terça-feira, 2 de agosto de 2022

Vêm aí mais pandemias. Estudo liga aquecimento global a mutações de vírus


A mais recente contribuição para o debate deve-se ao biólogo Abdullah Farooq, que considera demasiado fatalista a imagem apresentada pelo estudo da Nature.

Em artigo publicado originariamente no site de Jacobin, Farooq começa no entanto por admitir a justeza da análise subjacente ao estudo. Se nada for feito, admite, as alterações climáticas irão assestar "um golpe brutal sobre todo o tipo de animais migratórios". E isto "dará como resultado um nível de contacto invulgar entre espécies, o que, por sua vez, provocará novas transmissões e mutações de vírus".

Farooq concorda igualmente igualmente com o estudo coordenado pelo biólogo Colin Carlson na estimativa de que, por este andar, em 2070 haverá pelo menos 15 mil novos episódios de transmissão viral interespécies, com "um impacto ecológico massivo na fauna mundial", mas também com gravíssimas consequências para a saúde pública. Já hoje, recorda Farooq, "a maioria das doenças infecciosas emergentes que nos ameaçam são de origem zoonótica (transmitidas pelos animais aos humanos)".

O mais inquietante do estudo é o facto de se considerar que a maioria destas transmissões virais interespécies venha a suceder, provavelmente, entre 2011 e 2040 - ou seja, algo que a confirmar-se já estará, hoje mesmo, em pleno desenvolvimento. Pior ainda, os autores do estudo publicado na Nature acreditam que esse processo já desencadeado seja agora imparável.

Mesmo no caso de vir a impor-se na política internacional um enérgico "golpe de leme" em direção a políticas ambientalistas radicais, que realmente travassem o aquecimento global, essa travagem poderia já vir tarde para deter também os efeitos de transmissão interespécies que entretanto ganharam vida própria.

Farooq não apresenta uma argumentação desenvolvida contra a inelutabilidade deste fervilhante laboratório natural, produtor de vírus mutantes, que parece suposta pelo estudo da Nature. Mas a diferença do seu ponto de vista torna-se óbvia quando começa a enumerar intervenções políticas "que podem fazer-se para evitar o pior".

Para isso, diz-nos, haveria que submeter a um controle democrático a "influência desmedida" que a indústria imobiliária e a agroindústria exercem "sobre como e para quê se usa a terra". Entre os exemplos que apresenta está a desflorestação da Amazónia, acelerada dramaticamente durante a presidência de Jair Bolsonaro.

No polo oposto, e demonstrando a viabilidade de uma alternativa, cita a lei boliviana dos "Direitos da Terra Mãe", aprovada em 2011, depois replicada por uma iniciativa semelhante no Chile, e associando as comunidades indígenas a todas as decisões sobre o destino dado à terra.

Um outro exemplo que cita é o da Aliança Progressisa de Richmond, Califórna, que se opôs com êxito aos megaprojectos imobiliários de ocupação das zonas costeiras de Point Molate, com a correlativa destruição do habitat de várias espécies de aves endógenas.

Farooq preconiza, em todo o caso, um "aumento de investimento público em programas de vigilância viral", lembrando que três meses antes de ser declarado em Wuhan o primeiro surto de covid-19 o programa Predict, do Centro para o Controle e Prevenção de Doenças, dos EUA, sofrera um corte drástico no seu orçamento, que deitaram a perder muito do trabalho anterior para monitorizar doenças de origem zoonótica.

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