quarta-feira, 25 de março de 2020

Opinião Daniel Oliveira -O tsunami que se aproxima

Não sei a melhor forma de combater este vírus. Acredito no que dizem os especialistas, sabendo que, passo o pleonasmo, os especialistas dizem o que sabem sobre o que sabem. No caso dos epidemiologistas, sobre como se trava uma epidemia. Não ponderam, porque não é esse o seu papel, o custo e o benefício das medidas que propõem para além da sua especialidade. Geralmente, um epidemiologista não sabe se a medida de contenção que propõe causa tal dano social ou económico que prejudicará mais a saúde pública do que está a prevenir. E é por isso que quem deve explicar a melhor forma de conter um vírus deve ser um epidemiologista, quem deve explicar a melhor forma de conter a crise económica que aí vem deve ser um economista e a pessoa capaz de ponderar cada medida é o político, com a ajuda destes e de outros técnicos. Porque é ele que tem o retrato geral.

Quando sairmos de casa é bom que tenhamos empregos para onde voltar. São eles que nos dão de comer e saúde. É por isso que todas as medidas tomadas devem ser proporcionais. Sobretudo quando agimos perante o desconhecido. A crise que aí vem terá dimensões ciclópicas.

A falta de retrato geral não nos pode fazer correr o risco de passar do oito para o oitenta, como é habitual neste tempo de histeria em rede. Da despreocupação para a paralisia. Quando se fala de preservar, na medida do possível, o dia seguinte à epidemia, a resposta é irada, como se tivesse falado o mais imbecil dos irresponsáveis. Um criminoso, mesmo. O dia seguinte vê-se depois, respondem. 

Lamento, mas não pensar no dia seguinte, mesmo no meio de uma crise, é que é típico dos irresponsáveis. Porque quando sairmos de casa é bom que tenhamos empregos para onde voltar. São eles que nos dão de comer e saúde. É por isso que todas as medidas tomadas devem ser proporcionais. Sobretudo quando agimos perante o desconhecido.

Como ninguém está para a ir virado – um pânico de cada vez –, não se prestou a atenção normal a expressões tão coloridas como “tsunami económico” e “economia de guerra”, usadas pelas principais figuras deste governo. A crise que aí vem, é bom prepararmo-nos, terá dimensões ciclópicas. E se tomarmos decisões apenas movidos pelo pânico coletivo — e não pela ponderação de vários fatores —, ela será uma autêntica tragédia humanitária à escala nacional, europeia e global. Que não deixará de ter efeitos políticos que, também eles, farão as suas vítimas.

O Governo apresentou um pacote económico a que poucos portugueses ligaram. Estava tudo entretido com o estado de emergência, julgando que as estradas iam ser barricadas no dia seguinte. 

Ou que o vizinho do lado que teima em por o nariz fora da janela ia ser finalmente caçado pelas autoridades. Mas há uma urgência que pode vir a ser, nas suas consequências para a nossa sobrevivência e saúde, tão importante como o combate à Covid-19: garantir que a nossa capacidade produtiva não se evapora de um dia para o outro. Recordo que o nosso SNS depende de recursos financeiros e que eles dependem da economia. E um SNS dizimado causará mortes que nunca ninguém contabilizará.

O objetivo das medidas apresentadas é dar liquidez às empresas. Não é um pacote de estímulo económico. É, apesar da disponibilidade financeira de 9.200 milhões de euros, um pequeno kit de primeiros socorros para que a pancada não se sinta toda já. Uma tentativa desesperada do Governo para que as empresas cheguem ao fim desta epidemia com capacidade de, pelo menos, voltarem a funcionar. Não cura, nem sequer previne. Apenas dá um bocadinho de oxigénio. Que não é eterno se a espiral de ansiedade e medo tomar conta de tudo.

Depois das primeiras medidas para dar um sinal às empresas e aos trabalhadores de que o Governo iria fazer alguma coisa, Pedro Siza Vieira e Mário Centeno avançaram com estas, um pouco mais ambiciosas para as empresas, prometendo para mais tarde medidas para os cidadãos. Medidas que não poderão ignorar o apoio a quem vai deixar de conseguir pagar a prestação ou a renda de casa. Por agora, e muito resumido, é isto: prorrogações de prazos de pagamentos ao fisco e à segurança social, uma moratória que suspende o pagamento de juros e de capital a empresas que não o consigam pagar, uma linha de crédito de 3 mil milhões de euros para as empresas.

Os apoios a empresas devem, apesar da urgência, ter alguns critérios sociais. O presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, não gostou das regras da linha de crédito e, qual incendiário, lançou a sugestão de despedimentos imediatos. E a CCP não se dirige a pequenos lojistas aflitos. Parece-me evidente que os apoios públicos devem ser dirigidos apenas a quem esteja realmente a segurar o emprego. Seria extraordinário que o estado de emergência obrigasse a trabalhar, proibisse a greve, mas deixasse aos patrões toda a liberdade para despedir.
Não falta muito para o Governo ficar sem munições. Respostas mais robustas têm de vir da Não Europeia. Se se comportar como em 2008, manda gastar agora e depois deixa os mais frágeis de calças na mão. A estreia de Christine Lagarde nesta crise fez antever o pior. Não ofereceu um “tudo o que for preciso” de Mario Draghi aos mercados. Num momento de enorme incerteza e receio, disse que não competia ao BCE reduzir os spreads das taxas de juro da dívida pública, com imediatos reflexos nas bolsas. Esta quinta-feira, deu um sinal diferente: o BCE anunciou a compra de ativos do sector público e privado no valor de 750 mil milhões de euros. Os resultados foram imediatos, com os juros da dívida dos países periféricos a cair. Veremos se é consequente. Se não for, o que aí vem enterrará de vez a União.

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