quinta-feira, 17 de maio de 2007

Aves nas Cidades - Aves e Cidades


1. Artigo de Maria Guimarães

Há mais aves nos grandes centros urbanos hoje?

Bebedouros com água e açúcar, potes com frutas e sementes, casinhas para ninho. Estratégias para atrair passarinhos fazem parte do dia-a-dia de muitos habitantes de grandes cidades. Em anos recentes, apreciadores de aves têm notado um aumento em número e diversidade de aves urbanas. Mas será que esse aumento reflete a realidade?
A impressão, ainda não confirmada por estudos científicos, vem tanto de leigos como de especialistas. "Lá em casa há um número surpreendente de pássaros no quintal. Sempre achei que estivesse relacionado à presença da jabuticabeira que anda muito produtiva", diz a urbanista Regina Meyer, da Universidade de São Paulo (USP). Pedro Develey, ornitólogo (especialista em aves) e autor do guia de campo Aves da Grande São Paulo (2004), concorda que há uma impressão geral de que houve um aumento das aves na cidade mas acredita ser difícil avaliar a realidade, já que não existiu um monitoramento anterior: "Os principais trabalhos sobre aves urbanas começaram mais recentemente, cerca de 15 anos atrás", diz. Na sua opinião, o que mudou foi percepção das pessoas. "A constante presença de notícias na mídia em geral teve uma grande contribuição nessa maior valorização e percepção das pessoas em relação às aves", sugere. O bom índice de vendas de seu guia de campo, cerca de 4,5 mil exemplares desde o lançamento em 2004, ilustra o interesse do público em relação às aves.
A impressão de aumento populacional é confirmada por Elizabeth Höfling, ornitóloga do Instituto de Biociências da USP e autora do livro Aves no campus, que reúne informações sobre as aves presentes no campus da USP. Elizabeth conta que a primeira edição, de 1993, lista 130 espécies de aves. Na terceira, de 1999, o número cresceu para 146 espécies. A quarta edição está sendo finalizada pela autora, e contará com 156 aves diferentes. Segundo a pesquisadora, agora se vê a pomba-de-bando (Zenaida auriculata) que antes não era vista, e o papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) era mais raro do que agora. Porém, ela avisa que as diferenças entre os levantamentos sucessivos não refletem somente um aumento real no número de espécies, pois quanto mais longo o tempo de observação, mais se descobre sobre um ambiente. A ornitóloga, porém, acredita que houve de fato um aumento no tamanho das populações nas cidades, embora falte um trabalho de censo.

Cidades mais hospitaleiras?
Qual seria a causa de um aumento na população de aves das cidades? Elizabeth acredita que o elemento mais decisivo é o "fim do estilingue". Ela conta que durante a sua infância era comum crianças capturarem aves. Hoje em dia, a ornitóloga acredita que houve uma mudança cultural, que se deve em grande parte à veiculação de campanhas de proteção aos animais através dos meios de comunicação.
Há quem diga que a redução das áreas de floresta ao redor das cidades forçou as aves a mudarem-se para as áreas urbanas, mas de acordo com especialista não é isto que ocorre. "As aves que se vê nas cidades são principalmente aquelas de áreas abertas", diz. Develey concorda, mas acredita que as aves que vivem em áreas verdes ao redor de áreas urbanas podem aventurar-se pela cidade, mesmo que ocasionalmente. "Elas não se estabelecem, voltam para as áreas de mata nos entornos para se reproduzir", explica.
Por outro lado, o aumento de áreas verdes dentro das cidades poderia causar um aumento na população de aves. Mas áreas verdes não bastam. Elizabeth Höfling adverte que isso só ocorre se for instaurada a cadeia alimentar completa. Por exemplo, árvores floridas atraem insetos que são essenciais para certas aves. A urbanista Regina Meyer diz que hoje em dia há mais áreas verdes associadas a certos tipos de habitação. "Há uma quantidade muito grande de condomínios fechados em São Paulo", diz. Esses condomínios incluem áreas verdes, que embora de baixa qualidade em termos paisagísticos, segundo Meyer, talvez reúnam os atributos necessários às aves. O ornitólogo Develey acredita que um bairro bem arborizado proporciona mais abrigo e alimentação do que áreas de pasto, por exemplo.

O futuro da conservação
Apesar de uma conscientização ecológica mais presente nos meios de comunicação, o mundo está cada vez mais carente em áreas verdes. É preciso que haja um movimento generalizado na direção de se instituir mais parques, arborizar as cidades de forma a possibilitar a sobrevivência de uma maior diversidade de organismos. Uma nova disciplina para tratar do embate entre humanos e os demais seres vivos foi proposta por Michael Rosenzweig, da Universidade do Arizona (EUA), a "ecologia da reconciliação". Em seu polêmico livro Win-win ecology (Oxford USA Trade, 2003), Rosenzweig argumenta que o conservacionismo tradicional já não é suficiente, visto que humanos ocuparam boa parte da Terra — e não pretendem desocupá-la. É preciso, então, encontrar estratégias para permitir que as exigências da vida humana sejam compatíveis com as necessidades ecológicas de outras espécies. Como? A resposta varia conforme características locais. O ecólogo Marco Pizo, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), sugere utilizar o conhecimento existente para planejar áreas de lazer. "Nas grandes cidades, além de aumentarmos as áreas verdes, poderíamos, por exemplo, usar plantas que fornecem recursos alimentares para as aves e prover locais de nidificação para elas", propõe. Por enquanto, na falta de estratégias mais abrangentes, o jeito é continuar com nossas pequenas contribuições à vida das aves.

2. Escutar e observar aves entre o barulho da cidade,por Rita Carvalho
Objectivo da acção em Lisboa foi dar a conhecer as aves mais comuns
O jardim da Gulbenkian, bem no centro de Lisboa, não é certamente o local mais apropriado para observar aves migradoras. Aquelas que chegam a percorrer 20 mil quilómetros para alcançar um habitat agradável. Mas o local para assinalar o Dia Mundial das Aves Migradoras não tinha esse objectivo, destinava-se apenas a dar a conhecer aves comuns. As que todos já ouviram falar mas na prática não sabem identificar.Os binóculos e telescópios montados na relva em redor do lago do jardim pertencem à Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), promotora da actividade, e atraem curiosos. Destinam-se a olhar aves comuns como o melro, preto de bico amarelo, a andorinha, o verdilhão ou a galinha de água, que insiste em esconder-se na margem.As crianças são as mais entusiastas, pedindo espreitadelas pelos telescópios e explicações a quem sabe. Beatriz tem 10 anos e os fins de semana no jardim vão ser diferentes a partir de agora, pois o que aprendeu permite-lhe ver as coisas de outra forma . "Gosto disto", confessa, mostrando já distinguir as espécies que nadam no lago. E cada vez são mais os interessados nas acções de observação, diz Alexandra Lopes, da organização. A prova é que os sócios da SPEA não têm parado de crescer.


Aves na cidade
O processo de urbanização transforma profundamente os ambientes naturais, criando uma paisagem variável, à medida em que se intensifica o adensamento das construções. Povoamentos pequenos podem ainda preservar muitas áreas com cobertura vegetal, nos quintais e jardins das casas e nas vias públicas. A pequena extensão da área construída, e o mosaico de áreas vegetadas permite um contato estreito com as comunidades de aves do entorno e da região. Algumas espécies já podem mostrar uma afinidade com este espaço alterado, demonstrando sua tendência sinantrópica (etimologicamente = amigo do homem). Alguns fatores responsáveis por esta atração podem ser apontados. A maior disponibilidade de locais para ninhos, como cavidades artificiais, pode atrair aves que se utilizam destes lugares, como a corruíra, Troglodytes musculus. A ocorrência nestes espaços de uma concentração maior de espécies vegetais atrativas para aves por seus frutos e flores, muitas destas exóticas, como diversas plantadas em pomares, podem atrair espécies de frugívoros e nectarívoros, como o sabiá-laranjeira, Turdus rufiventris, e o beija-flor-rabo-de-tesoura, Eupetomena macroura. Também a tendência moderna de fazer a arborização urbana de vias públicas com espécies de importância biológica para a fauna é um fator a ser considerado. Restos de alimentos humanos podem ser aproveitados também por diversas espécies, notadamente pelo pardal, Passer domesticus, mas também por outras como o bentevi, Pitangus sulphuratus. A disponibilidade aumentada de ratos, próximo de habitações humanas, pode atrair predadores como o gavião-peneira, Elanus leucurus, ou o falcão, Falco sparverius. Práticas de atração de aves, com a colocação de fontes de água, alimentos, bebedouros para beija-flores e caixas para ninhos, podem também ser fatores responsáveis pelo adensamento populacional de algumas espécies nos ambientes urbanos. Por outro lado diversas espécies tendem a desaparecer, especialmente aquelas dependentes de hábitats específicos ou especialistas em seus hábitos alimentares e reprodutivos. A presença de muitas destas no ambiente urbano dependerá de quanto o processo de transformação do ambiente natural permitir a manutenção de áreas remanescentes destes ambientes ou mesmo áreas relativamente urbanizadas que funcionem como "arremedos" destes ambientes naturais.
Com o adensamento do processo de urbanização, verticalização das construções e progressiva redução dos espaços verdes, processo chamado por alguns de "desertificação antrópica" ou "savanização" do ambiente, reduzem-se as possibilidade de ocorrência das espécies.
Algumas questões conceituais precisam ser esclarecidas. A expressão "aves urbanas" frequentemente usada para referir-se às espécies encontradas nas cidades é um termo impróprio, pois indica espécies próprias do ambiente urbano, da mesma forma que "aves da mata" ou "aves campestres" indicam espécies típicas destes ambientes. Entretanto, a única espécie típica do ambiente urbano por excelência em nosso meio é o pardal, Passer domesticus, espécie exótica aqui introduzida. Sem considerar o pombo-doméstico, Columba livia. Por outro lado é indiscutível que diversas outras espécies de aves parecem ter uma afinidade tal com o ambiente urbano que permite que nestes espaços tenham densidades populacionais maiores que nos próprios ambientes naturais, de onde são originárias. Esta diferença ou gradiente nas densidades populacionais pode ser medida, indicando diversos graus de sinantropia e com base nisto podem ser nomeadas as diversas situações:
  • A cidade simula, grosso modo, uma savana, ou seja, espaços abertos campestres ponteados com vegetação arbórea dispersa. Desta forma, as espécies mais prováveis de se encontrarem nela são as próprias deste tipo de ambiente. Estudos realizados em fragmentos florestais de diversos tamanhos mostraram a sucessão de desaparecimento de espécies de aves. Estas são então as menos prováveis de serem vistas nas cidades. Podem desta forma serem usadas como "bioindicadores" do processo de transformação ambiental.
  • A disponibilidade de alimento é um dos fatores principais da distribuição das espécies. Na cidade, a impermeabilização do solo e redução dos espaços verdes leva à redução da produção de insetos e consequentemente das aves insetívoras. Por outro lado, o plantio seletivo de espécies vegetais frutíferas, tanto em pomares como na arborização de vias públicas, prática que tem sido adotada modernamente, favorece as espécies frugívoras. Uma análise técnica disto pode ser feita por meio das chamadas guildas, que são grupos de espécies que têm hábitos alimentares parecidos, também no que é comido como na forma de obtenção destes alimentos. Nesta análise percebe-se que as guildas mais favorecidas no ambiente urbano são as de aves que têm regimes alimentares onívoros, ou seja, que se valem de diversos tipos de alimentos. Também os frugívoros. Insetívoros exclusivos tendem a desaparecer. Alguns de pequeno porte, que se alimentam de pequenos insetos nas ramagens das árvores podem permanecer mesmo em pequenas praças e ruas arborizadas, como o risadinha, Camptostoma obsoletum e o teque-teque, Todirostrum cinereum. O acúmulo de detritos urbanos em muitos pontos da cidade podem manter grandes populações do urubu, Coragyps atratus. Aves piscívoras podem ser vistas com alguma facilidade, sempre próximo aos lagos piscosos.
  • As cidades são lugares também onde muitas espécies exóticas à região podem ser soltas ou escaparem do cativeiro, colonizando-a. O Parque Ibirapuera em São Paulo é um bom exemplo, tendo se instalado ali uma população do cardeal, Paroaria dominicana. Há reportagens antigas de jornais que relatam a prática de autoridades soltarem ali aves comemorando o Dia das Aves, e entre estas são citadas os "cardeais". Da mesma forma um pequeno grupo da maracanã-nobre, Dyopsittaca nobilis, procedente de apreensão de cativeiro, foi solto e hoje parece está em franco crescimento, já tendo sido vistas em variadas áreas verdes da cidade de São Paulo.
  • Mesmo espécies raras e consideradas ameaçadas de extinção ocasionalmente são vistas em áreas verdes urbanas. É possível que estas espécies se valham destas áreas em suas rotas migratórias ou deslocamentos e esta função das áreas verdes urbanas precisa ainda ser melhor estudada.
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