quinta-feira, 4 de junho de 2020

Poderemos algum dia viajar mais rápido do que a luz?

É uma hipótese a que todos já fomos expostos pelas suas representações na ficção, em particular no universo cinemático e televisivo. Viajar à velocidade da Luz é uma matéria há décadas estudada e que parece ser possível, na teoria. No entanto, ainda há muito a descobrir para se darem passos significativos
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Fonte: aqui



Quem, como eu, gosta de Star Trek está mais do que familiarizado com os métodos de propulsão utilizados pelas suas naves estelares, em particular, com o Warp Drive. Existe toda uma terminologia fictícia em torno desta tecnologia imaginada nos anos 60 para permitir que o Capitão Kirk e a tripulação da Enterprise viajassem pela galáxia e, de uma semana para a outra, se pudessem já encontrar num sistema estelar diferente.

Em 1994, o físico mexicano Miguel Alcubierre Moya publicou um artigo na revista Classical and Quantum Gravity onde estabelece os princípios de funcionamento de um Warp Drive. Alcubierre mostrou que as equações de campo de Einstein, as equações fundamentais da teoria da Relatividade Geral, têm soluções que permitem viajar mais rápido do que a luz.

A propulsão de Alcubierre, como ficou conhecida, contorna a impossibilidade de se atingir a velocidade da luz mantendo o objeto parado relativamente ao seu referencial local. O movimento aparente é obtido através da contração do espaço na frente do objeto e da expansão do espaço na sua retaguarda. Desta forma, é teoricamente possível viajar entre dois locais no universo a uma velocidade superior à da luz sem violar as leis da Física, tais como as conhecemos. A proposta era suficientemente consistente para ser considerada de forma séria.

Em 1996, a NASA criou o projeto Breakthrough Propulsion Physics, liderado por Marc G. Millis, para estudar tecnologias avançadas de propulsão espacial que poderiam ser tornadas possíveis por novas descobertas na Física. Até ao cancelamento deste projeto, um total de catorze potenciais métodos de propulsão foram estudados, quer do ponte de vista teórico, quer com estudos experimentais. Desses, foi possível excluir seis como não sendo viáveis, em quatro não foram obtidas conclusões e outros quatro foram identificados como oportunidades para continuar a pesquisa. O Motor de Alcubierre encontra-se neste último grupo.

No mesmo sentido, a ESA encomendou em 2002 o estudo Gravity Control and Possible Influence on Space Propulsion aos físicos Orfeu Bertolami, que na altura trabalhava no Instituto Superior Técnico e atualmente na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e Martin Tajmar. Este estudo concluiu que, no estado atual do conhecimento, os métodos de propulsão por controlo da gravidade propostos apenas permitiam pequenos ganhos e não havia garantia que levassem a ruturas.

Legenda: Visualização da contração e expansão do espaço-tempo no Warp Drive conforme proposto por Alcubierre créditos: Wiki Commons, Allen McC

Um dos principais problemas é a enorme quantidade de energia necessária para criar os campos gravitacionais que provocariam as distorções no espaço-tempo necessárias para causar o movimento. As estimativas oscilam entre uma massa superior à massa de todo o universo visível e a massa de Jupiter. Lembremo-nos que, na relatividade, massa e energia são equivalentes através da conhecida fórmula E=mc^2. Um hipótese de resolver este problema seria conseguir usar a própria densidade de energia do vácuo, conforme é previsto pelas teorias quânticas. Isto poderia permitir obter as densidades de energia necessárias, mas ainda é apenas uma possibilidade especulativa.

Além de serem necessárias grandes quantidades de energia, as distorções no espaço-tempo que criariam o movimento na propulsão de Alcubierre implicam a criação de uma região de densidade de energia negativa. Este requisito exige a existência daquilo a que se chama habitualmente “matéria exótica”, ou seja, matéria composta por partículas desconhecidas e que podem, ou não, existir.

Mesmo resolvidos os problemas da energia, há o potencial problema dos paradoxos de causalidade. Permitir viagens a velocidades superiores à da luz, na prática, é equivalente a permitir viajar para trás no tempo. Em termos simples, significa que a resposta a uma mensagem pode chegar à origem de emissão do sinal antes de o próprio sinal ser emitido. Num exemplo mais cinematográfico, significaria que eu poderia viajar para trás no tempo matar-me a mim próprio no passado. Este tipo de situações chamam-se "Paradoxos de Causalidade". O universo não deverá permitir este tipo de paradoxos, ainda que não se conheçam os mecanismos concretos que os impedem.

Sabemos, no entanto, que a teoria da Relatividade Geral é uma teoria incompleta. Espera-se que exista uma teoria de gravitação quântica que a irá substituir. Esta futura teoria poderá incluir mecanismos que impeçam quaisquer paradoxos de causalidade e, consequentemente, a construção de um Warp Drive. Em particular, Stephen Hawking propôs uma "Conjectura de Proteção da Cronologia", uma hipótese em que as leis da Física proíbem as viagens no tempo, a não ser à escala microscópica. Uma futura teoria de gravitação quântica pode vir a confirmar esta conjectura. Na verdade, já há alguns resultados que parecem ir nesse sentido.

Mesmo antes de se pensar em como seria a tecnologia de um método de propulsão como este, o estudo teórico está longe de estar completo. Por essa razão, no ponto em que estamos, com todas as lacunas que há a preencher, esta será uma hipótese para continuar a estudar de forma séria. Na pior das hipóteses, viremos a concluir que é uma impossibilidade, mas apenas depois de fazer muitos trabalhos interessantes, obter muitos resultados importantes e, quem sabe, encontrar outras propostas para métodos de propulsão espacial revolucionários.

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