terça-feira, 4 de maio de 2021

Estudo inédito sugere que a floresta amazónica danificada está a piorar as alterações climáticas

O primeiro olhar abrangente sobre todos os gases de efeito estufa que afetam o funcionamento da Amazónia – não só o dióxido de carbono – revela um sistema à beira do abismo.

Fonte: aqui
A floresta amazónica pode estar agora a contribuir para o aquecimento do planeta, de acordo com uma análise inédita feita por mais de 30 cientistas.

Há anos que os investigadores expressam as suas preocupações em relação ao facto de o aumento das temperaturas, as secas e a desflorestação estarem a reduzir a capacidade da maior floresta tropical do mundo em absorver dióxido de carbono da atmosfera e ajudar a compensar as emissões da queima de combustíveis fósseis. Os estudos recentes chegam até a sugerir que algumas porções desta paisagem tropical podem já estar a libertar mais carbono do que armazenam.

Mas a inalação e exalação de CO2 é apenas uma das formas pelas quais esta selva húmida, a mais rica da Terra em espécies, influencia o clima global. As atividades na Amazónia, tanto naturais como humanas, podem mudar a contribuição desta floresta tropical de maneiras significativas, aquecendo diretamente o ar ou libertando outros gases de efeito estufa que o fazem.

A secagem de pântanos e a compactação do solo devido à exploração madeireira, por exemplo, podem aumentar as emissões de óxido nitroso, um gás de efeito estufa. Os incêndios controlados para a limpeza de terrenos libertam carbono negro, partículas minúsculas de fuligem que absorvem a luz solar e aumentam o calor. A desflorestação pode alterar os padrões de chuva, secando e aquecendo ainda mais a floresta. As inundações regulares e a construção de barragens libertam o poderoso gás metano, assim como a pecuária, um dos principais motivos pelos quais as florestas são destruídas. E cerca de 3.5% de todo o metano libertado a nível global vem naturalmente das árvores na Amazónia.

Contudo, nenhuma equipa tinha tentado avaliar o impacto cumulativo de todos estes processos, embora a região se esteja a transformar rapidamente. Agora, uma nova investigação apoiada pela National Geographic Society e publicada na Frontiers in Forests and Global Change, estima que o aquecimento atmosférico de todas estas fontes combinadas pode estar a sufocar o efeito de arrefecimento natural da floresta.

“O abate da floresta está a interferir na absorção de carbono; isso é um problema”, diz o autor principal do estudo, Kristofer Covey, professor de estudos ambientais no Skidmore College de Nova Iorque. “Mas quando começamos a olhar para os outros fatores juntamente com o CO2, é difícil ignorar que a Amazónia como um todo não esteja realmente a aquecer o clima global.”

Os danos ainda podem ser revertidos, diz Kristofer e os seus colegas. Suspender as emissões globais de carvão, petróleo e gás natural ajudaria a restaurar o equilíbrio, mas é obrigatório conter a desflorestação na Amazónia, juntamente com a redução na construção de barragens e um aumento nos esforços de replantação de árvores. As atuais taxas de desflorestamento parecem estar a piorar o aquecimento a nível mundial.

“Temos este sistema do qual temos dependido para combater os nossos erros, mas excedemos realmente a capacidade do sistema em fornecer um serviço de confiança”, diz a coautora do estudo, Fiona Soper, professora assistente na Universidade McGill.

Números complicados

A mesma riqueza que faz da Amazónia uma maravilha de biodiversidade, lar de dezenas de milhares de insetos por quilómetro quadrado, também dificulta bastante a sua compreensão. As cintilantes folhas verdes sugam CO2 do céu, convertendo-o através da fotossíntese em carboidratos que acabam nos troncos e ramos das árvores à medida que estas crescem. Nas árvores e solos ricos em carbono, a Amazónia armazena o equivalente a quatro ou cinco anos de emissões de carbono provocadas pelo homem, até 200 mil milhões de toneladas de carbono.

Mas a Amazónia também é extremamente húmida, com inundações de vários metros por ano nos solos da floresta. Os micróbios nestes solos encharcados produzem metano, que é entre 28 a 86 vezes mais potente enquanto gás de efeito estufa do que o CO2. As árvores atuam como chaminés, canalizando este metano para a atmosfera.

Enquanto isso, a humidade do Oceano Atlântico que cai sob a forma de chuva é sugada pelas plantas, usada para a fotossíntese e exalada pelas folhas através dos mesmos poros que absorvem CO2. De regresso à atmosfera, cai novamente como chuva.

Os humanos interferem nestes ciclos naturais não só através das alterações climáticas, mas também através da extração de madeira, construção de reservatórios, mineração e agricultura. A desflorestação aumentou exponencialmente no Brasil nos últimos anos, atingindo o recorde em 2020, aumentando quase 10% em relação ao ano anterior.

Alguns destes processos retiram gases de efeito estufa da atmosfera, enquanto que outros provocam um aumento, mas todos se influenciam uns aos outros. Porém, até recentemente, ninguém tinha tentado compreender este equilíbrio. “É um sistema de partes interativas, todas medidas de formas diferentes, em escalas cronológicas diferentes, por pessoas diferentes”, diz Fiona Soper.

O que é evidente é que a floresta está a mudar rapidamente e de forma alarmante. A chuva agora cai em rajadas massivas com mais frequência do que antigamente, provocando enchentes que batem recordes. As secas surgem com mais frequência e, em algumas áreas, duram mais tempo. As árvores que se dão melhor em lugares húmidos estão a ser superadas por espécies mais altas e tolerantes à seca. Os incêndios de índole criminosa estão novamente a aumentar. Em 2019 foram queimados cerca de 2.1 milhões de hectares, uma área aproximadamente do tamanho de Nova Jersey.

Assim, em 2019, a National Geographic Society reuniu Kristofer Covey, Fiona Soper e uma equipa de outros especialistas na Amazónia para começar a tentar dissecar de que forma é que todas estas peças se encaixam. Os investigadores não fizeram novas medições – procuraram novas maneiras de analisar os dados já existentes com o objetivo de obter uma imagem abrangente.

Olhar para além do CO2

Embora os resultados incluam níveis de incerteza, também deixam claro que o foco numa só métrica – CO2 – simplesmente não oferece uma imagem detalhada. “Embora o carbono seja muito importante na Amazónia, não é a única coisa que está a acontecer”, diz Tom Lovejoy, investigador em biodiversidade da Fundação das Nações Unidas, que trabalha na Amazónia brasileira há décadas. “A única surpresa, se é que se pode chamar assim, é o que existe para além disso quando se soma tudo.”

A extração de recursos, as barragens fluviais e a conversão da floresta para a produção de soja e criação de gado alteram os sistemas naturais de várias formas. Mas a maioria acaba por aquecer o clima. O metano é uma peça particularmente importante. Embora as maiores fontes de metano ainda venham dos processos florestais naturais, a capacidade da Amazónia em absorver carbono costumava fazer muito mais para compensar as suas próprias emissões de metano. Mas os humanos diminuíram essa capacidade.

Rob Jackson, cientista de sistemas terrestres da Universidade de Stanford e um dos maiores especialistas em emissões globais de gases de efeito estufa, considera a nova investigação uma contribuição valiosa. “A Amazónia é vulnerável e geralmente costumamos afunilar a nossa visão sobre um único gás de efeito estufa”, diz Rob.

Patrick Megonigal, diretor-adjunto de investigação do Centro de Pesquisa Ambiental Smithsonian, concorda com esta afirmação. “O que os autores fazem de importante é expandir a conversa para além do dióxido de carbono, que é onde 90% dos debates públicos se concentram”, diz Patrick.

“O CO2 não é um ator solitário. Quando consideramos todo o elenco de personagens, a perspetiva sobre a Amazónia é a de que os impactos das atividades humanas vão ser piores do que pensamos.”

Há muitas questões por responder. Para Patrick Megonigal, a grande questão é a mesma com a qual Tom Lovejoy se preocupa: Como é que todos estes fatores influenciam o clima local na Amazónia? Isto é importante porque a Amazónia fornece grande parte da sua própria humidade, com uma única molécula de água a circular pela floresta cinco ou mais vezes à medida que o ar húmido se move desde o Atlântico Oeste para o continente.

Uma análise feita recentemente por Tom Lovejoy e Carlos Nobre, cientista climático do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, sugere que o aumento da desflorestação pode alterar o fluxo desta humidade até um ponto em que força grandes extensões da Amazónia para uma transformação permanente em savana de floresta seca. Ambos os investigadores acreditam que este ponto crítico pode ser alcançado com apenas 20 a 25% de desflorestação da Amazónia.

Isso seria muito problemático para o clima, porque reduziria substancialmente ainda mais o potencial das florestas em limpar os céus de algumas das nossas emissões de combustíveis fósseis. De acordo com estimativas do próprio governo brasileiro, a desflorestação já atingiu os 17%.

O que acontece no Brasil (e países vizinhos na Amazónia) afeta o mundo inteiro. Nos Estados Unidos, um grupo de líderes ambientais de quatro administrações presidenciais anteriores, tanto democratas como republicanos – Bush pai, Clinton, Bush filho e Obama – pediu recentemente ao presidente Joe Biden para exigir ao governo brasileiro uma redução na desflorestação. O grupo pediu a Biden para usar o comércio com os EUA como forma de pressão.


O Brasil e os EUA estão atualmente em negociações.

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site nationalgeographic.com

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