quinta-feira, 11 de maio de 2017

É a energia estúpida, por João Camargo


«(…) O relatório é assinado por cientistas, nomeadamente da BP, da BMW, da ENEL, da Federação da Indústria Motora, da Fundação Kuwait e da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Os cenários de energia são baseados nos relatórios da IEA, que por sua vez utiliza os dados da Exxon-Mobil, da Shell, da Chevron, da BP, da Total e da Statoil. Ironicamente, ao longo das últimas décadas, as petrolíferas e, consequentemente, a IEA sobrevalorizaram o futuro consumo de combustíveis fósseis e subvalorizaram o desenvolvimento as energias renováveis. Em 2010 a agência previa que só em 2024 se atingiriam 180 GW de capacidade de energia solar PV, valor que foi atingido em 2015. A potência de energia eólica prevista em 2002 para 2030 foi atingida em 2010. Perante o mais baixo nível de investimentos em combustíveis fósseis em 60 anos (acompanhando um investimento recorde em renováveis), a IEA apelou em 2016 a um reforço do investimento em fósseis. 

Portanto, os dados utilizados são dados que projectam um contínuo crescimento económico da indústria petrolífera, o que não bate com a realidade e, mais do que uma avaliação imparcial, fornece uma lista de desejos (das petrolíferas). Se adicionarmos que as petrolíferas como a Exxon-Mobil, a Texaco e a Shell sabiam desde os anos 70 do século passado da ameaça das alterações climáticas causadas pela queima de petróleo, gás e carvão, e que passaram os últimos 20 anos a pagar a negacionistas para evitar acção climática, ficamos mais tranquilos em relação à credibilidade.


(…) Em vez de usarem mensageiros, as petrolíferas devem responder pelos seus interesses económicos. A adjectivação e a invectiva pessoal têm pouco valor, mesmo acompanhadas de título e de cátedra, especialmente quando a única fundamentação dada para responder a uma carta de 66 cientistas preocupados com o futuro é usar os relatórios dos interesses de uma indústria de energia estúpida que, mesmo na queda, teima em levar-nos a todos para o caos climático.»

João Camargo in É a energia estúpida – Sábado 9mai2017

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