quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Eco-Previsõses versus Eco-Projecções

Imagem do Programa NASA Estimating the Climate and Circulation of the Ocean (ECCO) project. Clique aqui para visualizar a animação (mpeg)

A ONU AINDA MEXE: CENÁRIOS À LA CARTE
Por Afonso Cautela

O relatório da ONU sobre o estado de sítio mundial (nome de guerra: IPCC, sigla inglesa de Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) voltou às páginas do jornal «Público», desta vez pela pena muito mais precavida e prudente do Ricardo Garcia, que evita a parte tão interessante apontada, um dia antes, no mesmo diário (4/Maio/2007) pela jornalista Clara Barata que, em antecipação, escrevera coisas giríssimas sobre e à volta do relatório (1) exaltando o sonho e as fantasias psicadélicas dos senhores cientistas que querem salvar o Planeta Terra. Agora que o relatório já foi divulgado, em Banguecoque, quem tiver paciência de ler o original na íntegra e em inglês,(2) poderá gozar muito mais. No artigo do Ricardo Garcia, pós-relatório, vale a pena referir o previsionismo em que os cientistas se mostram exímios. Especialistas na técnica da ameaça, ninguém os bate. Previsões para amanhã são arriscadas, pois nunca sabemos, neste tempo-e-mundo, se vai haver amanhã e se vamos acordar vivos. Mas quando o eco-previsionismo, com lances proféticos, se alarga para daqui a 20, 30, 200 ou 2.000 anos, é seguríssimo que acertará, já que ninguém daqui a 20, 30 ou 2.000 anos vai cá estar para confirmar. Talvez os cientistas se divirtam a fazer cenários, coitados têm que se desembaraçar da encomenda o melhor que sabem. Mas calcular probabilidades - ainda por cima em área tão flutuante como o clima - classificando tudo isso de ciência exacta (!) - é que é mesmo dançar em pontas sobre o abismo, a clássica distracção dos sábios. De cada vez que vejo previsões daqui a 2 ou a 2000 anos, digo cá comigo: oxalá tenham razão, talvez nos encontremos no outro mundo e certamente que iremos beber um copo e lamentar que os senhores da ONU tivessem acordado tão tarde. Quem diz ONU, diz PNUD (ainda existe?), diz PNUMA (ainda existe?), diz OMS (ainda existe?), diz FAO (ainda existe?). Curioso como organismos internacionais de tal magnitude, que estiveram na berra nos anos 70, 80 e até 90 do século passado, tivessem sumido pelo cano abaixo e já não façam, como então faziam, manchete diária dos jornais. Com saudade o digo, pois animavam muito o meio ambiente, já que as ameaças, nessa altura, eram do apocalipse demográfico (superpopulação, lembram-se?), do apocalipse atómico, do apocalipse químico (pesticidas, medicamentos & arredores).O apocalipse alimentar (a fome), era liderado pelos sábios da leguminosa seca alojados na famosíssima FAO (Organização para a Alimentação e Agricultura) e do apocalipse climático falava-se ainda muito pouco, o Al Gore ainda não era nascido e havia também, creio, a OMM, Organização Meteorológica Mundial, encarregada de nos dizer que tudo corria à maravilha no reino das tempestades: ainda não tinha chegado El Niño com toda a sua corte de horrores. Todas estas organizações, encarregadas de vigiar o destino mundial da humanidade e o destino humano do Mundo, até parece que foram tragadas pelo CO2: talvez esses organismos especializados das Nações Unidas também sejam, hoje, considerados «ameaças globais» e convenha portanto mantê-los na reserva. Resumindo e concluindo e como o jornalista Ricardo Garcia muito bem descreve no seu belíssimo artigo, o relatório de Banguecoque (4/Maio/2007) rege-se pela seguinte filosofia: «Combater as alterações climáticas é urgente, possível e relativamente barato». «É o último volume de uma trilogia de relatórios concluída este ano pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), criado em 1988» «Se nada for feito, as emissões de gases com efeito de estufa poderão subir de 25 a 90 por cento até 2030. «Limitar a 2,0 graus Celsius o aumento de temperatura até 2.100 reduzirá em 3 por cento o PIB mundial em 2030 e 5,5 por cento em 2050.»Segundo o físico hoje mais célebre do Mundo, Stefan W. Hawking, o fim do Universo - big crush - só se prevê para daqui a uns milhões de anos. Até lá, vamo-nos entretendo com os relatórios do IPCC e pensar o que faremos, cá em casa, até 2050, o mais tardar.

____(1)Penitencio-me aqui de um lapso na minha mensagem de ontem sobre o artigo de Clara Barata: afinal está acessível, na íntegra, numa secção on line do jornal chamado Ecosfera.
____(2) O próprio relatório, em inglês e em PDF, também lá está.

Por Miguel Araújo (adaptado)

A quantidade de contra-informação que circula sobre o tema climático (de ambos os lados da barricada) é de tal magnitude que seria necessário estar reformado para poder responder a tudo. (...) quando o eco-previsionismo, com lances proféticos, se alarga para daqui a 20, 30, 200 ou 2.000 anos, é seguríssimo que acertará, já que ninguém daqui a 20, 30 ou 2.000 anos vai cá estar para confirmar.

1. Em nenhuma delas se fazem projecções a 200 ou 2000 anos.

2. Teria constatado que muitos dos leitores da ambio ainda estarão por cá daqui a20 ou 30 anos.

3. Finalmente convém salientar que o termo previsão referido noutras partes do texto - é muitas vezes usado de forma imprecisa. O que os cientistas fazem são projecções e não previsões. A diferença entre os doisé patente pela definição do Oxford Dictionary: Prediction = The act offorecasting in advance; Projection = Forecast based on known data.O que fazem os cientistas é formalizar o conhecimento, de forma sintética,em modelos quantitativos. Portanto, projectam e não prevêm. Serão os graus de incerteza dos modelos climáticos apreciáveis? Concerteza apesar dos testes com dados recentes e dados paleoclimáticos serem encorajadores...

4. Como dizia o estatístico George Box: 'models are never true, butfortunately it is only necessary that they be useful. For this it isusually needful only that they are not grossly wrong' (Box, 1979, p. 2).Talvez os cientistas se divirtam a fazer cenários, coitados têm que se desembaraçar da encomenda o melhor que sabem. Mas calcular probabilidades-ainda por cima em área tão flutuante como o clima - classificando tudo isso de ciência exacta (!) - é que é mesmo dançar em pontas sobre o abismo, a clássica distracção dos sábios.Isso da ciência exacta é outra fantasia. Ninguém com juízo perfeito diz que a climatologia é uma ciência exacta (a menos que isto seja outra figura de retórica). E quanto às probabilidades, talvez o Afonso não se tenha apercebido que as probabilidades que os climatólogos calculam (o que é diferente dos best judgements que aparecem nos sumários dos relatóriosdo IPCC) são condicionais; quer isto dizer contingentes dos parâmetros que entram nos modelos (...).

Por Tiago Pais(adaptado)

(...) Achei importante referir apenas um aspecto sobre os modelos climáticos e suas projecções: é preciso não esquecer que um dos principais métodos de validação destes modelos se baseia na precisão com que estes reproduzem as condições climáticas actuais utilizando valores meteorológicos de há decadas! Isto é uma forma muito elegante de confirmar se uma determinada projecção é acertada ou não. Claro que isto não os isenta de falhas, mas serão um bom indicador da sua fiabilidade.

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