segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

As Ciências da Terra na antiguidade


Foi na Grécia antiga, berço da nossa civilização, que surgiram os primeiros textos envolvendo temas desta importante área do conhecimento, incluídos na chamada Filosofia Natural que especulava acerca da natureza (“physis”, em grego), ou seja, do universo físico. De início, não dava grande ênfase à descrição dos entes (objectos) e dos fenómenos naturais, procurando, sobretudo, chegar à essência desses entes e ao conhecimento das primeiras causas e dos constituintes (“princípios”) do mundo material.

Filósofos gregos pré-socráticos deixaram-nos obra notável sobre o atomismo, no âmbito da Filosofia Natural, com destaque para Leucipo (primeira metade do século V a.C.) e Demócrito (460-379 a. C.), ambos naturais de Abdera, antiga cidade grega da costa da Trácia.

Na linha do pensamento de Platão (429 – 347 a C), a Filosofia Natural era uma disciplina mais de elaboração mental do que de observação ou de experimentação. Este filósofo, inovador do Inatismo (teoria que defende a existência de ideias, capacidades ou atitudes que nascem com o homem, sem necessidade da experiência ou da aprendizagem) e do Idealismo (teoria que defende que a verdadeira realidade está no mundo das ideias, apenas acessíveis através da razão), as ideias começavam por ser formuladas no pensamento, sendo o raciocínio e a indução as principais vias para atingir o conhecimento. Platão interessou-se pelo vulcanismo, uma realidade geológica do seu tempo, bem à vista no Mediterrâneo (Etna, Estromboli, Vulcano, Vesúvio). Admitia a existência de um rio subterrâneo de lama fervente e lava, o “pirofiláceo”, que serpenteava pelo globo terrestre e alimentava os vulcões. Esta mesma ideia já fora divulgada na obra poética do seu conterrâneo Píndaro (518 - 438 a C), na qual se fala da existência de um canal ardente, o “typhone”, que, em profundidade, ligava o Vesúvio, na região de Nápoles, ao Etna, na Sicília, com ramificações subterrâneas, explicando assim as erupções das ilhas Lipari (Estromboli e Vulcano).

Frequentador de Academia de Platão, o astrónomo e matemático Eudóxio de Cnido (390 – 338 a C), foi o autor do primeiro modelo do Sistema Solar, que concebeu como um conjunto de esferas centradas na Terra. Esta hipótese cosmológica geocêntrica, que causou grande impacto sobre a Filosofia Natural grega, antecipou-se, cerca de cinco séculos, à de Cláudio Ptolomeu (90-168 d C.)

Ao contrário de seu mestre, Aristóteles (384-322 a C) introduziu o pensamento realista, sendo por isso considerado um precursor do Empirismo. Para este discípulo de Platão as ideias chegam-nos através dos sentidos, observando, pelo que dava muita importância ao mundo exterior entendido como principal fonte do conhecimento e aperfeiçoamento das capacidades intelectuais. Para ele, o único mundo é o sensível (o que se apreende através dos sentidos), que é também o mundo inteligível. Este, que foi o fundador do Liceu de Atenas, introduziu o termo “Física” (do grego antigo, physis, sinónimo de natureza) em substituição de Filosofia Natural, e destacou-se pelas suas especulações e investigações no âmbito desta disciplina, tendo influenciado profundamente o cenário intelectual europeu.

Aristóteles foi um notável e influente apoiante do modelo geocêntrico de Eudóxio e, tendo em conta a efemeridade da vida do ser humano, defendia que certas acções naturais, extremamente lentas e imperceptíveis no dia-a-dia, teriam grande expressão com o acumular do tempo, que tinha por incomensurável. Com este pensamento, o Estagirita (assim chamado por ter nascido em Estagira, hoje Stavro, na Macedónia) antecipou de mais de dois milénios a ideia do cúmulo de um tempo imenso sobre os processos naturais, a que o escocês James Hutton, no século XVIII, deu grande visibilidade, a ponto de ser visto por muitos como o pai desta ideia.

A concepção dos quatro elementos, ditos de Aristóteles, “terra", "água”, “ar” e fogo”, tem origem na Pérsia, em meados do século IX a.C., de autoria desconhecida. Estes quatro elementos, então considerados como “princípios” universais da matéria, são, pois, o culminar de um modelo muito anterior a este filósofo, que se desenvolveu gradualmente até ser objecto de uma formulação, mais completa e abrangente, por Empédocles (c. 450 a.C.), conhecida por “Teoria das Substâncias” ou “Teoria dos Quatro Elementos”. Relativamente a esta visão do mundo físico, coube a Aristóteles o mérito de a divulgar e de lhe dar um crédito tal que a fez singrar, incólume, por quase dois mil anos. A igreja romana não só aceitou esta ideia como a impôs no essencial do seu conteúdo, opondo-a, constante e tenazmente, à concepção atómica de Leucipo e Demócrito, considerada materialista. Ainda hoje o termo “materialista” é entendido como não religioso.

Discípulo e continuador de Aristóteles no Liceu de Atenas, Teofrasto (372-287 a C) deixou-nos, entre outros, um tratado, "Das Pedras", tido como a primeira obra escrita acerca de minerais, rochas, minas e metalurgia. A ele se deve a primeira classificação de minerais, que tinha por base a utilidade desses produtos naturais como minérios, pedras preciosas e pigmentos. Os seus ensinamentos, neste domínio, mantiveram-se durante cerca de dezoito séculos, até finais da Idade Média.

Nascido em Lampsaco, na Anatólia (Turquia ou Ásia Menor), Estratão (360-270 a C.), conhecido por “O Físico”, procurava explicar a natureza, buscando nela própria as causas do seu surgimento, do seu desenvolvimento e do seu declínio. No domínio do pensamento geológico e à semelhança de Aristóteles, defendia a ideia do cúmulo de um tempo imenso sobre os processos naturais extremamente lentos.

Discípulo de Teofrasto e seu sucessor no Liceu de Atenas, Estratão foi um materialista na linha do atomismo de Leucipo e Demócrito, ensinando que a matéria era constituída de partículas e de vazio. Alheio aos ensinamentos da teologia e da metafísica, explicava a natureza através de uma via exclusivamente materialista, a ponto de ter prescindido de Deus, no dizer de Cícero (106-43 a C), o grande filósofo latino.

Aristarco de Samos (310 - 230 a C) foi o primeiro astrónomo a propor que a Terra gira em torno do Sol, em oposição ao geocentrismo há muito defendido por Eudóxio e por Aristóteles. Este audacioso modelo heliocêntrico só foi reconhecido e validado mais de mil anos depois, por Nicolau Copérnico (1473-1543). Para Aristarco, era mais lógico admitir que um astro menor girasse em torno de um maior, numa visão que se opunha à dos seus antecessores. Aristarco defendia, ainda, que a Terra possui movimento de rotação e realizou cálculos geométricos das dimensões e distâncias da Terra ao Sol e da Terra à Lua e tentou determinar o tamanho destes dois astros. Embora o método utilizado fosse correcto, os erros nos seus cálculos devem-se, sobretudo, à imperfeição dos instrumentos que utilizou.

Astrónomo, geógrafo, matemático, poeta e bibliotecário da grande Biblioteca de Alexandria, Eratóstenes (285-194 a C.) determinou o valor de 23o 51' para a obliquidade da eclíptica, determinou os valores da circunferência e do raio da Terra, o que pressupõe que, já nessa altura, o planeta era visto como uma esfera.

Eratóstenes constatou, muito antes de Leonardo da Vinci, que havia conchas de moluscos marinhos, no interior das terras, a centenas de quilómetros do litoral, o que o levou a aceitar que, no passado, essas terras haviam sido fundo marinho.

Estrabão (64 a C. - 24 d C.), geógrafo grego, chamou a atenção para a existência de “pedras com a forma de conchas” em regiões afastadas do litoral e concluiu pela presença do mar, nessas terras, em tempos passados. Assim, defendia que os mares se convertiam em terras e vice-versa. Admitia, ainda, que movimentos verticais ascendentes e descendentes, quer dos continentes, quer do substrato oceânico, eram responsáveis por essa permuta de terras e mares. Procurou relacionar a elevação das montanhas (comprovada a partir da presença aí de conchas de moluscos marinhos) com a existência de um fogo central que alimentava os vulcões. Admitia afundamentos e soerguimentos dos terrenos motivados por sismos e por grandes deslocamentos de terras. Procurou mostrar que as montanhas se convertiam em planícies e estas, novamente, em montanhas e relacionou a erosão com o assoreamento. Na sua visão do mundo, as fontes e os rios surgiam e desapareciam. Ao observar o Etna e a ilha vulcânica de Ischia (Pitecusas) no Mar Tirreno, Estrabão admitiu que os ventos ateavam o fogo vulcânico. Nessa altura, com o Vesúvio adormecido, descreveu-lhe o cimo “como um lugar que havia estado incendiado em outros tempos e que se apagara por falta de combustível”. A sua “Geographia”, um tratado monumental, em 17 volumes, foi uma das duas publicadas na Antiguidade. A outra, um pouco mais tardia, foi a de Ptolomeu.

Ovídio (43 a C-17 d C), o poeta romano, deixou-nos em verso alguns conceitos que pôs na boca de Pitágoras (579 – 497 a.C.) alusivos à tendência universal para a mudança, não só a das coisas vivas, mas também das mortas. E nas coisas mortas estavam, entre muitas outras, as terras e os mares, as montanhas, os rios e as rochas. Dizia ele: tudo flui, tudo muda, nada morre. Embora ele tenha posto estas afirmações na boca do filósofo e matemático grego, não se sabe de onde Ovídio as tenha retirado.

Em alguns dos seus versos, diz-se claramente que se encontram conchas marinhas (fósseis) no interior das terras, que há terras que emergem e que há outras que se afundam, dando lugar a mares (mas não explica como), que as águas desgastam as montanhas, aplanando-as (sem que haja alusão a acções catastróficas) e que as condições climáticas mudam com o tempo. Estas ideias contrariavam crenças antigas que, entre outras, defendiam a imutabilidade das linhas de costa e o carácter sagrado das montanhas, pelo que falar do avanço ou recuo dos litorais e da erosão destes relevos era dificilmente aceite.

O poema Aetna, da segunda metade do século I, de autor romano desconhecido, põe em destaque as preocupações da época no domínio do vulcanismo. Fala de uma fornalha alimentada por enxofre, alúmen e asfalto que se incendiava devido à presença de "lapis molaris" uma lava que largava chispas quando percutida. Esta visão poética antecipa a concepção neptunista do século XVIII, do alemão Abraham Gottlob Werner, da Academia de Minas de Freiberga, que defendia que os vulcões eram alimentados pela combustão de carvão e betume existentes no subsolo.
Caius Plinius Secundus (23 – 79 d C), mais conhecido por Plínio, o Velho, eclesiástico veneziano morto na histórica erupção do Vesúvio, no ano de 79, tem lugar de destaque no progresso das ciências da Terra através da sua monumental História Natural, em 37 volumes.
Aí se encontram algumas descrições de minerais, em especial dos utilizados como pigmentos, como minérios e como gemas. São dele, entre outros, os termos silex, sablum (areia), calcarius (calcário), succinum (âmbar), bitumen (betume), lapis specularis (gesso em placas transparentes e brilhantes), creta (cré) e cabunculum (nome dado ao rubi, à espinela vermelha e à granada da mesma cor). À semelhança de Estrabão, atribuía a elevação das montanhas ao fogo central.

Astrónomo, geógrafo e matemático grego, Cláudio Ptolomeu foi o responsável pela grande divulgação do geocentrismo, uma ideia de há muito defendida por Eudóxio Cnido e por Aristóteles, bem do agrado da Igreja e que dominou, entre as elites intelectuais, maioritariamente religiosas, por quase quatro séculos. Dos escritos que nos deixou, envolvendo temas de astronomia, matemática, óptica e teoria musical, salienta-se a sua “Geographia”, em 8 volumes. Esta obra, que reúne todo o conhecimento geográfico greco-romano, inclui um mapa da região mediterrânea, com os erros decorrentes das limitações próprias da época.

Na imagem: Erupção do Vesúvio no ano 79 dC.

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