terça-feira, 22 de março de 2005

Recados de um (manda-)chuva na prateleira, por Adelaide Chichorro Ferreira

Adelaide Chichorro Ferreira
enviado para publicação a 31.1.2005, publicado a 13 de Março de 2005 no Diário de Coimbra


Em política andam todos a «mandar vir», mas sem sucesso neste assunto em particular. A chuva é caprichosa, não vem quando a pedimos. Por outro lado, também não há manda-chuvas perfeitos. Por mais determinados que se apresentem, por mais ultimatos que façam às nuvens, não conseguem fazer chover, e o que é facto é que só com as lânguidas lágrimas de Inês não vamos a lado nenhum em defesa da vida, a qual não é somente a humana. Mesmo assim, mandar (ao menos um bocadinho) era o que políticos e gestores deviam fazer, porque é para isso que são eleitos ou pagos. O facto é que esta seca já exige atitude (vulgo «tomates»). Por muito que espante o pobre cidadão «televisado», a água dos rios é a mesma que nos sai pela torneira e que rega os tomates, além de que é em muitos casos dela que ainda dependemos em termos energéticos, enquanto não nos rendermos aos painéis fotovoltaicos (e não me refiro somente aos colectores solares). Eis pois algumas sugestões absolutamente necessárias no momento presente, que me foram comunicadas por um manda-chuva virtual há tempos por mim colocado em segurança numa prateleira, já não sei se antes se depois de um tsunami. Encare portanto o leitor esta seca, da política e não só, como um desafio ao seu engenho e adopte uma atitude positiva, mesmo se for para dizer não aos gastos de água supérfluos.

1. Não tome banho de imersão e prefira somente os duches rápidos. Se habitualmente usa o banho de imersão para relaxar, experimente em vez disso massajar-se com umas compressas de água quente no corpo. Se estiver constipado, um pouco de gengibre ralado espremido na água com que faz a compressa faz maravilhas (mas sobre isso consulte um especialista em macrobiótica).

2. Não tome banho todos os dias. Note que se não tomar banho todos os dias salvaguarda as suas feromonas naturais (responsáveis pelo sex-appeal) e poupa muito em hidratantes da pele.

3. Se tiver mesmo que tomar banho de imersão, reutilize pelo menos alguma da água nas plantas da sua varanda e por isso use champôs e sabonetes à base de produtos naturais, que ao menos adubam a terra.

4. Se beber mais líquidos «limpa-se» por dentro também, e talvez isso seja mais importante do que limpar-se apenas por fora.

5. Dilua o champô com água, a fim de não sobrecarregar os aquíferos com produtos químicos, uma vez que quando a água é pouca eles têm mais dificuldade em desaparecer. Além disso, proceder assim dá sensivelmente o mesmo resultado, com a vantagem de não estragar o cabelo (ou os pelos da barba).

6. Feche a torneira quando lavar os dentes e use preferencialmente um copo para bochechar.

7. Não lave a loiça em água corrente: encha primeiro o lava-loiças e não abuse do detergente (ponha apenas um bocadinho para não poluir os aquíferos).

8. Não coma tanto à base de gorduras: custa muito mais a lavar a loiça no fim.

9. Coma menos carne: para se produzir carne é preciso muito mais água do que para cultivar vegetais.

10. Recorra, se puder, a torneiras ou a autoclismos de poupança de água ou regule-os com esse objectivo.

11. Prefira limpar a sanita de vez em quando (reveze-se nesse trabalho com os outros membros da família, estabelecendo um calendário) à colocação de detergentes ou desinfectantes que são activados a cada descarga de água. É seguramente um exagero de «limpeza» que, multiplicado por muitos cidadãos, não contribui para facilitar a vida à estação de tratamento de águas residuais de todos os outros que consigo residem na mesma cidade.

12. Se tiver que trocar de máquina de lavar, dê o devido valor à eficiência energética e ao consumo de água.

13. Reutilize a água que sobra da cozinha nas plantas (por exemplo, água de cozer vegetais, deixando-a arrefecer, ou então restos de chá, etc.).

14. Regue o jardim à noitinha ou de manhã cedo, a fim de que não se evapore tanta água. E seja comedido com a rega de plantas ornamentais. Antes do ornamento está o alimento.

15. Não lave o carro, porque primeiro estão as pessoas e depois os seres vivos, e um automóvel não é um ser vivo. Não é por o bólide ter mais brilho que o charme do dono aumenta. Prefira sorrir e ser simpático, que acaba por resultar melhor. Para salvar a face junto dos amigos, seja pró-activo: coloque na viatura um autocolante anti-lavagem automóvel com um smiley auto-confiante e o seguinte dito: «água mole em chapa dura aqui não dá, que a seca dura»).

16. Evite andar sempre a lavar roupa: em muitos casos, basta pô-la a arejar para voltar a poder ser usada.

17. Se a roupa só tiver uma nodoazita ou outra, lave apenas a parte correspondente da peça de roupa, à mão. Note que se lavar menos tem também menos roupa para passar a ferro, ou seja: poupa trabalho.

18. E não passe a ferro: muita da roupa pode e deve ser simplesmente dobrada, porque o gasto energético com o ferro de engomar não é despiciendo. Ponha a família a ajudar e neste assunto não peça nem esteja com contemplações: exija, fazendo greve se for necessário.

19. Evite fumar ou deslocar-se a locais com muito fumo: uma das principais razões pelas quais lavamos a roupa com muita frequência é para lhe retirar o cheiro a tabaco.

20. Este ano esqueça as piscinas para os miúdos: em primeiro lugar vai estar a prevenção e o combate aos incêndios, que é um problema que nos afecta a todos. Se no entanto tiver que ser, seja comedido e reaproveite a água no fim para regas.

21. Comece já a reunir uns quantos livros interessantes para crianças. Vai ter de lhes contar histórias ou de as entreter jogando jogos com elas, de preferência não de computador (a electricidade vem das barragens, e elas não estão propriamente muito cheias).

22. Invista, se puder, num toldo para a varanda, a fim de que no Verão possa viver com mais conforto em sua casa: é que poderá haver cortes no abastecimento energético devido a sobrecarga por utilização excessiva do ar condicionado, ou então por falta de água nas barragens (e ela pode ser também necessária para combater incêndios ou para a agricultura).

23. Proteja os seus canteiros, se os tiver, com o chamado «mulching»: ou seja, colocando palha na terra, ou os restos dos vegetais usados na cozinha (talos, etc.) para manter a humidade do solo.

24. Vá-se precavendo plantando umas alfaces em vasos mesmo na varanda, em vez de flores. Pode vir a precisar delas daqui a uns tempos (sabem muito bem, até porque estão sempre à mão), e a água deve gastar-se em primeiro lugar naquilo de que necessitamos para comer. A fim de melhorar o resultado, reutilize os restos de vegetais na cozinha para fazer adubo, por exemplo por vermicompostagem (compostagem por minhocas), num caixote guardado por baixo do lava-loiças ou na garagem.

Por fim, lembre-se de que Portugal prevenido não será vencido.

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