sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Posição Da Plataforma Transgénicos Fora: No Âmbito Da Política Agrícola Comum (PAC)


Posição da Plataforma Transgénicos Fora (PTF) na consulta pública em curso (até 06/12/2021)

Ponto Prévio – O processo de elaboração do PEPAC não tem refletido os princípios de participação democrática na definição de políticas públicas. Esta 2ª consulta pública foi exemplo disso, apresentada sem muitos dos documentos de base para fundamentar as propostas e a omissão de projeções dos respetivos impactes, faltando também alguns dos elementos-chave do PEPAC, como as Definições no âmbito do artigo 4º do Regulamento dos PEPAC, e os indicadores de impacte; Para além disso a duração da consulta pública, 17 dias, é manifestamente insuficiente para analisar e aprofundar a discussão de um documento com estas características.

A PTF tem como finalidade a implementação de uma agricultura sem organismos geneticamente modificados (OGM) e sem os herbicidas de síntese química potenciados pelo cultivo de culturas geneticamente modificadas (GM). Integra associações do setor ambiental em Portugal e uma confederação agrícola, e o seu trabalho enraíza-se no facto de, atualmente, existirem conhecimentos, experiências e meios que possibilitam uma produção agrícola rentável e, ao mesmo tempo, respeitadora do ambiente, nomeadamente em relação à biodiversidade, à proteção e conservação do solo e da água.

Os OGM na agricultura têm tido como principais consequências, as seguintes:
  • O aumento da aplicação de herbicidas (nas culturas geneticamente modificadas para passarem a resistir aos mesmos), primeiro o glifosato e mais recentemente o dicamba e outros também de elevada toxicidade;
  • A crescente resistência das ervas ao glifosato, levando a uma segunda geração de culturas GM com tolerância a outros herbicidas também muito tóxicos (caso do dicamba);
  • A presença de resíduos de glifosato nos alimentos provenientes dessas culturas, em especial soja e milho;
  • A presença de resíduos de glifosato no corpo humano, detetados em análises na urina, com possíveis consequências na saúde;
  • O desaparecimento do mercado de variedades convencionais não GM (híbridas ou tradicionais), a que os agricultores deixaram de ter acesso e com a consequente perda de biodiversidade;
  • A resistência dos insetos que ingerem o inseticida produzido permanentemente pela planta GM com genes da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt);
  • A perda de eficácia dos bioinsecticidas produzidos a partir da bactéria Bt (autorizados na agricultura em geral e na biológica, pontualmente e em complemento doutras práticas de proteção fitossanitária);
  • A contaminação genética de culturas em parcelas próximas duma cultura GM, em particular quando a polinização é feita predominantemente pelos insetos.

A PTF defende uma agricultura de conservação/regenerativa, com reduzida mobilização do solo, mas sem o recurso a culturas e outros organismos geneticamente modificados, nem a herbicidas de síntese e, em particular, sem recorrer à aplicação de glifosato. Este é o herbicida atualmente mais aplicado em Portugal, nomeadamente em modos de produção agrícola ditos de conservação (do solo) e com subsídios agroambientais em Portugal.

Em relação a esta nova versão do PEPAC (Plano Estratégica para a Política Agrícola Comum), no que diz respeito às questões mais relacionadas com os OGM e herbicidas com eles relacionados, temos as seguintes situações com as quais não podemos estar de acordo:

1) Os OGM vão continuar a ser autorizados na agricultura nacional e a beneficiar, ainda que indiretamente, de subsídios de âmbito ambiental, a saber:

1.a) Na “Agricultura de conservação”, incluída no 2º pilar da PAC como medida agroambiental.

1b) Nas novas regras da produção integrada (PRODI) os OGM vão ser proibidos, no caso de se confirmar o que está no documento de trabalho do Ministério da Agricultura. Mas este documento não foi disponibilizado na consulta pública.

2) Os herbicidas à base de glifosato (perto de 60 produtos comerciais em Portugal) vão continuar a ser autorizados na agricultura nacional e a beneficiar, ainda que indiretamente, de subsídios de âmbito ambiental, a saber:

1.a) Na “Produção Integrada” ou PRODI, agora incluída no 1º pilar da PAC em “Ecorregimes” (em vez de ser incluída no 2º pilar como agora está / PDR2020-Medida 7.2);

1.b) Na “Agricultura de conservação” ou “regenerativa do solo”, incluída no 2º pilar da PAC como medida agroambiental.

A PRODI (que este ano não teve abertura de candidaturas para novos agricultores, ao contrário da agricultura biológica que teve novos apoios em 2021, passados 5 anos sem abertura de candidaturas), passa do 2º para o 1º pilar em “Ecorregimes”, o que quer dizer que deixa de estar dependente da comparticipação nacional aprovada no Orçamento Geral de Estado (OGE). Assim, aparentemente passará a ter os subsídios da PAC mais facilitados.

Quanto às normas da PRODI, cada país tem as suas. Em Portugal elas são definidas pelo Ministério da Agricultura sendo que em 2014, quando o Ministério era também do Ambiente, as regras foram alteradas e os pesticidas mais tóxicos passaram a ser autorizados, ao contrário do que acontecia até então em que, de acordo com os princípios e fundamentos científicos deste modo de produção agrícola, os pesticidas mais tóxicos para a fauna auxiliar não podiam ser aplicados nem sequer em complemento das outras práticas de proteção fitossanitária. Assim deixou de haver diferença significativa com a restante agricultura convencional na componente de proteção fitossanitária, já que toda a agricultura nacional tem de cumprir a Lei nº 26/2013.

Note-se que mesmo os pesticidas mais tóxicos proibidos ou em fase de proibição/esgotamento de stocks em toda a agricultura europeia nos últimos anos, como o inseticida organofosforado clorpirifos (que afeta o sistema nervoso dos insetos e o das pessoas) e os inseticidas neonicotinóides (extremamente tóxicos para abelhas e para outros insetos polinizadores), têm tido em Portugal subsídio agroambiental por via da PRODI.

No caso de se manterem as ajudas “ambientais” à PRODI, então as suas regras de produção devem ser alteradas de forma a respeitarem os fundamentos científicos da mesma e a contribuírem para atingir ao menos os três primeiros objetivos quantificados da estratégia “Do Prado ao Prato”, já aprovada pelo Parlamento Europeu, a saber; i) Reduzir em 50% o uso e o risco de pesticidas químicos de síntese até 2030; ii) Reduzir em 50% o uso dos pesticidas mais tóxicos até 2030; iii) Reduzir a lixiviação (perdas e consequente poluição das águas superficiais e subterrâneas) dos nutrientes dos adubos em pelo menos 50%, assegurando, entretanto, a manutenção da fertilidade do solo. E tendo um apoio em “Ecorregime” a PRODI também deve cumprir os objetivos da estratégia “Biodiversidade”.

Para além disso, o PEPAC deve referir que as regras da PRODI serão revistas com vista a atingir estes objetivos, o que corresponde na prática ao seguinte:

-Os pesticidas mais tóxicos para a fauna auxiliar importante na limitação natural das pragas, não podem ser aplicados (como já acontecia antes de 2014);

-Os pesticidas mais tóxicos para as abelhas e para outros insetos polinizadores não podem ser aplicados;

-Os pesticidas mais tóxicos para o aplicador e para o consumidor, nomeadamente com toxicidade crónica grave (cancro, desregulação hormonal, e outras doenças de difícil cura), não podem ser aplicados;

-O herbicida glifosato não pode ser aplicado;

-Os adubos químicos de síntese azotados de libertação rápida não podem ser aplicados.

Sem estas regras a PRODI não pode ser chamada de “modo de produção sustentável”, pelo menos nos pilares ambiental e social da sustentabilidade.

Nas medidas agroambientais (2º pilar da PAC), neste PEPAC, já sem a PRODI e sem a Agricultura Biológica, mantêm-se medidas aparentemente positivas, mas com pormenores preocupantes, sendo o mais preocupante o uso do herbicida glifosato na “agricultura de conservação/regenerativa”.

Depois de vários estudos científicos terem revelado que o glifosato é tóxico para diversos organismos do solo diminuindo a sua biodiversidade, depois de a OMS o ter classificado como cancerígeno para animais e “provavelmente cancerígeno” para seres humanos (IARC/OMS, 2015), depois de um estudo científico em Portugal ter revelado a presença de glifosato na urina humana na maioria das pessoas testadas mostrando que os resíduos do glifosato atingem o corpo humano mesmo em pessoas que só estão expostas pelos alimentos que ingeram, e estando em discussão na EU a possibilidade da sua proibição total, não faz sentido este herbicida ter subsídio agroambiental.

Para fazer face à crise ambiental atual a estratégia da Comissão Europeia (CE) “Do Prado ao Prato / From farm to fork”, publicada em maio de 2020 e aprovada recentemente no Parlamento Europeu, traçou objetivos estratégicos quantificados, três dos quais já referidos acima, muito claros e oportunos que Portugal precisa de adotar com urgência e que a PTF considera da maior relevância:
  • Reduzir em 50% o uso dos pesticidas mais tóxicos até 2030;
  • Reduzir a lixiviação (perdas) dos nutrientes dos adubos em pelo menos 50%, assegurando, entretanto, a manutenção da fertilidade do solo;
  • Reduzir o uso de adubos químicos em pelo menos 20% até 2030;
  • Reduzir as vendas de antibióticos para a produção animal e para a produção aquícola;
  • Aumentar a área de agricultura biológica para 25% de toda a área agrícola da EU.
No entanto, a PTF verifica que esta segunda versão do PEPAC, não só continua a ignorar estas metas, como está pior do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, persistindo na promoção de práticas agrícolas que agudizam os graves problemas com que nos confrontamos.

O governo tem a obrigação de implementar medidas que garantam os recursos e as condições necessárias para a sobrevivência das novas gerações, mas o PEPAC vai no sentido oposto ignorando todos os alertas e pedidos da sociedade civil, sobretudo dos mais novos, e todos os alertas da comunidade científica (https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1).

A PTF continua disponível para esclarecimentos adicionais e para apresentar propostas concretas sobre os problemas aqui identificados e que englobam todo o país. Não é aceitável que se percam mais quatro anos sem implementar a mudança que urge acontecer no seio da agricultura portuguesa.

Nota: vide a resposta da Plataforma Transgénicos Fora à consulta anterior com os respetivos anexos que está disponível no nosso site em https://www.stopogm.net/posicao-da-ptf-plano-estrategico-de-portugal-no-ambito-da-pac/ ).

Portugal, 3 de dezembro de 2021

ABAIXO PRIMEIRO PARECER DA PLATAFORMA TRANSGÉNICOS FORA!

 POSIÇÃO DA PTF: PEPAC (PDF)

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