domingo, 20 de março de 2011

Tempo poético: Aurora Boreal

Aurora boreal



Tenho quarenta janelas nas paredes do meu quarto. 
Sem vidros nem bambinelas posso ver através delas o mundo em que me reparto. 
Por uma entra a luz do Sol, por outra a luz do luar, 
por outra a luz das estrelas e o amor dos homens, e o tédio, que andam no céu a rolar.




Por esta entra a Via Láctea como um
vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão. Pela maior entra o espanto, pela menor a certeza,
pela da frente a beleza que inunda de canto a canto. 
Pela quadrada entra a esperança de quatro lados iguais, quatro arestas, quatro vértices, quatro pontos cardeais 
Pela redonda entra o sonho, que as vigias são redondas, e o sonho afaga e embala à semelhança das ondas.




Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o medo, e a melancolia, e essa fome
sem remédio
a que se chama poesia, e a inocência,
e a bondade,
e a dor própria, e a dor
alheia, e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,

e o grande pássaro branco, e o grande
pássaro negro que se olham obliquamente, arrepiados de medo,
todos os risos e choros, todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra nas minhas
quatro paredes. 
Oh! janelas do meu quarto, quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.
António Gedeão

2 comentários:

Unknown disse...

O mundo é composto por tantas janelas e fresta que em cada uma um novo mundo se apresenta. E se não tomarmos cuidado olharemos o que não devemos ver, ou o que não queremos ver e as angústias da alma nos tomaram e nos levarão a fugir ou adentrar no mundo em que vemos.

João Soares disse...

Bem observado.
Obrigado e até breve.