessor Principal aposentado da CML
Paulo Canaveira, Eng.º Florestal, Consultor em Alterações Climáticas
Sofia Tainha, Arquitecta Paisagista
Maria José Rosado Costa, Professora Catedrática (aposentada), Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Presidente da Associação de Mulheres Cientistas
Margarida Villas-Boas, Estudante de MSc Climate Change and Development, SOAS, University of London

sábado, 27 de junho de 2020

'Either we change or we die': the radical farming project in the Amazon

A growing movement for sustainable agriculture in Brazil has taken on new urgency with the coronavirus pandemic
Doctor Eugenio Scannavino Netto, one of the creators of the Health and Happiness Project (PSA), at the seed bank.
Photograph: João Laet/The Guardian

Dom Phillips in Carão
Published onSat 27 Jun 2020 

The cumaru trees could have been planted elsewhere in this Amazon reserve, where they had better chances of flourishing. Instead, they were planted in harsh, sandy soil in the dry savannah that breaks up the forest. Jack beans, guandu peas and other crops were planted in straw around them with cut savannah grass, for moisture and compost. “We call it the cradle,” says agronomist Alailson Rêgo. “It protects them.”

The hope is that if these Amazon-native trees – whose seeds can be used in cosmetics – thrive on this sandy soil and a nearby patch of deforested, burned land, they can regenerate abandoned pasture elsewhere. In the Amazon, more land is cleared for cattle than anything else. It’s easier enough to clear – chop down a few trees, light a few fires. But restoring the forest? Bringing back the life and the greenness? That is far, far harder.
Seeds for cumaru trees, which are being planted in burned and razed areas of the Amazon rainforest. Photograph: Foto Arena LTDA/Alamy Stock Photo

Located in the secluded Amazon reserve of Tapajós-Arapiuns in Brazil’s Pará state, the Experimental Active Forest Centre (CEFA) was set up in 2016 to solve problems like this. It is a research and development centre where farming within the forest, or agroforestry, rather than clearing it for cattle or soya, is the focus. And it is part of a growing movement for sustainable agriculture in Brazil that has taken on a new urgency with the coronavirus pandemic, as scientists warn that the climate crisis and land development heighten the chances of another deadly virus jumping from animals to humans.

“It is a way of dealing with nature that is playing with the apocalypse,” says Eugenio Scannavino Netto, the doctor and infectious diseases specialist who helped set up the centre. “We are heading for collective suicide.”

Now 61, Scannavino Netto has spent three decades in the rainforest working on Amazon solutions. In 1987, he founded the non-profit Health and Happiness Project, known by its Portuguese initials PSA (Projeto Saúde e Alegria), in nearby Alter do Chão. The group helps sustainable community development while providing health and education services for remote communities using a hospital boat and clowns. Last year it was judged one of the 100 best NGOs in Brazil.

The centre’s aims are ambitious, but equally practical: 40,000 seedlings from its nursery will be donated to local communities to reforest areas in the reserve cut down and burned for cattle or traditional farming. These include pau-brasil, grown to be sold as wood; urucum, whose seeds are traditionally used as a body paint by the Amazon’s indigenous peoples and sold for colourant in lipstick; and pau-rosa, whose leaves are used in perfume.

“The culture here is slash and burn, and we’re trying to change that,” Scannavino Netto says.

A collection of beehives houses stingless bees. Smallholder Joelma Lopes, 46, from the nearby community of Carão, learned beekeeping here and now subsidises her income by selling honey from her own bees. “It was a door that opened to a lot of knowledge,” she says.

Moacir Imbiriba, 40, a Kumaruara indigenous man who works at the centre, says children in his village now use agroforestry techniques in their vegetable garden. “Many leaders consider this an evolution for the communities,” he says.
Moacir Imbiriba, a Kumaruara indigenous man, works for the PSA project supporting sustainable community development. Photograph: João Laet/The Guardian

But while the PSA’s projects in this region have been widely praised for benefits such as reducing infant mortality, police raided its headquarters in Alter do Chão last November. Officers arrested four firefighters from a volunteer brigade who tackled blazes in local reserves during last year’s Amazon fires – one of whom worked for the NGO. Documents and computers were seized.

The police inquiry has alleged that the firefighters were setting the fires in reserves near Alter do Chão – a beauty spot with popular beaches – to get international money. Serious failings in the inquiry’s work were exposed by Brazilian media. Federal prosecutors investigating land grabbers suspected of setting fires in the same reserve said they had found no evidence of volunteer firefighters or NGOs being involved.

The inquiry, suspended during the pandemic, is yet to conclude. But the police raid came weeks after Brazil’s far-right president, Jair Bolsonaro, accused NGOs of setting Amazon fires without providing any evidence. “This is much more a political operation than a technical, police operation,” says Scannavino Netto.

In fact, the PSA aims to be inclusive rather than politically divisive. Last year it organised a sustainable agriculture event in the nearest city of Santarém. The idea, says Caetano Scannavino, Scannavino Netto’s brother and the PSA’s coordinator, was simple. He says: “How can we produce an agenda that unites the environmental movement, the indigenous movement and the agribusiness sector?”
Biologists, who are researching a burned area of the Amazon forest in Alter do Chão, in Santarém. Photograph: Ricardo Moraes/Reuters

Rogério Vian, a farmer from Goiás state, who farms organic and sustainable soya, spoke at the event. He is one of a nationwide group of farmers working on sustainable farming techniques and reducing pesticide use – what he calls a middle way between full organic and conventional farming.

“Farmers need the forest and environment more than anyone else,” he says. “Why not produce and conserve? You can do it all at the same time.”

Another speaker was Ernst Götsch, 72, a Swiss farmer who developed a system of growing crops and trees together he calls “syntropic” agriculture on a farm in Bahia in north-east Brazil. “We have 50-60 different species of trees and palm trees per hectare. It’s very diverse. I don’t use any fertiliser, I don’t use any pesticides,” he says. Agroforestry techniques like this were used by indigenous communities before Spanish and Portuguese explorers arrived. “They had similar strategies,” says Götsch.

Now the coronavirus pandemic has given farmers more reasons to change. As the Netflix series Pandemic revealed, scientists and researchers have found thousands of other zoonotic diseases like the new coronavirus and fear that another virus could jump to human beings, like avian and swine flu or Mers.
Planting of cumaru seedlings for reforestation. Photograph: João Laet/The Guardian

Deforestation has already been blamed for the 1999 Nipah virus outbreak in Malaysia that killed 105 people after it jumped from bats to pigs and then people. The outbreak inspired the 2011 movie Contagion, starring Gwyneth Paltrow.

In March, Scannavino Netto argued in Brazil’s Folha de S.Paulo newspaper that the monocultures of modern agriculture were destroying everything from biodiversity to insects that serve as “bioregulators”. Cutting down the Amazon changes animal behaviour and heightens the risk of another, much more lethal virus jumping to humans.

Covid-19 has been a warning. “Either we change,” he said in a recent phone interview, “or we will die in the next pandemic. And it will be fast.”

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Portugal aderiu à aliança internacional “Promote Pollinators”

Fonte: Uniplanet

Inserido na #PollinatorWeek que se celebra de 22 a 28 de junho, foi anunciado no dia 23 de junho pela aliança internacional “Promote Pollinators” a adesão de Portugal, após a assinatura da declaração em maio de 2020 por parte de Helena Freitas, Ponto de Contacto Nacional do IPBES e coordenadora do Centre for Functional Ecology - Science for People & the Planet (CFE) da Universidade de Coimbra. A iniciativa conta também com o envolvimento ativo de Sílvia Castro, investigadora auxiliar convidada da Universidade de Coimbra e coordenadora do FLOWer Lab do CFE.

Apesar de diversas instituições portuguesas já se encontrarem fortemente empenhadas em aumentar a consciencialização sobre a importância dos polinizadores e sua diversidade, através do Ponto de Contacto Nacional IPBES e em conjunto com as entidades governamentais competentes na matéria, serão promovidos esforços para iniciar a Iniciativa Portuguesa de Polinizadores.

Podem ler as razões que levaram Portugal a decidir aderir a esta aliança e os planos futuros aqui.

Para mais informações, podem contactar Helena Freitas (hfreitas@uc.pt) ou Sílvia Castro (scastro@bot.uc.pt).

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Bayer paga 10 mil milhões para fechar processos contra herbicida

A alemã Bayer, uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo, concordou em pagar 10,9 mil milhões de dólares (9,7 mil milhões de euros) pelos danos causados por um dos seus herbicidas, o Roundup, que contém glifosato. A empresa foi processada em cerca de 125 mil acções judiciais nos Estados Unidos, com milhares a acusarem o herbicida de provocar cancro.
Fonte: aqui

Segundo um comunicado emitido pela Bayer, foram feitos acordos para 75% das acusações em tribunal. O herbicida era originalmente da Monsanto, uma empresa de tecnologia biológica aplicada à agricultura que foi comprada pela Bayer em 2018 por 63 mil milhões de dólares (quase 56 mil milhões de euros) e os processos – e os problemas trazidos pelo Roundup – foram uma das bagagens herdadas na aquisição.


7 Rules for Creating "15-Minute Neighborhoods"




A 15-minute neighborhood is a neighborhood in which you can access all of your most basic, day-to-day needs within a 15-minute walk of your home. It is also sometimes called a complete neighborhood.

How many of you live in one? When we posed that simple question on Facebook—"Can you get to a cafe, a grocery store, a park and a library in just a 15 minute walk from your home?"—we got an astonishing response from readers eager to tell us whether they could, or why they could or couldn't.

The question was prompted by a CBC News story titled "Welcome to the 15-minute neighbourhood" about Ottawa's plan to manage growth by thickening up its existing neighborhoods instead of expanding outward into farther-flung suburbs. But a quick Google search turns up other examples of the concept: visions for 15-minute neighborhoods in Boulder and 20-minute neighborhoods from Portland to Detroit and beyond.

In Ottawa, they're calling it "intensification," and the intent is to bring the necessities of life within easier reach of residents, both existing and new, without having to build a lot of costly new infrastructure. Ottawa is trying to do what Minneapolis planner Paul Mogush memorably describes as: “Put the stuff closer together so it's easier to get to the stuff.”

And the time for this approach is long overdue. All across North America, we have bankrupted our cities and states by putting the “stuff” ever farther apart, and then building huge networks of roads and pipes to connect it. Our cities have ballooned in physical size far faster than they've grown in population, and face ever-mounting maintenance costs for all that pavement, at the same time as residents clamor for yet more roads to deal with congestion caused by all the driving we’ve forced ourselves to do.

The intent of the 15-minute neighborhood movement is to break out of this mobility trap—the vicious cycle of driving ever longer distances to get to the same things—and get back to building places around the most ancient, versatile, guaranteed-to-always-be-relevant transportation method there is: two legs. (And for those with disabilities, let's be clear that building for two legs and building for two wheels can and should go hand in hand.)

The massive response to our Facebook post makes it obvious to us that the 15-minute neighborhood principle has tons of appeal. But how do you get there? Especially if your city is already laid out in such a way that many existing places fall far short of that 15-minute ideal?

We compiled this list of 7 rules for what a city of 15-minute neighborhoods needs, with links to some of our best articles over the years. And these aren't just for planners or developers—you'll see in here that there are things an average citizen can also do to bring their neighborhood a bit closer to being a 15-minute neighborhood.

1. Bring back the neighborhood school.



Photo by SDOT via Flickr


One of the most unfortunate trends in North American cities has been the consolidation of neighborhood K-12 schools into massive, isolated campuses, often located on the suburban fringe of the community where there’s no choice but to drive or take a bus there. The share of kids walking to school has plummeted to unprecedented lows. A true neighborhood school is good for students’ health and independence (and that of their parents, who don’t have to act as chauffeurs!), helps anchor and nurture community bonds, and allows us to redirect scarce public resources from transportation into the classroom.

Essential Reading:





2. Make sure food and basic necessities are available locally.

How many of us can obtain staple groceries or household supplies—the most common errand—within a short walk of home? The rise of big-box shopping has made the corner store or bodega an endangered species, yet there are examples of resurgent neighborhood retail meeting essential needs in both innovative and familiar ways. (And community gardens and other local food initiatives that aren’t retail stores have an important role to play too!) 

One essential but easily overlooked step in bringing food back to the neighborhood? Stop subsidizing expensive automobile infrastructure—the stroads and giant parking lots that give the big-box model an unfair advantage.

Essential Reading:






3. Third Places come in all shapes and sizes



Photo by Paul Krueger on Flickr

A Third Place is a community gathering space where you can meet a friend, kill some time, or have a serendipitous encounter with a neighbor. It can be a private business, public park or plaza, or a civic space like a public library. Every 15-minute neighborhood needs a good Third Place or ten.

The best news? Such places can be as simple as a pocket park carved out of a neglected bit of land, which anyone can create with a few tools and some elbow grease!

Essential Reading:






4. House enough people, and all kinds of people.

Time for some real talk. While many people might say they want a neighborhood where they can have a big house with a big yard, few neighbors, and great local businesses within walking distance, those goals are often at odds with each other. The reason is simple: businesses need customers. If the customers aren’t in walking distance, you won’t have a walkable neighborhood.

Traditional American neighborhoods used to provide a diverse mix of housing options for homeowners, renters, people of different ages and walks of life. Over the 20th century, we made many of those options illegal, and that, more than anything else, has killed the walkability of many of our would-be 15-minute neighborhoods. Want to reverse it? Allow every neighborhood to incrementally fill in with housing options that meet people’s real needs.

Essential Reading:





5. Density isn't enough.

It’s tempting to reduce walkability to a simple arithmetic problem—a matter of having sufficient density to support amenities like a grocery store. But density alone does not a 15-minute neighborhood make. If you take the Sim City approach and separate uses from each other—commercial cluster over here, residential high-rises over there—you may still fail to produce a place where people can functionally meet their needs without driving.

A 15-minute neighborhood may be dense, but the more important thing is that it’s fine-grained and truly mixes homes, businesses, and public spaces seamlessly instead of segregating them into zones. This is why we need to let all our neighborhoods thicken up incrementally, instead of building clusters of high-rises to meet the demand for new housing.

Essential Reading:




6. Sweat the small stuff for true walkability.



Photo by SDOT via Flickr


None of this proximity to stores, cafes, parks, or libraries is any good if you can't comfortably and safely "get to the stuff." Walkability is absolutely essential for a 15-minute neighborhood. And often, it’s the little things that matter most—and that show us the way to some of the highest-returning investments we can and should be making in our places. Our favorite example? Street trees, which provide shade and comfort and instinctively slow down traffic—no speed enforcement required.

Essential Reading:





7. Know when to get out of the way.

This one's especially for you, local governments. The way we used to get 15-minute neighborhoods, for most of human history, was simple: we just let them happen. We didn’t plan and zone for them in elaborate ways. What’s more relevant is what we didn’t do: rigidly dictate what kind of activity can take place on what block or lot. Today, nearly all of our places can stand to lower the bar to entry to being a local entrepreneur, by getting out of the way of things like in-home businesses, food trucks, farmers’ markets, and pop-up shops, which in too many cities are heavily regulated or banned.

For all that is different about the modern world from that of our ancestors, we still believe this: If you allow people to take steps to meet their own and their neighbors’ needs right in their neighborhoods, they will. And often in ingenious ways.

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(Cover photo by Adam Muise on Unsplash)

terça-feira, 23 de junho de 2020

A árvore mais perigosa do mundo tem um fruto semelhante a uma pequena maçã verde

Fonte: aqui


Hippomane mancinella. Este é o seu nome científico. Segundo o Instituto de Ciências de Alimentos e Agricultura da Flórida, nos Estados Unidos, Hippomane vem das palavras gregas hippo, que significa “cavalo”, e mane, que deriva de “mania” ou “loucura”. Foi assim que o filósofo grego Teofrasto (371a.C.-287a.C.) nomeou uma planta depois de descobrir que os cavalos ficavam loucos ao comê-la.

É nativa da Florida, nos Estados Unidos, Caraíbas, América Central e América do Sul. Comer um dos seus frutos é uma escolha potencialmente letal. A árvore pode parecer pouco mais do que um arbusto, mas às vezes cresce até aos 20 metros de altura. “A fruta da mancenilheira tem o aroma e a aparência de uma maçã inglesa, mas é pequena, cresce em árvores grandes, geralmente ao longo da costa. Estão repletas de veneno.

Disseram-me que apenas uma é suficiente para matar 20 pessoas”, escreveu John Esquemeling, escritor francês e autor de um dos mais importantes livros sobre pirataria no século XVII. “A natureza do veneno é tão maligna que uma só gota de chuva ou orvalho que caia da árvore na sua pele imediatamente causará uma bolha”, acrescentou.


Em 2011, o Guinness World Records considerou-a como a árvore mais perigosa do mundo. O Instituto de Ciências de Alimentos e Agricultura da Flórida colocou uma placa junto a cada exemplar onde alerta para as consequências. “Todas as partes da Mancenilheira são extremamente venenosas e a interação ou ingestão de qualquer parte desta árvore pode ser letal”, lê-se.

Apesar de tudo, estas plantas desempenham um papel importante dentro do ecossistema. Como são altas e densas, protegem as praias da América Central contra a erosão e contra o vento. A árvore é também utilizada há seculos por carpinteiros, para fazer mobílias de madeira.

A transição ecológica para uma sociedade biocentrada

Por Leonardo Boff
O ataque do coronavírus contra toda a humanidade nos obrigou a nos concentrar no vírus, no hospital, no paciente, no poder da ciência e da técnica e na corrida desenfreada por uma vacina eficaz e no confinamento e distanciamento social Tudo isso é indispensável.

Mas para apreendermos o significado do coronavírus, precisamos enquadrá-lo em seu devido contexto e não vê-lo isoladamente. Ele expressa a lógica do capitalismo global que, há séculos, conduz uma guerra sistemática contra a natureza e contra a Terra.

O capitalismo neoliberal gravemente ferido
O capitalismo se caracteriza pela exacerbada exploração da força de trabalho, pela utilização dos saberes produzidos pela tecnociência, pela pilhagem dos bens e serviços da natureza, pela colonização e ocupação de todos os territórios acessíveis. Por fim, pela mercantilização de todas as coisas. De uma economia de mercado passamos para uma sociedade de mercado.

Nela, as coisas inalienáveis se transformaram em mercadoria. Karl Marx em sua Miséria da Filosofia de 1874 profetizou: “Tudo o que os homens considerável inalienável, coisas trocadas e dadas mas jamais vendidas….tudo se tornou venal como a virtude, o amor, a opinião, a ciência e a consciência… tudo foi levado ao mercado e ganhou seu preço”. A isso ele denominou o “tempo da corrupção geral e da venalidade universal”(ed.Vozes 2019,p.54-55).É o que estamos vivendo desde o fim da segunda guerra mundial.

O capitalismo quebrou todos os laços com natureza, a transformou num baú de recursos, tidos ilusoriamente ilimitados, em função de uma crescimento também tido ilusoriamente ilimitado. Ocorre que um planeta já velho e limitado não suporta um crescimento ilimitado.

Politicamente o neoliberalismo confere centralidade ao lucro, ao mercado, ao Estado mínimo, às privatizações de bens públicos e uma exacerbação da concorrência e do individualismo, a ponto de Reagan e Thatcher dizerem que a sociedade não existe, apenas indivíduos.

A Terra viva, Gaia, um superorganismo que articula todos fatores para continuar viva e produzir e reproduzir sempre todo tipo de vida, começou a reagir e contra-atacar: pelo aquecimento global, pela erosão da biodiversidade, pela desertificação crescente, pelos eventos extremos e pelo envio de suas armas letais que são os vírus e bactérias (gripe suína, aviária, H1N1, zika, chikungunya, SARS, ebola e outros) e agora o covid-19, invisível e letal. Colocou a todos de joelhos, especialmente as potências militaristas cujas armas de destruição em massa (que poderiam destruir toda a vida, várias vezes) se mostraram totalmente supérfluas e ridículas. Agora passamos do capitalismo do desastre para o capitalismo do caos,como diz a crítica do sistema capitalista Naomi Klein.

Uma coisa ficou clara a propósito do covid-19: caiu um meteoro rasante em cima do capitalismo neoliberal desmantelando seu ideário: o lucro, a acumulação privada, a concorrência, o individualismo, o consumismo, o estado mínimo e a privatização da coisa pública e dos commons. Ele foi gravemente ferido. O fato é que produziu demasiada iniquidade humana, social e ecológica, a ponto de pôr em risco o futuro do sistema-vida e do sistema-Terra.

Ele, entretanto, colocou inequivocamente a disjuntiva: vale mais o lucro ou a vida? O que vem antes: salvar a economia ou salvar vidas humanas?

Pelo ideário do capitalismo, a disjuntiva seria salvar a economia em primeiro lugar e em seguida vidas humanas. Mas releva reconhecer que é o que nos está salvando é aquilo que inexiste nele: a solidariedade, a cooperação, a interdependência entre todos, a generosidade e o cuidado mútuo pela vida de uns e de outros.

Alternativas para o pós-coronavírus
O grande desafio colocado a todos, a grande interrogação especialmente, aos donos dos grandes conglomerados multinacionais é: Como continuar? Voltar ao que era antes? Recuperar o tempo e o lucros perdidos?

Muitos dizem: voltar simplesmente ao que era antes, seria um suicídio. Pois a Terra poderia novamente contra-atacar com vírus mais violentos e mortais. Cientistas já advertiram que poderemos, dentro de pouco, sofrer com um ataque ainda mais feroz, caso não tenhamos aprendido a lição de cuidar da natureza e de desenvolver uma relação amigável para com a Mãe Terra.

Elenco aqui algumas alternativas, pois os senhores do capital e das finanças estão numa furiosa articulação entre eles para salvaguardar seus interesses, fortunas e poder de pressão política.

A primeira seria a volta ao sistema capitalista neoliberal extremamente radical. Seria 0,1% da humanidade, biliardários, que utilizariam a inteligência artificial com capacidade de controlar cada pessoa do planeta, desde sua vida íntima, privada e pública. Seria um despotismo de outra ordem, cibernético, sob a égide do total controle/dominação da vida das populações.

Este não aprendeu nada do covid-19, nem incorporou o fator ecológico. Pela pressão geral, talvez assuma uma responsabilidade socio-ecológica para não perder lucros e fregueses. Mas seguramente haverá grande resistência e até rebeliões provocadas pela fome e pelo desespero.

A segunda alternativa seria o capitalismo verde que tirou as lições do coronavírus e incorporou o fator ecológico: reflorestar o devastado e conservar ao máximo a natureza. Mas não mudaria o modo de produção e a busca do lucro. O capitalismo verde não discute a desigualdade social perversa e faria de tudo da natureza, ocasião de ganho. Exemplo: não apenas ganhar com o mel das abelhas, mas também sobre sua capacidade de polinizar outras flores. A relação para com a natureza e a Terra continuaria utilitarista e não lhe reconheceria direitos, como declarou a ONU e seu valor intrínseco, independente do ser humano.

A terceira seria o comunismo de terceira geração que nada teria com as anteriores, colocando os bens e serviços do planeta sob a administração plural e global para redistribui-los equitativamene a todos. Poderia ser possível, mas supõe uma nova consciência ecológica, além de dar centralidade à vida em todas as suas formas. Seria ainda antropocêntrico. É pouco representado, pelos filósofox Zizek e Badiou além da carga negativa das experiências anteriores e mal sucedidas.

A quarta, seria o eco-socialismo com maiores possibilidades. Supõe um contrato social mundial com um centro plural de governança para resolver os problemas globais da humanidade. Os bens e serviços naturais seriam equitativamente distribuídos a todos, num consumo decente e sóbrio que incluiria também toda a comunidade de vida. Ela também precisa de meios de vida e de reprodução como água, climas e nutrientes. Esta alternativa estaria dentro das possibilidades humanas, desde que superasse o sociocentrismo e incorporasse os dados da nova cosmologia e biologia, que consideram a Terra como momento do grande processo cosmogénico,biogénico e antropogénico.

A quinta alternativa seria o bem viver e conviver ensaiada por séculos pelos andinos. Ela é profundamente ecológica, pois considera todos os seres como portadores de direitos. O eixo articulador é a harmonia que começa com a família, com a comunidade, com a natureza, com o inteiro universo, com os ancestrais e com a Divindade. Esta alternativa possui alto grau de utopia, Talvez, quando a humanidade se descobrir como espécie, habitando numa única Casa Comum, teria condições de realizar o bem-viver e o bem conviver.

Conclusão desta parte: ficou evidente que o centro de tudo é a vida, a saúde e os meios de vida e não o lucro e o desenvolvimento (in)sustentável. Vai se exigir mais Estado com mais segurança sanitária para todos, um Estado que satisfaça as demandas coletivas e promova um desenvolvimento que obedeça os ritmos e os limites da natureza. Não será a austeridade que vai resolver os problemas sociais que têm beneficiados ao já ricos, e penalizado os mais pobres. A solução se deriva da justiça social e distributiva, onde todos participam do ônus e do bônus da ordem social.

Como o problema do coronavírus foi global, torna-se necessário um contrato social global para implementar soluções globais. Tal transformação demandará uma descolonização de visões de muno e de conceitos, como a voracidade pelo lucro e o consumismo, que foram inculcados pela cultura do capital. O pós-coronavírus nos obrigará conferir centralidade à natureza e à Terra. Ou salvamos a natureza e a Terra ou engrossaremos o cortejo dos que rumam para o abismo.

Como buscar uma transição ecológica, exigida pela ação mortífera do covid-19? Por onde começar?
Não podemos subestimar o poder do “gênio” do capitalismo neoliberal: ele é capaz de incorporar os dados novos, transformá-los em seu benefício privado e para isso usar todos os meios modernos da robotização, da inteligência artificial com seus bilhões de algoritmos e eventualmente as guerras híbridas. Sem piedade podem conviver, indiferentes, aos milhões e milhões de esfaimados e lançados na miséria.

Por outra parte os que buscam uma transição paradigmática, dentro do qual eu mesmo me situo, devem propor outra forma de habitar a Casa Comum, com uma convivência respeitosa para com a natureza e um cuidado com todos os ecossistemas. Devem gerar na base social outro nível de consciência e novos sujeitos sociais, portadores desta alternativa. Para isso, cabe enfatizar, devemos passar por um processo de descolonização de visões de mundo e de ideias inculcadas pela cultura do capital. Devemos ser anti-sistema e alternativos.

Pressupostos para uma transição bem sucedida

Primeiro pressuposto: a vulnerabilidade da condição humana, exposta a ser atacada por enfermidades, bactérias e vírus. dos ecossistemas e a alimentação humana.

Fundamentalmente dois outros fatores estão na origem da invasão de micro-organismos letais: a excessiva urbanização humana que avançou sobre os espaços da natureza, destruindo os habitats naturais dos vírus e bactérias: saltaram para outros animais ou para o corpo humano. 83% da humanidade vive em cidades.

O segundo fator é a desflorestação sistemática devida à voracidade do capital que busca riqueza com a monocultura da soja, da cana, do girasol ou com a mineração e a produção de proteínas animais (gado), devastando florestas e desequilibrando o regime de umidade e de chuvas de vastas regiões como é o caso da Amazônia.

Segundo pressuposto: a interdependência entre todos os seres, especialmente entre os seres humanos. Somos, por natureza, um nó de relação, voltado para todas as direções. A bioantropologia e a psicologia evolutiva deixaram claro que é da essência específica do ser humano a cooperação e a relação de todos com todos. Não existe o gene egoísta, formulado por Dawkins no fins dos anos 60 do século passado sem nenhuma base empírica. Todos os genes se interligam entre si e dentro das células. Todos os seres estão inter-retro-relacionados e ninguém está fora da relação. Nesse sentido o individualismo, valor supremo da cultura do capital, é anti-natural e não possui nenhuma base biológica.

Terceiro pressuposto: a solidariedade como opção consciente. A solidariedade está na base de nossa humanidade. Os bio-antropólogos nos revelaram que este dado é essencial ao ser humano. Quando nossos ancestrais buscavam seus alimentos, não os comiam sozinhos. Levavam-nos ao grupo e serviam a todos começando com os mais novos, depois com os mais idosos e por fim a todos. Daí surgiu a comensalidade e o sentido de cooperação e solidariedade. Foi a solidariedade que nos permitiu o salto da animalidade para a humanidade. O que valeu ontem, vale também para hoje.

A sociedade vive e subsiste porque os seus cidadãos comparecem como seres cooperativos e solidários, superando conflito de interesses para ter uma convivência minimamente humana e pacífica e juntos construir o bem comum. Esta solidariedade não vigora apenas entre os humanos. É uma constante cosmológica: todos os seres convivem, estão envolvidos em redes de de relações de reciprocidade e de solidariedade de forma que todos se entre-ajudam para viver e co-evoluir. Também o mais fraco, com a colaboração dos outros, subsiste e tem o seu lugar no conjunto dos seres e co-evolui.

O sistema do capital não conhece a solidariedade, apenas a competição que produz tensões, rivalidades e verdadeiras destruições de outros concorrentes em função de uma maior acumulação e, se possível, estabelecer o monopólio de um produto ou de uma fórmula científica.

Hoje o maior problema da humanidade não é nem o econômico, nem o político nem o cultural, nem o religioso, mas é a falta de solidariedade para com outros seres humanos que estão ao nosso lado. No capitalismo ele é visto como um eventual consumidor, não como uma pessoa humana com suas preocupações, suas alegrias e padecimentos.

Foi a solidariedade que nos está salvando face ao ataque do coronavírus, a começar pelos operadores da saúde que generosamente arriscam suas vidas para salvar vidas. Assistimos atitudes de solidariedade em toda a sociedade mas especialmente nas periferias onde as pessoas não têm condições de fazerem o isolamento social e não possuem reservas de alimentação. Muitas famílias que recebiam as cestas básicas, as repartiam entre outros mais necessitados.

Referência especial merece o MST (Movimento dos Sem Terra) que forneceu toneladas alimentação orgânica para os mais vulneráveis. Não dão o que lhes sobra, mas o que têm. Outras ONGs organizaram ações de solidariedade para atenderem aos mais carentes. Mesmo as grande empresas mostraram solidariedade, doando alguns milhões que lhes sobraram para enfrentar o covid-19.

Não basta que a solidariedade seja um gesto pontual. Ele deve ser uma atitude básica, porque é um dado de nossa natureza. Temos que fazer uma opção consciente para sermos solidários a partir dos últimos e invisíveis, para aqueles que não contam para o sistema imperante e são considerados prescindíveis e zeros econômicos. Só assim ela deixa de ser eletiva e engloba a todos, pois todos somos co-iguais e nos unem laços objetivos de fraternidade.

Quarto pressuposto: o cuidado essencial para com tudo o que vive e existe, especialmente entre os seres humanos. Pertence à essência do humano, o cuidado sem o qual nenhum ser vivo subsistiria. Nós estamos vivos porque tivemos o infinito cuidado de nossas mães. Deixados no berço, não saberíamos como buscar nosso alimento e dentro de pouco tempo morreríamos.

Ademais cuidado é além disso uma constante cosmológica como o mostraram Stephan Hawking e Brian Swimme entre outros: as quatro forças que sustentam o universo (a gravitacional, a eletromagnética, a nuclear franca e forte) agem sinergeticamente com extremo cuidado sem o qual não estaríamos aqui refletindo sobre estas coisas.

O cuidado representa uma relação amiga da vida, protetora de todos os seres pois os vê como um valor em si mesmo, independente do uso humano. Foi a falta de cuidado para com a natureza, devastando-a, que os vírus perderam seu habitat, conservado em milhares de anos e passaram a outro animal ou ao ser humano para poder sobreviver devorando nossas células. O ecofeminismo trouxe uma expressiva contribuição à preservação da vida e da natureza com a ética do cuidado, desenvolvida por elas, pois o cuidado é de todos os humanos, mas ganha especial densidade nas mulheres

A transição para a uma civilização biocentrada
Toda crise faz pensar e projetar novas janelas de possibilidades. O coronavírus nos deu esta lição: a Terra, a natureza, a vida, em toda sua diversidade, a interdependência, a cooperação e a solidariedade devem possuir a centralidade na nova civilização, se não quisermos ser mais atacados por vírus letais.

Parto da seguinte interpretação: não só nós agredimos por séculos a natureza e a Mãe Terra. Agora é a Terra ferida e a natureza devastada que estão nos contra-atacando e fazendo sua represália. São entes vivos e como vivos sentem e reagem às agressões.

A multiplicação de sinais que a Terra nos enviou, a começar pelo aquecimento global, a erosão da biodiversidade na ordem de 70-100 mil espécies por ano (estamos dentro da sexta extinção em massa na era do antropoceno e do necroceno) e outros eventos extremos, devem ser tomados absolutamente a sério e interpretados. Ou nós mudamos nossa relação para com a Terra e a natureza, num sentido de sinergia, de cuidado e de respeito ou a Terra pode não nos mais querer sobre sua superfície. Desta vez não há uma arca de Noé que salva alguns e deixa perecer os outros. Ou nos salvamos todos ou engrossaremos o cortejo daqueles que rumam para a sua própria sepultura.

Quase todas as análises do covid-19 focaram a técnica, a medicina, a vacina salvadora, o isolamento social, o distanciamento e o uso de máscaras para nos proteger e não contaminar os outros. Raramente se falou de natureza, pois, o vírus veio da natureza. Por que ele passou da natureza a nós? Já o tentamos explicar anteriormente.

A transição de uma sociedade capitalista de superprodução bens materiais para uma sociedade de sustentação de toda a vida com valores humano-espirituais como a solidariedade, a compaixão, a interdependência, a justa medida, o respeito e o cuidado e, não em último lugar, o o amor, não se fará de um dia para o outro.

Será um processo difícil que exige, nas palavras do Papa Francisco na encíclica “sobre o Cuidado da Casa Comum” uma “radical conversão ecológica”. Vale dizer, devemos introduzir relações de cuidado, de proteção e de cooperação. Um desenvolvimento feito com a naturezas e não contra a natureza.

O sistema imperante pode conhecer uma longa agonia. Mas não terá futuro. Há uma grande acumulação de crítica e de práticas humanas que sempre resistiram à exploração capitalista. Segundo minha opinião, quem o vencerá definitivamente nem seremos só nós, mas a própria Terra, negando-lhe as condições de sua reprodução pelos limites dos bens e serviços da Terra superpovoada.

O novo paradigma cosmológico e biológico
Para uma sociedade pós-Covid-19 impõe-se a assunção das contribuições do novo paradigma cosmológico que já possui um século de existência. Lamentavelmente até agora não conseguiu conquistar a consciência coletiva nem a inteligência acadêmica, muito menos a cabeça dos “decisions makers” políticos parte de que tudo se originou a partir do big bang, ocorrido há 13,7 biliões de anos. De sua explosão surgiram as grandes estrelas vermelhas e com a explosão destas, as galáxias, as estrelas, os planetas, a Terra e e nós mesmos. Somos todos feitos do pó cósmico.

A Terra que já tem 4,3 biliões de anos e a vida cerca de 3,8 biliões de anos são vivos. A Terra, isso é um dado de ciência já aceito pela comunidade científica, não só possui viva sobre ela mas é viva e produz toda sorte de vidas.

O ser humano que surgiu já há uns 10 milhões de anos há 100 mil ano como sapiens sapiens é a porção da Terra que num momento de alta complexidade começou a sentir, a pensar, a amar e a cuidar. Por isso homem vem de húmus, terra boa.

Inicialmente possuía uma relação de convivência com a natureza, depois passou de intervenção mediante a agricultura de irrigação e nos últimos séculos de agressão sistemática mediante a tecnociência. Essa agressão foi levada a todas as frentes a ponto de colocar em risco o equilíbrio da Terra e até uma ameaça de auto-destruição da espécie humana com armas nucleares, químicas e biológicas.

Essa relação de agressão subjaz à atual crise sanitária. Levada avante, a agressão poderá nos trazer crises mais agudas até aquilo que os biólogos temem The Next Big One: aquele próximo e grande vírus, inatacável e fatal que poderá levar a espécie humana a desaparecer da face da Terra.

Para obviar este possível armagedom ecológico, urge renovar o contrato natural violado com a Terra viva: ela nos dá tudo o que precisamos e garante a sustentabilidade dos ecossistemas. Nos, contratualmente, teríamos que lhe devolver cuidado, respeito a seus ciclos e lhe damos tempo para regenerar o que lhe tiramos. Este contrato natural foi rompido por aquele estrato da humanidade (e sabemos quem é) que explora os bens e serviços, desfloresta, contamina as águas e os mares.

É decisivo renovar o contrato natural e articulá-lo com o contrato social: uma sociedade que se sente parte da Terra e da natureza, que assume coletivamente a preservação de toda vida, mantém em pé suas florestas que garante a água necessária para todo tipo de vida e regenera o que foi degradado e fortalece o que já é preservado.

A importância da região: o bioregionalismo
A ONU reconheceu a Terra como Mãe Terra e a natureza como titulares de direitos. Isso implica que a democracia deverá incorporar como novos cidadãos, as florestas, as montanhas, os rios, as paisagens. A democracia seria socio-ecológica.

A vida será o farol orientador e a política e a economia estarão a serviço, não da acumulação e do mercado mas da vida. O consumo, para que seja universalizado, será sóbrio, frugal e solidário. Destarte, a sociedade seria suficiente e decentemente abastecida.

O acento não se dará à planetização econômico-financeira que seguirá o seu curso, mas à região. A ponta mais avançada da reflexão ecológica atualmente se realiza em torno do bio-regionalismo.

Tomar a região, não como vem definida arbitrariamente pela administração geográfica mas com a configuração que a natureza fez, com seus rios, montanhas, floresta, planícies, fauna e flora e especialmente com os habitantes que aí moram. Na bioregião poder-se-á verdadeiramente criar um desenvolvimento sustentável que não seja meramente retórico. As empresas serão preferentemente médias e pequenas, dar-se-á preferência à agroecologia, evitar-se-ão os transportes para regiões distantes, a cultura será o cimento de coesão: as festas, as tradições, a memória das pessoas notáveis, a presença das igrejas ou das religiões, os vários tipos de escolas e outros meios modernos de difusão de conhecimento e de encontros entre as pessoas.

A Terra será como um mosaico feito de distintas peças cm cores diferentes: são as distintas regiões e os ecossistemas, diversos e singulares, mas todos compondo um só mosaico, a Terra.

A transição se fará por processos que vão crescendo e se articulando a nível nacional, regional e mundial, fazendo crescer a consciência de nossa responsabilidade coletiva de salvarmos a Casa Comum e tudo o que a ela pertence.

A acumulação de nova consciência permitirá um salto para um outro nível em que seremos amigos da vida, abraçaremos cada ser pois todos possuímos o mesmo código genético de base, desde a bactéria originária, passando pelas grandes florestas, os dinossauros, os cavalos, os beija-flores e nós mesmo. Somos construídos por 20 aminoácidos e por 4 bases nitrogenadas ou fosfatadas. Quer dizer, somos todos parentes uns dos outros numa real fraternidade terrenal.

Será a civilização “da felicidade possível” e da “alegre celebração da vida”.

Brasil, nosso sonho bom: a sua refundação
O Brasil, por suas riquezas ecológicas, geográficas e populacionais, tem todas as condições de começar a colocar os fundamentos de uma civilização biocentrada.

Até hoje vivemos na dependências de outros centros hegemónicos. Está madurando, especialmente nas bases, a ideia da refundação de um outro Brasil.

Três pilastras podem dar corpo a esse sonho, por mim exposto com mais detalhe no livro: Brasil: concluir a refundação ou prolongar a dependência”(Vozes 2019). Sem entrar em detalhes direi:

A natureza, das mais ricas do planeta em biodiversidade, em florestas úmidas e em água. Podemos ser a mesa posta para as fomes e sedes do mundo inteiro.

A cultura que configura a relação do ser humano com a natureza e com outros seres humanos, diversa, rica em criatividade nas artes, na música, na arquitetura, nas danças e em certos ramos da ciência, não obstante o racismo visceral e as ameaças às culturas originárias e outras exclusões sociais, reforçadas pela atual política de ultra-direita e de viés fascitóide.

O povo brasileiro ainda em fazimento, plasmado por gentes que vieram de 60 países diferentes. A cultura multiétnica e multireligiosa, a cultura relacional, o senso lúdico, a hospitalidade, a alegria de viver e sua criatividade são características entre outras de nosso povo.

O Brasil é a maior nação neolatina do mundo e temos tudo para ser a maior civilização dos trópicos. Para essa utopia viável, temos que retrabalhar no consciente e no inconsciente coletivo, as sombras que nos pesam fortemente: do etnocídio indígena, da colonização, da escravidão e da dominação das oligarquias, herdeiras da Casa Grande e de um governo atual anti-Brasil, anti-vida e anti-povo com traços claros de despotismo que pretende conduzir o país a fases superadas pela humanidade, ao ante iluminismo, ao mundo do atraso, avesso ao saber e aos valores civilizatórios que são já bens comuns das sociedades mundiais.

Para terminar, tomo como referência a proposta do Papa Francisco, quiçá o maior líder ético-político da humanidade. Na reunião com dezenas de movimentos sociais populares em 2015 ao visitar a Bolívia. Na cidade de Santa Cruz de la Sierra disse:

Vocês têm que garantir os três Ts :Terra para morar nela e trabalhar. Teto para morar porque não são animais que vivem ao relento. Trabalho com o qual vocês se autorealizam e conquistam tudo o que precisam.

Em seguida continuou: “Não esperem nada de cima. Pois vem sempre mais do mesmo e geralmente ainda pior. Sejam vocês mesmos os protagonistas de um novo tipo de mundo, de uma nova democracia participativa e popular, com uma economia solidária, com uma agroecologia com produtos sãos e livres de transgênicos. Sejam os poetas da nova sociedade.

Lutem para que a ciência sirva à vida e não ao mercado. Empenhem-se pela justiça social sem a qual não há paz. Por fim, cuidem da Mãe Terra sem a qual nenhum projeto será possível.

Aqui estamos diante de um programa mínimo para um novo tipo de sociedade e de humanidade.
O futuro nos assinala que não iremos ao encontro do capitalismo neoliberal, embora teime em se impôr. Ele não deu certo: acumulou demasiada riqueza em poucas mãos à custa do sacrifício de milhões e milhões vivendo em condições sub-humanas e junto a isso devastou a maioria dos ecossistemas e colocou a Terra numa emergência ecológica.

A travessia para uma sociedade ecologicamente sustentada com uma cultura, uma política e economia compatíveis é a grande utopia viável da humanidade e dos grupos progressistas do Brasil.

Cremos e esperamos que esse sonho não seja uma fantasmagoria, mas uma realidade possível que se adequa à lógica do universo, feito não pela soma de seus corpos celestes, mas pelo conjunto das redes de suas relações dentro das quais nós também estamos envolvidos. Para citar Paulo Freire, diria: precisamos construir uma eco-sociedade na qual não seja tão difícil o amor.

O Brasil, libertado de suas sombras históricas, pode ser um embrião da nova sociedade, una, diversa dentro da única Casa Comum, a Mãe Terra.

Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e escritor e escreveu: Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Vozes 1995/2015; esm espanhol por Trotta, Madrid 1996, Dabar, México 1996.